Caminho para o Natal

Advento exorta famílias a curarem feridas e recomeçarem com esperança

Testemunhos de católicos e reflexões de sacerdotes mostram como o Advento ajuda famílias a lidar com luto, distância e desafios do fim de ano

Julia Beck
Da Redação

Duas crianças se abraçam sorridentes diante de uma árvore de Natal iluminada, em gesto de carinho e reconciliação

Foto: Canva

O fim de ano costuma ser sinônimo de encontros familiares e confraternizações. No entanto, para muitas pessoas, esse período também desperta sentimentos diversos: conflitos mal resolvidos, laços familiares que se fortalecem, a saudade de quem já partiu ou mora longe e a alegria pela chegada — ou pela gestação — de um filho. Diante dessas realidades, o tempo do Advento surge como um convite da Igreja à oração, à reconciliação que restaura e, sobretudo, à esperança que nasce da espera em Cristo, oferecendo uma forma cristã de lidar com os desafios que marcam o coração.

Recordando uma expressão frequentemente usada pelo Papa Francisco — “Deus sempre nos dá a primeira” —, o chanceler da Cúria e pároco da Catedral de São Francisco Xavier em Itaguaí (RJ), padre Wagner Souza, afirma que Deus se antecipa e vai ao encontro da humanidade.

Segundo ele, o Advento enfatiza que Deus armou sua tenda entre os homens e partilhou a condição humana. Assim, mais do que marcar o fim de um ciclo ou a virada do ano civil, esse tempo renova a esperança e reafirma uma verdade central da fé cristã: “Ele está no meio de nós”.

Na avaliação do secretário executivo nacional da Pastoral Familiar, padre Rodolfo Chagas Pinho, o tempo do Advento pode funcionar como um verdadeiro “freio de emergência espiritual” no fim do ano, ajudando a substituir a correria e as cobranças — como a expectativa de uma “família perfeita” — por uma vivência mais profunda da fé. Segundo ele, esse tempo litúrgico ensina três atitudes concretas: esperar, simplificar e reconciliar.

“O Advento nos ensina que é preciso esperar com muita confiança sempre. Por quê? Porque Deus chega no tempo real e não em um cenário ideal. Ele chega nessa expectativa que nós temos feridas, mas que podemos atravessar este tempo com muita esperança, passo por passo, vivendo todo o processo sempre”, indicou.

Diante do cansaço e da correria do cotidiano, padre Rodolfo destaca que o Advento oferece um novo ritmo e sentido à vida, especialmente para aqueles que se sentem desanimados. Para o sacerdote, esse tempo litúrgico recorda que Deus não espera perfeição, mas vem ao encontro da fragilidade humana, recolocando o essencial no centro da existência. A esperança cristã, explica, não ignora o cansaço, mas ensina a esperar com confiança, passo a passo, ajudando as famílias a caminhar juntas e a se apoiarem mutuamente.

Lidando com a ausência

Luckas e o avô Álvaro /Foto: Arquivo Pessoal

O analista tributário Luckas Queiroz, de 30 anos, conta que o avô paterno, Álvaro Queiroz, sempre reuniu a família no Natal. Este ano, no entanto, será a primeira vez que todos passarão a data sem a presença de Álvaro, falecido em junho passado. “Existe um vazio físico, mas vejo que todos estão se esforçando para que esse legado dele de amor e união permaneça”.

A lembrança mais forte que Luckas guarda do avô é a felicidade perceptível em seu olhar ao ver todos os netos reunidos. Na ceia de Natal, recorda, era Álvaro quem convidava todos a viver um momento de oração, de mãos dadas — um gesto simples, mas que ele acredita ter sido fundamental para selar a união em torno da fé.

“A oração e o silêncio do Advento me fazem tirar o foco da minha dor e colocá-lo na esperança em Deus. A dor do luto não some, mas a fé me dá a força e a perspectiva para carregá-la. Essa certeza me permite atravessar este tempo com paz e gratidão”, sublinha.

Todos os netos de Álvaro no Natal de 2024/ Foto: Arquivo Pessoal

Dor da morte e alegria da vida

Na família da analista de negócios Marina Grandchamp Costa, de 29 anos, uma ausência também será sentida: a do primo Guilherme, assassinado em 11 de outubro passado durante uma tentativa de assalto enquanto peregrinava pela Rodovia Presidente Dutra, rumo à Aparecida. Ela conta que a notícia foi um choque para todos os familiares, gerando dor, revolta e questionamentos.

Os sentimentos negativos, segundo Marina, não trouxeram conforto. “Acredito que Deus não manda tragédias para ninguém, mas Ele é a nossa fortaleza para atravessá-las”, reflete. Ela relata que sua família sempre foi muito unida e que, após a perda do primo, esse vínculo se tornou ainda mais evidente: o sofrimento foi partilhado, especialmente com os familiares mais diretamente atingidos pela dor, e a união ajudou a transformar o luto em força.

