Dia Mundial da Paz

Quando o ser humano não é cuidado, é impossível viver a paz, alerta padre

Padre Roger Araújo e Dom Roque Paloschi comentam mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz 2021, focada na cultura do cuidado

Julia Beck
Da redação

A solidariedade faz parte da cultura do cuidado suscitada pelo Papa em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz /Foto: Sincerely Media via Unsplash

No dia 1º de janeiro, oficialmente desde 1968, é celebrado o Dia Mundial da Paz. A data, instituída pelo Papa Paulo VI, tem como objetivo defender a paz frente aos perigos que continuamente a ameaçam: violência, egoísmo, desespero, desrespeito à vida e à dignidade humana, armas, dificuldades e o perigo de acreditar que as controvérsias não podem ser resolvidas por meio da razão.

Anualmente, os Papas divulgam suas mensagens para a data. O Papa Francisco sublinhou para 2021 a necessidade de uma cultura do cuidado para se alcançar a cultura da paz. Com o tema “A cultura do cuidado como percurso de paz”, a mensagem do Pontífice tem como lema a dignidade da pessoa e a meta, uma globalização mais humana. O texto foi publicado no dia 17 de dezembro de 2020.

Dom Roque Paloschi /Foto: Arquidiocese de Porto Velho

Para compreender o conceito de cultura do cuidado, o arcebispo de Porto Velho (RO), Dom Roque Paloschi, frisou que a cultura se refere a um conjunto de costumes, normas, valores, crenças e conhecimentos de um povo ou determinado grupo. “Se olharmos para a sociedade atual como um todo, constataremos que a cultura predominante é bélica. O mundo tornou-se, pouco a pouco, um campo de batalha, onde apenas os mais “fortes” sobrevivem”.

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O bispo reforça que o Papa aponta em sua mensagem que nesse tipo de sociedade bélica não há espaço para a paz. “O Pontífice apela aos governadores, às lideranças, para que tenham políticas públicas voltadas para todos, principalmente, para os mais frágeis da sociedade”.

“O que se esperava da humanidade é que, depois de viver experiências trágicas como a dizimação dos povos indígenas durante o período de colonização, o holocausto no Nazismo, o terror das bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki, e tantas outras tragédias mundiais, ela saísse dessas experiências com mais sabedoria e mais humanizada, considerando cada vida como digna e singular”. –  Dom Roque Paloschi

“O que se esperava da humanidade é que, depois de viver experiências trágicas como a dizimação dos povos indígenas durante o período de colonização, o holocausto no Nazismo, o terror das bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki, e tantas outras tragédias mundiais, ela saísse dessas experiências com mais sabedoria e mais humanizada, considerando cada vida como digna e singular”, opina Dom Paloschi.

“É fato que tivemos grandes avanços, como, por exemplo, os direitos humanos, concedidos na declaração de 1948, com três bases: liberdade, igualdade e dignidade que, nas nossas Constituições é assegurado pelo artigo 1 da declaração que prevê a dignidade humana como valor fundamental do Estado Brasileiro. Mas estamos assistindo ao retrocesso desses direitos e um ódio que cega muitos”, acrescenta. 

O missionário da Comunidade Canção Nova, padre Roger Araújo comentou que Francisco recorda também em sua mensagem que a paz não é simplesmente a ausência de guerras e conflitos bélicos, mas também a ausência de conflitos humanitários. “Quando o ser humano não é cuidado, respeitado, valorizado, quando a natureza e a casa comum não são cuidadas é impossível viver a paz. A cultura do cuidado é acima de tudo a cultura do respeito com o Criador de todas as coisas”.

Padre Roger Araújo /Foto: Arquivo Canção Nova

A ideia do cuidado, recordou o sacerdote, é frisada pelo Papa no início da mensagem, quando fala de Deus enquanto criador de todas as coisas e também como aquele que cuida. “O cuidado é a ternura, delicadeza, respeito e valorização por cada coisa criada. Se queremos salvaguardar o mundo, se queremos que ele viva a paz que é tão necessária, é preciso cuidar de todas as coisas. Os valores da cultura do cuidado fazem parte do pontificado do Papa Francisco”.

