"Bendito o que vem"

Brasil e America Latina à espera de Bento XVI

Bento XVI inicia esta quarta-feira, 9 de Maio, a sexta viagem do seu pontificado, porventura aquela que poderá representar um ponto de viragem após dois anos mais concentrados nos desafios que se colocam à Igreja no Velho Continente.

A defesa da vida, a pobreza e a desigualdade social, o secularismo e a formação dos católicos são os temas desta visita pastoral, que decorre no Brasil, mas tem claramente uma dimensão continental.

O Brasil espera o Papa com grande expectativa: o maior país católico do mundo conseguiu, segundo os últimos dados divulgados, estancar a hemorragia de fiéis e conta com a maior figura mundial do catolicismo para relançar uma ação evangelizadora forte.

Esta vitalidade missionária marca a apresentação que o próprio Vaticano, através do Departamento das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, faz da viagem. Depois do avanço das seitas, a Igreja Católica parece reconquistar espaços abandonados e afirmar de forma cada vez mais clara a sua presença.

Vários líderes eclesiais têm, contudo, chamado ainda a atenção para o fato de milhões de pessoas viverem uma fé mais de tradição social do que de compromisso pessoal. Neste contexto, o advento da secularização e a globalização mercantilista podem gerar, com facilidade, um verdadeiro êxodo do catolicismo para outras denominações religiosas.

As formas tradicionais de evangelização parecem não ser as mais adequadas à nova realidade, sobretudo quando ancoradas no modelo de paróquia tradicional, centralizada no padre e na celebração dos Sacramentos. O Cardeal Claúdio Hummes, antigo Arcebispo de São Paulo e atual prefeito da Congregação para o Clero, no Vaticano, espera que a Igreja "vá, de forma organizada e missionária" ao encontro dos que não fazem parte da comunidade.

Este responsável assegura ainda que a Igreja tem de "fortalecer a fé dos católicos", que correspondem a cerca de 70% da população da região e são quase metade do total mundial.

O Cardeal Hummes lamenta a fé "frágil" de muitos, que não nasce de convicções pessoais, sem uma "relação pessoal com Jesus Cristo" e, por isso, sem coerência na vida quotidiana.

Novo perfil

Quando, no dia 13 de Maio, presidir à abertura dos trabalhos da V Assembleia Geral da Conferência Episcopal Latino-Americana – que fora convocada por João Paulo II -, Bento XVI estará plenamente consciente de que o o perfil social e religioso desta região apresenta diferenças profundas em relação ao que o Papa polaco conheceu nas Assembleias de 1979, em Puebla (México), e de 1992, em Santo Domingo (República Dominicana).

O Papa tem de traçar um retrato de conjunto de toda a América Latina, marcada pelo crescente pluralismo religioso e pelos problemas na relação com alguns dos novos regimes políticos na região. Bento XVI, ao abordar as questões da família e do direito à vida, terá em vista as movimentações tendentes a alterar legislações nacionais relativas, sobretudo, ao aborto.

A pobreza e a exclusão social serão outras grandes preocupações, confirmadas pelas declarações do Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone. Já na Conferência de Medellín, estas realidades foram vistas pelos Bispos como uma ameaça à paz

Na região, por outro lado, há muitos grupos fragilizados, alvo de constantes violações dos direitos humanos: menores, mulheres, presos, indígenas, negros, sem-terra, sem-abrigo, desempregados e refugiados são as principais vítimas.

Por tudo isto, já em Agosto do ano passado o Papa falava da importância desta viagem “no contexto das vicissitudes que a América do Sul está a viver intensamente", assumindo o objetivo de "reforçar a esperança que está viva naquela região”.

As «chaves» do Papa

Ao receber no Vaticano os participantes na Assembleia Plenária da Comissão Pontifícia para a América Latina, no passado dia 20 de Janeiro, Bento XVI deixou claras, desde logo, quais seriam as ideias-chave desta viagem apostólica.

A lista dos "enormes desafios" que a região enfrenta estava definida: "a mudança cultural originada por uma comunicação social que incide sobre os modos de pensar e sobre os costumes de milhões de pessoas; os fluxos migratórios, com tantas repercussões na vida familiar e na prática religiosa nos novos ambientes; o surgimento de novos questionamentos sobre como os povos devem assumir a sua memória histórica e o seu futuro democrático; a globalização, o secularismo, a pobreza crescente e a deterioração ecológica, sobretudo nas grandes cidades, assim como a violência e o narcotráfico".

Perante tudo isto, o Papa defendeu "a urgente necessidade de uma nova Evangelização, que nos estimule a aprofundar os valores da nossa fé, para que sejam linfa e configurem a identidade desses amados povos que um dia receberam a luz do Evangelho".

Falando da Conferência de Aparecida, Bento XVI disse que esta reunião magna "é chamada a dar um impulso renovado à Evangelização nesta vasta região do mundo eminentemente católica, na qual vive grande parte da comunidade dos crentes".

"É preciso proclamar integralmente a Mensagem da Salvação, para que impregne as raízes da cultura e se encarne no momento histórico latino-americano actual, para responder melhor às suas necessidades e aspirações legítimas", apontou.

A defesa da dignidade de cada ser humano "como critério fundamental dos projectos sociais, culturais e económicos, que ajudem a construir a história segundo o desígnio de Deus".

Partindo do tema da "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que os nossos povos n'Ele tenham a vida", que dá o mote aos trabalhos, o Papa defende que "a V Conferência deve fomentar que todos os cristãos se convertam em verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, por Ele enviados como apóstolos".

Para o futuro da Igreja na América Latina e no Caribe, referiu Bento XVI, "é importante que os cristãos aprofundem e assumam o estilo de vida próprio dos discípulos de Cristo", anunciando "a pessoa de Cristo e o seu Evangelho a todos os ambientes: a escola, a economia, a cultura, a política e os meios de comunicação social".

"De modo especial, os frequentes fenómenos de exploração e injustiça, de corrupção e violência, são um chamamento urgente para que os cristãos vivam a sua fé com coerência e se esforcem por receber uma sólida formação doutrinal e espiritual, contribuindo assim para a construção de uma sociedade mais justa, mais humana e cristã", desejou.

A viagem de Bento XVI ao Brasil será a 20ª de um pontífice à América Latina, a partir da realizada por Paulo VI a Medellín, Colômbia, em 1968, e das 18 viagens de João Paulo II ao "continente da esperança", expressão retomada pelo actual Papa. É também a quinta vez que um Papa vai ao Brasil.

A comitiva papal será composta pelo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, e pelos Cardeais Giovanni Battista Re, Claudio Hummes e José Saraiva Martins, da Cúria Romana.

O Papa partirá de Roma na manhã do dia 9 de Maio, rumo a São Paulo. Aqui saudará os brasileiros desde a varanda do Mosteiro de São Bento.

No dia 10 de Maio, Bento XVI faz uma visita de cortesia ao presidente Lula da Silva, reunindo-se depois com representantes de outras confissões cristãs e outras religiões. À tarde está marcado um encontro com jovens, no Estádio Municipal “Paulo Machado de Carvalho”.

Sexta-feira, 11 de Maio, o Papa presidirá pela manhã à Missa de Canoniza

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo