Pregador do Papa

Fofoca deve ser banida, diz Cantalamessa na 3ª Pregação da Quaresma

A terceira meditação ministrada pelo pregador da Casa Pontifícia, frei Raniero Cantalamessa, OFM Cap, ao Papa Bento XVI e a Cúria Romana aconteceu nesta sexta-feira, 8, dentro do percurso de preparação quaresmal. O tema deste dia foi “A caridade seja sem fingimento” – que segue na esteira das outras duas pregações, também inspiradas na primeira encíclica de Bento XVI, a “Deus Caritas Est”.

Fofoca deve ser banida, diz Cantalamessa na 3ª Pregação da Quaresma

“O próximo não existe em partida; tem-se um próximo somente se se torna próximo de alguém”, afirma o frei Cantalamessa (Foto: Arquivo)

Frei Raniero falou sobre um entrave para o amor autêntico: os rumores e fofocas. “Parece ter se tornado uma coisa inocente, mas é uma das coisas que mais poluem o viver em conjunto. Não basta não falar mal dos outros; é preciso também impedir que outros o façam na nossa presença, fazê-los compreender, talvez silenciosamente, que não se está de acordo com isso. Em muitos locais públicos, numa época, estava escrito: ‘Aqui não se fuma’, ou também ‘Aqui não se blasfema’. Não seria mal substituí-los, em alguns casos, com a inscrição: ‘Aqui não se faz fofoca!'”.

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.: NA ÍNTEGRA: A caridade sem fingimento – terceira pregação

“Não podemos limitar-nos a receber amor, devemos também doá-lo. É sobre isso que desejamos refletir nesta meditação. A água que Jesus nos dá deve tornar-se, em nós, ‘fonte que jorra’ (Jo 4, 14)”, destacou o pregador. O exemplo do Rio Jordão foi usado para explicar essa necessidade: o mesmo rio dá origem tanto ao Mar Morto – que não possui nenhum traço de vida, com alta presença de sal – quanto ao Mar da Galileia – cheio de vida e entre as águas que mais possui peixes em todo o mundo.

“No entanto, trata-se da mesma água do Jordão. A explicação, ao menos em parte, é esta: o Mar da Galileia recebe as águas do Jordão, mas não as retêm para si, as faz fluir de modo que essas possam irrigar todo o vale. O Mar Morto recebe as águas do Jordão e as retêm para si, não tem afluentes, não fornece uma gota d’água. É um símbolo”, afirmou.

Cantalamessa disse que as duas primeiras meditações refletiram sobre o amor de Deus como dom, mas chegou o momento de meditar também sobre o dever de amar, em particular de amar o próximo. Já na lei de Moisés, “Amar o próximo como a si mesmo” aparece como mandamento. No entanto, Jesus muda o objeto, o sujeito e o motivo de amar o próximo:

O objeto – o próximo a amar – não é mais apenas o da mesma nação ou ao máximo o hóspede que habita com o povo, mas cada homem, também o estrangeiro, também o inimigo. Mudou também o sujeito do amor – o significado da palavra próximo -, que não é mais aquele que está próximo, mas aquele que se faz próximo. “Não é preciso esperar passivamente que o próximo desponte sobre a minha estrada. O próximo és tu, isto é, aquele que tu podes te tornar. O próximo não existe em partida; tem-se um próximo somente se se torna próximo de alguém”, explicou. Por sua vez, o motivo, critério de amar o próximo também é mudado por Cristo: não se deve mais amar como a si mesmo, mas como Ele nos ama. “O homem pode amar a si mesmo de modo errado, isto é, desejar o mal, não o bem, amar o vício, não a virtude. Sabemos, ao contrário, onde nos leva o amor de Jesus: à verdade, ao bem, ao Pai”, diz.

A novidade do mandamento do Amor revelada em Cristo é que ele não é mais somente lei, mas também e principalmente graça. “Funda-se na comunhão com Cristo, tornada possível pelo dom do Espírito”, indica Cantalamessa. “Com Jesus, passa-se da relação a dois: ‘Aquilo que o outro faz a ti, tu fá-lo a ele’, ao relacionamento a três: ‘Aquilo que Deus fez a ti, tu fá-lo ao outro’, ou, partindo da direção oposta: ‘Aquilo que tu tendes feito com o outro, é aquilo que Deus fará contigo'”, destaca o pregador.

Aqui também encontra-se a diferença entre o amor puramente eros e aquele que é eros e ágape em conjunto. “O amor puramente erótico é um circuito fechado: eu amo a ti, tu amas a mim. O amor de ágape é um circuito aberto: vem de Deus e retorna a ele, mas passando pelo próximo”, explica o frei.

