Novo documento sustenta que “cada ser humano é sempre sagrado e inviolável” e destaca o magistério papal em várias temáticas que atentam contra a dignidade humana
Da redação, com Vatican News
O Dicastério para a Doutrina da Fé publicou nesta segunda-feira, 8, a declaração ‘Dignitas infinita” (dignidade infinita), dedicado a “algumas graves violações da dignidade humana”.
O documento do Dicastério exigiu cinco anos de trabalho e inclui o magistério papal da última década: da guerra à pobreza, da violência contra os migrantes àquela contra as mulheres, do aborto à maternidade sub-rogada e à eutanásia, da teoria do gênero à violência digital, entre outros. A declaração faz memória dos 75 anos da Declaração universal dos direitos do homem e reafirma “a imprescindibilidade do conceito de dignidade da pessoa humana ao interno da antropologia cristã”.
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“A Igreja não cessa de recordar que a dignidade de cada ser humano tem um caráter intrínseco e vale desde o momento da sua concepção até a sua morte natural. A afirmação de uma tal dignidade é o pressuposto irrenunciável para a tutela de uma existência pessoal e social, como também a condição necessária para que a fraternidade e a amizade social possam realizar-se entre todos os povos da terra”, destaca o documento.
O novo texto contribui para superar a dicotomia existente entre quem se concentra de modo exclusivo na defesa da vida do nascituro ou do moribundo, esquecendo muitos outros atentados contra a dignidade humana e, vice-versa, quem se concentra somente na defesa dos pobres e dos migrantes, esquecendo que a vida deve ser defendida desde a concepção até a sua natural conclusão.
Princípios fundamentais
Nas primeiras três partes da declaração, são evocados os princípios fundamentais, inerentes a cada pessoa humana, para além de toda circunstância.
“A Igreja, à luz da Revelação, reafirma de modo absoluto esta dignidade ontológica da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus e redimida em Cristo Jesus. Desta verdade extrai as razões do seu empenho em favor daqueles que são mais fracos e menos dotados de poder, insistindo sempre sobre o primado da pessoa humana e sobre a defesa da sua dignidade para além de toda circunstância”, refere o texto.
O documento evidencia o equívoco representado pela posição daqueles que à expressão “dignidade humana” preferem “dignidade pessoal”, porque entendem como pessoa somente “um ser capaz de raciocinar”. Consequentemente, afirmam que “não teria dignidade pessoal a criança ainda não-nascida, nem o idoso não autossuficiente, nem o portador de deficiência mental. A Igreja, ao contrário, insiste no fato que a dignidade de cada pessoa humana, porque é intrínseca, permanece para além de toda circunstância”, ressalta o texto.
O elenco das violações
A declaração apresenta então o elenco de “algumas graves violações da dignidade humana”, ou seja “tudo aquilo que é contrário à vida mesma, como toda espécie de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário”, mas também “tudo aquilo que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e à mente, as constrições psicológicas”.
Enfim, “tudo aquilo que ofende a dignidade humana, como as condições de vida sub-humana, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, ou ainda as ignominiosas condições de trabalho com as quais os trabalhadores são tratados como simples instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. É necessário mencionar aqui o tema da pena de morte, que também viola a dignidade inalienável de toda pessoa humana para além de toda circunstância”, indica.
Pobreza, guerra e tráfico de pessoas
Antes de tudo, se fala do “drama da pobreza”, “uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo”. Depois está a guerra, “tragédia que nega a dignidade humana” e é sempre uma “derrota da humanidade”, a ponto de hoje ser “muito difícil sustentar os critérios racionais maturados em outros séculos para falar de uma possível guerra justa”. E prossegue-se com o “sofrimento dos migrantes”, cuja vida é colocada em risco porque não têm mais os meios para formar uma família, para trabalhar ou para nutrir-se.
O documento se detém depois no “tráfico de pessoas”, que está assumindo “dimensões trágicas” e é definida como “uma atividade indigna, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas”, convidando “exploradores e clientes” a fazer um sério exame de consciência.
