Em artigo, Dom Sérgio reflete sobre a necessidade de semear com dedicação e persistência
Cardeal Dom Sergio da Rocha*
Semear é preciso!
Um novo ano é uma oportunidade especial para semear com dedicação e persistência os frutos que esperamos colher. Muitos querem colher sem semear; saborear frutos sem cultivar. Não há colheita, sem semeadura e cultivo. A semeadura se faz com esperança e disposição de trabalhar para que as sementes possam germinar, crescer, florir e frutificar. Pressupõe o preparo atento do terreno; exige o cuidado paciente e esperançoso do plantio. Contudo, sementes não se tornam imediatamente plantas com flores e frutos. Não se pode passar da semeadura para a colheita. É preciso cultivar o que se planta com amor e dedicação, com paciência e esperança, com persistência cotidiana.
O ritmo frenético e a tendência imediatista dificultam o cultivo paciente e perseverante. É comum querer semear e colher no mesmo dia. Pior é querer colher sem semear. Para saborear frutos, é preciso aprender a conjugar o verbo cuidar, em qualquer tempo, de modo paciente, dedicado, perseverante e esperançoso. E o que fazer, quando o semear e o cuidar não produzem os frutos esperados? Ao invés da frustração ou da tristeza, é preciso refletir com sinceridade, assumir serenamente as falhas ocorridas e admitir as limitações. Pode-se aprender mais com o cultivo que não produziu frutos do que com a fartura da colheita. A falta de chuva ou o frio rigoroso, as pragas da lavoura ou as ervas daninhas, desafiam e estimulam a buscar um novo cultivar. É preciso continuar a preparar terreno, lançar sementes e cuidar, de um jeito novo, na esperança dos frutos. Semear é preciso; persistir semeando, ainda mais!
E o que dizer do semear para que outros possam colher? A semeadura e o cultivo tornam-se ainda mais belos quando o que move o semeador é o desejo de partilhar os frutos ou a certeza de que outros irão se beneficiar, colhendo o que foi plantado. Se assim não fosse, árvores que tardam a frutificar não seriam plantadas. Tal postura representa o saborear antecipado dos frutos. Feliz quem assim viver, pois sua vida jamais será estéril. Semear sonhando com as flores e os frutos para fazer da vida e do mundo um imenso jardim onde florescem e frutificam as sementes mais preciosas, como o amor, a solidariedade, a esperança e a paz.
A responsabilidade e a dedicação pessoal não implicam em semear sozinho. Semear juntos é preciso! Com a força do amor fraterno, da união e da corresponsabilidade. Semear com Deus é preciso! Com a força da fé, na certeza de que Deus é o semeador, que semeia conosco e através de nós, que conta conosco para preparar o terreno e cultivar, fazendo germinar, crescer e frutificar. Nós semeamos e regamos, na certeza de que Deus é quem dá o crescimento e faz produzir abundantes frutos. Vale a pena lançar boas sementes sem jamais desistir de semear, especialmente neste tempo desafiador da pandemia, terreno fértil para cultivar o cuidado pela vida e a compaixão.
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O Cardeal Sérgio da Rocha é mestre em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, e doutor pela Academia Alfonsiana da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma. Já foi bispo auxiliar da arquidiocese de Fortaleza (CE), arcebispo das arquidioceses de Teresina (PI) e Brasília (DF) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Atualmente, é arcebispo de Salvador (BA), Primaz do Brasil.