Felipe Aquino explica como a comunicação é parte do início da Igreja; Jubileu do Mundo das Comunicações, nesta semana, é o primeiro grande evento jubilar
Julia Beck
Da redação
“Deus disse: ‘Faça-se a luz!’” (Gn 1, 2) e “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14) são trechos da Bíblia importantes para compreender como a comunicação é parte não somente da Igreja, mas do início de tudo. Seu valor é tão intrínseco que o “Jubileu do Mundo das Comunicações”, que acontece nesta semana, de 24 a 26, abre a agenda dos grandes eventos jubilares deste Ano Santo.
Os dois trechos bíblicos citados – um em Gênesis e outro no Evangelho de São João – trazem observações válidas para a compreensão deste vínculo entre comunicação e Igreja. O primeiro descreve a criação do mundo e traz consigo uma analogia entre Deus e a palavra, ou seja, o surgimento de tudo vinculado à palavra. O segundo afirma que Jesus é o próprio Verbo – “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1, 1).
O professor de História da Igreja, Felipe Aquino, explica que verbo quer dizer palavra. “Uma palavra que tem poder, que realiza aquilo que ela significa”, acrescenta. A partir disso, ele detalha que tudo o que Jesus fez e ensinou, até os milagres, aconteceram através da sua palavra – uma comunicação gerada a partir da linguagem falada. “Ele dizia e acontecia: ‘jovem levanta-te’, e o jovem levantou. ‘Lázaro, venha para fora do túmulo’, e Lázaro veio”.
Deus quis se comunicar
Antes do nascimento de Jesus, profetas e patriarcas agiram como um canal para que Deus se comunicasse com a humanidade, pontua Aquino. As profecias foram escritas respeitando o contexto de vida dos autores sagrados, as geógrafas, a cultura deles, os gêneros literários que eles sabiam escrever. Podemos dizer que “por meios humanos, Deus revelou as suas verdades e a sua palavra”.
Com o passar do tempo, a comunicação foi sendo contínua. “Podemos dizer que a partir de Moisés (…) a humanidade foi sendo preparada para a chegada de Jesus”, frisa. Aquino comenta que o povo não tinha condição de entender tudo de uma hora para outra. Foi então que, em João Batista, o Messias chegou e foi apresentado como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Linguagem falada
Aquino identifica a totalidade da relação entre Jesus e a comunicação. Ele lembra que Cristo pregava o Evangelho, andado de cidade em cidade, nas sinagogas; conversava com os discípulos, fariseus e doutores da lei. “Então tudo foi feito a partir da comunicação entre Deus e a humanidade”, assegura.
“Tudo foi feito a partir da comunicação entre Deus e a humanidade”
Jesus, com todo o seu poder divino, observa o professor, se colocou dentro de uma linguagem humana. “Cristo, com a sua comunicação e comunhão com os apóstolos, foi preparando, vamos dizer assim, o nascimento da Igreja, que se tornou nascente no dia de Pentecostes”.
Após a crucificação e morte de Jesus, os apóstolos seguiram utilizando desta mesma linguagem em suas missões. Com a morte deles e de testemunhas oculares, apareceram dificuldades para comunicar a Boa Nova. “O próprio São Paulo fala que mais de 500 viram Jesus ressuscitado”, conta. Foi então que a linguagem escrita ganhou força.
Linguagem escrita
O professor de História da Igreja explica que a partir do momento em que os cristãos começaram a ser expulsos de Jerusalém, por causa das perseguições do Rei Herodes, o Evangelho passou a ser “espalhado pelo mundo”.
“A gente sabe que o primeiro Evangelho, por exemplo, talvez de São Mateus, só surgiu lá por volta do ano 50, assim como o de São Marcos. Depois surgiu o de São Lucas, por volta do ano 70, e de São João, por volta do ano 100”.
Pela necessidade de comunicar a Boa Nova em um mundo que era “romano”, “pagão”, Felipe Aquino revela que os cristãos, os sucessores dos apóstolos e os bispos nas diversas comunidades tiveram que escrever muitas cartas. Um exemplo citado é de Santo Inácio de Antioquia. No ano 107, o santo escreveu sete cartas durante sua caminhada enquanto prisioneiro, de Antioquia até Roma, onde foi martirizado.
“Cristo, com a sua comunicação e comunhão com os apóstolos, foi preparando, vamos dizer assim, o nascimento da Igreja, que se tornou nascente no dia de Pentecostes”
Aquino frisa que o esforço de transcrever os ensinamentos de Jesus, assim como a tradição apostólica, tem peso de verdade revelada.
Da perseguição ao templo
Após o período de perseguição que a Igreja sofreu pelo Império Romano, até praticamente o ano 313, quando Constantino proibiu a perseguição aos cristãos, a Igreja viveu um período de mais liberdade.
“Com o imperador Teodósio, no ano 380, mais ou menos, todo Império Romano se tornou cristão pelo Édito de Tessalônica. Teodósio eliminou a religião pagã, fechou todos os templos pagãos e o cristianismo então teve mais liberdade”, contextualiza o professor.
Com as mudanças, ele acredita que a comunicação da fé católica se tornou mais “organizada”. Foi então que a Igreja Católica começou a construir suas estruturas, o que antes era proibido. Aquino observa que durante o tempo de perseguição, a Igreja já cultivava a Santa Missa nas casas, ordenava sacerdotes e bispos.
A partir de 313, nos templos, Aquino afirma que a Igreja começou a formatar melhor sua Liturgia, a maneira de celebrar a Santa Missa. “Temos documentos desde o século II, de Santo Hipólito, por exemplo, e de Santo Inácio de Antioquia, no primeiro século. (…) A Igreja já estava desenvolvendo sua maneira de comunicar e celebrar a fé, administrar os sacramentos… Depois, com a “libertação” do cristianismo, ela se tornou ‘mais formatizada’”, acrescenta.
Antes e depois do Concílio Vaticano II
Antes do Concilio Vaticano II, a comunicação da Igreja enfrentava certas barreiras, principalmente da língua, “já que se usava o latim e o povo não sabia latim”, explica professor Felipe. “Depois do Concilio Vaticano II, podemos dizer que foi diminuído o monólogo e gerou-se mais comunicação, interação entre o celebrante e a comunidade, principalmente com o uso da língua vernácula em cada país”.
“Hoje a comunicação é muito mais fácil, muito mais aberta, mas, evidentemente, isso traz uma grande responsabilidade para quem faz uso da palavra”
A mudança veio também com uma maior responsabilidade, acredita Aquino. Padres, diáconos, religiosos e pregadores precisaram encontrar a maneira adequada dessa comunicação.
“Hoje, principalmente, com as redes sociais, em que todos têm acesso, (…) é preciso que haja muita cautela”, assinala. O professor destaca que é muito importante que quem faz uso da palavra na igreja, nas redes sociais, nas celebrações litúrgicas, seja muito bem preparado, estudado e conhecido.
“Não se pode improvisar, falar de um assunto sem domínio (…). Isso é muito perigoso. Eu sempre dizia na universidade que ensinar errado na universidade é crime. Na Igreja, o que é? É pecado grave. Então, hoje a comunicação é muito mais fácil, muito mais aberta, mas, evidentemente, isso traz uma grande responsabilidade para quem faz uso da palavra”, reitera.