Dom Roque apontou que os pilares para a construção da cultura do cuidado são a justiça, a verdade e a fraternidade. “E, como todas as outras culturas, não é estática. É viva e está em contínua construção e reconstrução, porque o cuidado é da essência do ser humano e só o cuidado pode frear a violência”.

Pandemia da Covid-19

O mundo vive hoje a pandemia da covid-19, realidade citada pelo Santo Padre em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz. O arcebispo de Porto Velho e o padre da Canção Nova destacam que a crise sanitária contribuiu para o agravamento das crises que já existiam: fome, problemas ambientais, crise econômicas, pessoas fugindo de guerras, perseguições e conflitos, por exemplo. 

“A pandemia da covid-19 não deu início a essas crises, elas já existiam. Mas a crise sanitária, por atingir a todos indistintamente, tornou-se prioridade e colocou na sombra todas as outras crises que continuam crescendo assustadoramente, sem que o mundo se preocupe com a solução”, revelou o bispo.

Padre Roger sublinhou que, muitas vezes, homens e mulheres focam na pandemia e no cuidado que precisamos ter – que é necessário por todas as consequências e causas que essa doença traz para a humanidade – mas alertou para que a humanidade não perca o olhar diante dos outros problemas seríssimos.

Crise solidária

“Uma crise maior que se alarmou é a solidária, porque todas as outras crises precisam do cuidado de uns com outros, por isso a cultura do cuidado. Precisamos cuidar mais da casa que moramos, do mundo, do clima, do lixo, da rua, da cidade, das pessoas”, frisou o sacerdote.

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A solidariedade, segundo Dom Roque,  é o despertar da dimensão humana e fraterna, e se apresenta como o antídoto mais valioso contra os riscos da alienação ligados ao desenvolvimento de uma sociedade tecnológica, bélica, individualista e fria. 

“São as pessoas aquecidas pela solidariedade que constroem juntas a cultura do cuidado como caminho para a paz que é, sem dúvida, um meio eficaz de recuperar a memória sagrada de que somos seres humanos, feitos imagem e semelhança de Deus, filhos e filhas do mesmo Pai; de que somos todos irmãos, guardiães da Casa Comum”. – Dom Roque Paloschi

Padre Roger frisou que a solidariedade é um elemento fundamental na cultura do cuidado. “Ser solidário significa entender que o outro é importante. Arranca de nós aquilo que o pecado dilacera que é o egoísmo, a soberba, a vaidade. Ser solidário quer dizer:  eu cuido do outro, me importo com ele”.

Pessoas não são descartáveis

O conceito de pessoa é fundamental para despertar o olhar solidário da humanidade, de acordo com padre Roger. O sacerdote defendeu que é preciso olhar as pessoas não por atacado – uma tendência da cultura do descarte – mas sim por sua individualidade e singularidade.  “O conceito de pessoa nos leva a ver em cada criatura humana a imagem e semelhança de Deus, merecendo respeito e cuidado”.

A pessoa, segundo Dom Roque, tem valor absoluto e não pode ser instrumentalizada em função do estado, do mercado, da religião ou de qualquer outro interesse. “Tomar consciência de nossa condição de pessoa é fundamental para aprendermos a viver, conviver e cuidar da vida como valor absoluto e inegociável”.

Compreender as muitas crises vividas, entender o valor da pessoa humana e viver a solidariedade é também seguir pela bússola indicada pelo Papa em sua mensagem.  “A bússola, a qual o Papa se refere, dá direção de onde devemos ir e caminhar: a cultura do cuidado. Cuidado para não nos descuidarmos do outro, para não descartarmos o outro, cuidado para promovermos algo sem pensar no cuidado do outro”, finaliza padre Roger.

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