Monsenhor Georges Lemaître propôs que o comportamento observado das galáxias era o resultado de uma expansão do universo implícita pela Relatividade Geral
Da redação, com Observatório do Vaticano
Um século atrás, um então recém-ordenado padre deu início à sua jornada científica no St. Edmund’s College da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. O diretor do Observatório do Vaticano, Guy Consolmagno, celebrou recentemente não apenas a vida deste padre, o físico belga Georges Lemaître, mas também a teoria do Big Bang que ele desenvolveu.
Consolmagno ministrou a Palestra Von Hügel de 2024, em novembro, para um público lotado, com foco no Monsenhor Lemaître, cujo evento atendeu pelo título “Por que olhamos para cima? Reflexão de um astrônomo sobre o universo e o chamado para estudá-lo”.
Quem foi o Monsenhor Lemaître?
Georges Lemaître, nascido em 1894, estudou engenharia, matemática, física e filosofia na Universidade Católica de Louvain e no seminário Maison Saint-Rombaut estudos — que foram interrompidos pela Primeira Guerra Mundial e por ter servido no Exército Belga.
Monsenhor Lemaître ficou em Cambridge por menos de um ano, trabalhando com Arthur Eddington. Eddington é talvez mais conhecido pelo trabalho no qual utilizou um eclipse total do sol, em 1919, para testar se a gravidade desviaria a luz das estrelas, como a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein previu. Lemaître celebrava missa diariamente na capela de St. Edmund, que existe até os dias de hoje. Em 1924, Lemaître publicou um artigo intitulado “O movimento de um sólido rígido de acordo com o princípio da relatividade”, com o endosso de Eddington.
Os trabalhos de Lemaître
Em 1927, o padre cientista publicou um artigo intitulado “Um Universo homogêneo de massa constante e raio crescente, responsável pela velocidade radial das nebulosas extragalácticas” — o artigo que usou as ideias de Einstein para delinear o que agora é popularmente conhecido como a “Teoria do Big Bang”. Lemaître propôs que o comportamento observado das galáxias era o resultado de uma expansão do universo implícita pela Relatividade Geral. Mais tarde, ele proporia que o universo se expandiu de um “átomo primordial”, começando de um “primeiro instante no fundo do espaço-tempo, o agora que não tem ontem”.
A história da criação
Consolmagno observou que Monsenhor Lemaître violou o que é chamado de “princípio cosmológico” — a ideia de que nenhum lugar no universo, e nenhum tempo, é diferente de qualquer outro lugar ou tempo. A teoria de Lemaître indicava um ponto de partida no tempo, um tempo diferente de todos os outros tempos. Pior, disse Consolmagno, chegava a identificar esse ponto de partida com a história da criação do Gênesis — um “primeiro dia”.
O fato de Lemaître ser um padre católico tornou essa noção ainda mais suspeita. Embora o próprio Lemaître tenha sido cuidadoso em nunca fazer tal identificação, alguns pensaram que ele estava procurando por uma teoria de “creatio ex nihilo”, em ressonância com a passagem de 2 Macabeus (7,28), “olhe para a terra e o céu e tudo o que há neles, e considere como Deus os fez do que não existia.” Na União Soviética, por exemplo, houve reclamações de que, “os cientistas reacionários como Lemaître … e outros fizeram uso de [galáxias] para fortalecer visões religiosas sobre a estrutura do Universo. Os falsificadores da ciência querem reviver o conto de fadas da origem do mundo do nada.”
Com o tempo, críticas como essas não conseguiram superar o peso das evidências científicas. Hoje, a teoria de Monsenhor Lemaître se tornou cientificamente dominante. Assim, os próximos anos verão oportunidades para celebrar vários centenários de Lemaître, cada um dos quais representará uma intersecção de ciência, história e religião. Dado que as Palestras Von Hügel (do Instituto Von Hügel de St. Edmund para Investigação Católica Crítica) têm como objetivo mostrar o pensamento interdisciplinar, a palestra de 2024 foi a ocasião perfeita para marcar o primeiro desses centenários, que também foi marcado por uma conferência de Lemaître no Observatório do Vaticano durante o verão.
O que é o Observatório Astronômico do Vaticano?
O Observatório do Vaticano ou Specola Vaticana é um instituto de pesquisas científicas que depende diretamente da Santa Sé. Suas origens remontam ao final do século XVI. Com efeito, em 1578, o Papa Gregório XIII convidou os astrônomos e matemáticos Jesuítas do Colégio Romano para preparar a reforma do Calendário Gregoriano, promulgado em 1582, em substituição ao Calendário Juliano, do imperador Júlio César (46 a.C.).
O Observatório funcionou no Vaticano por um pouco mais de 40 anos. No início de 1930, porém, o crescimento urbano e o aumento da luz elétrica da capital tornaram o céu de Roma muito claro, o que tornou impossível para os astrônomos estudar as estrelas menos luminosas. Por isso, Pio XI determinou a mudança do Observatório para sua Residência de Verão, em Castel Gandolfo.
Em 1981, foi fundado um segundo Centro de Pesquisa em Tucson, no Arizona, denominado “Vatican Observatory Research Group” (Grupo de Pesquisa do Observatório do Vaticano).
Em 1993, o Observatório, em colaboração com o Observatório Steward, concluiu a construção do “Telescópio Vaticano com Tecnologia Avançada” (VATT), no Monte Graham, Arizona. Hoje, o Observatório do Vaticano colabora com muitos institutos astronômicos internacionais e é membro da União Astronômica Internacional (IAU) e do Centro Internacional de Astrofísica Relativística (ICRA). Desde 1986, o Observatório Astronômico do Vaticano organiza, em Castel Gandolfo, escolas de astronomia, durante o período de verão.