Família de Marina /Foto: Arquivo Pessoal

Menos de um mês após a perda de Guilherme, a analista de negócios foi surpreendida com a descoberta de sua primeira gestação. “Logo, eu e meu marido contamos para a família, porque era algo esperado não só por nós, mas por todos que nós amávamos, inclusive pelo meu primo que faleceu”, revela.

Marina Grandchamp/ Foto: Arquivo Pessoal

Marina está à espera de Luisa, e acredita que a filha, assim como o apoio mútuo vivido pela família na dor, foram sinais da luz do Advento em sua vida — um testemunho de esperança experimentado na comunhão familiar, tanto na alegria quanto na tristeza. “Há sempre um nascimento a ser celebrado, uma vida a ser celebrada. As perdas são muito difíceis (…), mas é muito importante que a gente se lembre que há um Deus que olha por nós”.

Esperança

Ao abordar situações de dor, luto e saudade, padre Rodolfo afirma que a Igreja oferece, no Advento, uma proposta verdadeira de esperança (proposta do Ano Santo vivido em 2025, que será concluído em breve). “Diante da dor, diante do luto, diante da saudade, neste período bonito do Advento, a Igreja nos propõe algo verdadeiro: esperar com Deus dentro da saudade, porque o Natal não é uma festa que ignora as lágrimas, mas é a memória de que Deus entrou na nossa noite, Deus entrou na nossa escuridão, Deus habitou a nossa escuridão”, exorta.

Segundo ele, a fé cristã afirma que o amor é maior do que a morte e que a história humana não termina no túmulo. “A nossa esperança está sempre ancorada em Cristo Jesus, ela não decepciona. Que todo aquele que vive um tempo de saudade possa ter essa certeza da ressurreição”, reforça.

Missão e solidão

“É muito difícil viver o período do Natal longe da minha família. Chega a ser mais difícil do que outras datas ao longo do ano, porque somos uma família muito unida, que sempre celebrou o Natal juntos. Nesse tempo, é como se faltasse um pedaço de mim”, conta a missionária da Comunidade Canção Nova, Joyce da Silveira Mesquita, de 30 anos, que atualmente mora em Roma, na Itália.

Diante dessa distância física, Joyce encontrou nas ligações e chamadas de vídeo uma forma de diminuir a saudade e manter vivos os laços familiares. Segundo ela, participar, ainda que virtualmente, de toda a preparação do Natal ajuda a sentir-se próxima dos seus e dá a sensação de continuar fazendo parte de um momento tão especial.

Joyce Mesquita /Foto: Arquivo Pessoal

Apesar da saudade, da tristeza e até da solidão sentidas, a missionária afirma que aprendeu a ofertar esses sentimentos, dando sentido àquilo que vive. “Estou aqui por causa de Jesus. Precisei deixar a minha família por causa desse amor, desse encontro pessoal com Ele, que me impulsiona a desbravar outros lugares e a estar longe dos meus para viver o anúncio do Evangelho”, sublinha. Saber que existe um propósito em estar longe lhe dá forças para seguir a própria vocação.

A fé, a oração e as práticas do Advento ajudam a missionária a compreender a vida como caminho para a eternidade. Ao meditar sobre a vinda de Jesus — tanto no nascimento em Belém quanto na expectativa de sua vinda gloriosa —, Joyce afirma ser chamada a um constante abandono e conversão, vivendo o Natal não apenas como celebração familiar, mas como tempo de preparação para o encontro definitivo com Cristo.

Reconciliação

Em meio às alegrias e às dores que marcam o fim de ano, o Advento também convida a olhar com mais honestidade para as feridas que permanecem abertas nas relações familiares. Conflitos não resolvidos, palavras não ditas e mágoas silenciosas tornam-se ainda mais evidentes nesse período de reencontros e lembranças. Diante dessa realidade, a Igreja apresenta o perdão e a reconciliação como caminhos essenciais para a vivência desse tempo.

Segundo o secretário executivo nacional da Pastoral Familiar, a oração é um caminho concreto de reconciliação dentro das famílias, pois ajuda a “baixar a temperatura do coração” e a criar espaços de escuta e pequenos passos de reparação. Para ele, a oração não é algo mágico, mas uma prática constante que sustenta, desacelera e desarma reações impulsivas, favorecendo o pedido de perdão e o reconhecimento dos próprios limites. Ao colocar Deus em primeiro lugar, afirma, a família transforma a casa em uma verdadeira igreja doméstica, capaz de recomeçar sempre.

O perdão, ressaltam padre Wagner e padre Rodolfo, é um dos frutos mais concretos desse caminho espiritual. O membro da Pastoral Familiar o define como uma força que liberta, capaz de interromper o ciclo da mágoa e tornar a caminhada mais leve. Já o pároco da Catedral de São Francisco Xavier afirma que perdoar exige humildade e abertura para que a graça de Deus triunfe sobre a própria fraqueza. Para ambos, confessar, rezar e preparar o coração são atitudes essenciais do Advento, que libertam das mágoas, dos ressentimentos e da tristeza, permitindo experimentar a verdadeira paz — aquela que nasce de um coração reconciliado e aberto à vida nova em Cristo.

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