Do mesmo modo, se convida a lutar contra fenômenos como “comércio de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de crianças, trabalho escravizado, incluída a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e crime internacional organizado”. Cita-se ainda “o abuso sexual”, que deixa “profundas cicatrizes no coração daquele que o sofre”: trata-se de “sofrimentos que podem durar toda a vida e a que nenhum arrependimento pode remediar”.
O texto continua com a discriminação das mulheres e a violência contra elas, citando entre “a constrição ao aborto, que fere seja a mãe que o filho, tão frequente para satisfazer o egoísmo dos homens? E como não citar também as práticas da poligamia que – como recorda o Catecismo da Igreja Católica – é contrária à igual dignidade das mulheres e dos homens e é ainda contrária ‘ao amor conjugal, que é único e exclusivo’.
O documento também condena o “feminicídio”. “Neste front o empenho da inteira comunidade internacional deve ser compacto e concreto”, cita o texto relembrando as palavras do Papa Francisco.
Aborto e Maternidade sub-rogada
Firme também é a condenação ao aborto. “Entre todos os delitos que o homem pode cometer contra a vida, o aborto procurado apresenta características que o tornam particularmente grave e deplorável” e se recorda que a “defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano”.
Forte também é a contrariedade à maternidade sub-rogada, “através da qual a criança, imensamente digna, torna-se mero objeto”, uma prática “que lesa gravemente a dignidade da mulher e do filho… que se funda sobre a exploração de uma situação de necessidade material da mãe. Uma criança é sempre um dom e nunca objeto de um contrato”.
Na lista são citados ainda a eutanásia e o suicídio assistido, confusamente definidos por algumas leis como “morte digna”, recordando que o “o sofrimento não faz perder ao doente aquela dignidade que lhe é própria de modo intrínseco e inalienável”.
Fala-se, portanto, da importância dos cuidados paliativos e para evitar “toda obsessão terapêutica ou intervenções desproporcionais”, reiterando que “a vida é um direito, não a morte, a qual precisa ser acolhida, não aplicada”. Entre as graves violações da dignidade humana, encontra lugar também o “descarte” das pessoas com deficiência.
Teoria de gênero
Depois de reiterar que em relação às pessoas homossexuais deve ser evitada “toda marca de injusta discriminação” e particularmente toda forma de agressão e violência, denunciando “como contrário à dignidade humana” o fato de que em alguns lugares pessoas “são encarceradas, torturadas e até mesmo privadas da vida unicamente pela sua orientação sexual”.
Ao mesmo tempo, a Igreja evidencia os intensos pontos críticos da teoria de gênero, “que é perigosíssima porque cancela as diferenças na pretensão de tornar todos iguais”. A Igreja recorda que “a vida humana, em todos os seus componentes, físicos e espirituais, é um dom de Deus, que se deve acolher com gratidão e colocar a serviço do bem. Querer dispor de si, como prescreve a teoria de gênero (…) não significa outra coisa senão ceder à antiquíssima tentação do homem que se faz Deus”.
O documento explica que a teoria do gênero quer “negar a maior das diferenças possíveis entre os seres viventes: a diferença sexual”. “Tal diferença fundante é não só a maior, mas a mais bela e a mais potente: na dualidade homem-mulher, ela alcança a mais admirável reciprocidade e é assim a fonte daquele milagre, que não deixa de surpreender-nos, qual é a chegada de novos seres humanos ao mundo. Neste sentido, o respeito ao próprio corpo e àquele dos outros é essencial diante da proliferação dos pretensos novos direitos, propostos pela teoria de gênero”.
Violência digital
O elenco se completa com a “violência digital”, e cita as novas formas de violência se difundem através das redes sociais, por exemplo o cyberbullying, a difusão da pornografia e de exploração das pessoas para fins sexuais ou através dos jogos de azar.
A declaração se encerra exortando “a colocar o respeito pela dignidade da pessoa humana, para além de toda circunstância, ao centro dos esforços pelo bem comum e de todo ordenamento jurídico”.