Amai-vos de coração verdadeiro

O amor ao próximo precisa estar revestido de algumas qualidades, especial e fundamentalmente duas: “Deve ser um amor sincero e um amor ativo, um amor do coração e um amor, por assim dizer, das mãos”. Cantalamessa vale-se de São Paulo para oferecer direcionamentos sobre esse aspecto:

“A ideia de fundo, ou melhor, o ‘sentimento’ que Paulo tem sobre a caridade precisa partir daquela palavra inicial: ‘A caridade não tenha fingimentos!’. Essa não é uma das tantas exortações, mas a matriz da qual derivam todas as outras. Contém o segredo da caridade”.

O frei capuchinho recorda que o termo original usado por São Paulo é anhypòkritos, isto é, sem hipocrisia, usado no Novo Testamento quase exclusivamente para definir o amor cristão. “O amor consiste em amar-se intensamente ‘de verdadeiro coração’. O discurso de Paulo chega à raiz mesma da caridade, ao coração. Aquilo que se requer do amor é que seja verdadeiro, autêntico, não fingido”.

A caridade possui duas dimensões: uma interior – as disposições e sentimentos – e outra exterior – feita de obras e palavras. Segundo o Apóstolo, o maior ato de caridade exterior não leva a nada sem a caridade interior. “A caridade hipócrita, de fato, é exatamente aquela que faz o bem sem querer o bem, que mostra no exterior qualquer coisa que não possui um respectivo no coração. Não se trata, contudo, de atenuar a importância das obras de caridade, mas de assegurar a essas um fundamento seguro contra o egoísmo e as suas infinitas astúcias”, sublinha Cantalamessa.

Amare sinceramente significa amar nesta profundidade, “lá onde não se pode mais mentir, porque estás sozinho diante de ti mesmo, sozinho diante do espelho da tua consciência, sob o olhar de Deus. Para ser genuína, a caridade cristã deve, portanto, partir do interior, do coração. O cristão – dizia São Pedro – é aquele que ama ‘de verdadeiro coração’: mas com qual coração? Com “o coração novo e o Espírito Novo’ recebido no batismo! Quando um cristão ama assim, é Deus que ama através dele; ele torna-se um canal do amor de Deus”.

A caridade edifica

O pregador da Casa Pontifícia salientou que o primeiro âmbito do exercício da caridade deve ser a Igreja, mais concretamente ainda a comunidade em que se vive, as pessoas com quem se tem relações cotidianas.

“A Igreja tem urgente necessidade de uma onda de caridade que cure suas feridas. Só o amor cura. É o óleo do samaritano. Óleo também porque deve flutuar por cima de tudo, como faz o óleo sobre os líquidos. ‘Acima de tudo esteja a caridade, que é o vínculo da perfeição’ (Col 3, 14). Acima de tudo, super omnia! Portanto também da fé e da esperança, da disciplina, da autoridade, ainda que, evidentemente, a própria disciplina e a autoridade possam ser uma expressão da caridade”.

Um âmbito importante a se trabalhar, portanto, é aquele dos julgamentos recíprocos. “O discurso sobre julgamentos é certamente delicado e complexo e não pode ser deixado pela metade, sem que logo pareça se tornar irreal. Como se faz, de fato, para viver inteiramente sem julgar? O juízo está implícito em nós, mesmo de relance. Não podemos observar, ouvir, viver, sem fazer classificações, isto é, sem julgar. De fato, não é tanto o julgamento que se deve retirar do nosso coração, mas o veneno da nossa análise! Ou seja, o ódio, a condenação. Por si, o julgar é uma ação neutra, o julgamento pode terminar tanto em condenação quanto em absolvição ou justificação”.

Outro ponto relevante é a estima: “Para estimar o irmão, é preciso não estimar tanto a si mesmo, não estar sempre seguros de si. ‘Minimizar’ deve tornar-se o nosso verbo preferido nos relacionamentos com os outros: minimizar as nossas forças e os defeitos dos outros. Não minimizar os nossos defeitos e as forças dos outros, como, pelo contrário, somos inclinados a fazer frequentemente, que é a atitude diametralmente oposta!”.

Programa

As meditações quaresmais acontecem sempre às 9h (em Roma – 5h no horário de Brasília), na Capela Redemptoris Mater, sob a direção do pregador da Casa Pontifícia, frei Raniero Cantalamessa, OFM Cap.

O tema das meditações quaresmais deste ano é “Sobretudo, revesti-vos do amor” (Cl 3, 14). A última Pregação da Quaresma acontece no dia 15, sexta-feira.

Acesse as outras pregações
.: Amor de Deus é real, diz Cantalamessa na 2ª Pregação da Quaresma
.: Amor santifica Igreja, diz Cantalamessa na 1ª Pregação da Quaresma

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