Em encontro com a Cúria Romana, Francisco falou sobre as transformações que estão sendo realizadas nas instituições vaticanas
Da redação, com Vatican News
O Papa Francisco recebeu neste sábado, 21, na Sala Clementina, para as felicitações de Natal, os seus colaboradores mais próximos da Cúria Romana. Em seu discurso, o Santo Padre afirmou que a época atual não é simplesmente uma época de mudanças, mas é uma mudança de época. Segundo o Pontífice, o comportamento saudável de quem é membro da Cúria é o de se deixar interrogar pelos desafios do tempo presente, com discernimento e coragem, e não se deixar seduzir pela cômoda inércia de deixar tudo como é.
“Muitas vezes vive-se uma mudança limitando-se a vestir uma roupa nova, mas na realidade permanece-se como era antes. Recordo a expressão enigmática que se lê em um famoso romance italiano: ‘Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude (O Leopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa)'”, afirmou o Papa.
Francisco frisou que em um mundo que muda, a Cúria Romana não deve mudar simplesmente para “seguir modas”. A Igreja vive o desenvolvimento e o crescimento a partir da perspectiva de Deus e a história da Bíblia é toda um caminho marcado por começos e recomeços, destacou o Santo Padre. Por isso, o Pontífice citou um dos novos santos, o cardeal Newman, que quando falava de “mudança” na realidade queria dizer “conversão”.
A reforma da Cúria Romana também fez parte do discurso do Papa. Francisco sublinhou que nunca teve a presunção de fazer como se antes nada tivesse existido, mas apostou no contrário, em valorizar tudo o que foi feito de bom na complexa história da Cúria.
“É obrigatório valorizar a sua história para construir um futuro que tenha bases sólidas, que tenha raízes e possa nos levar a um futuro fecundo. Apelar-se à memória não quer dizer ancorar-se na autoconservação, mas reconvocar a vida e a vitalidade de um percurso em contínuo desenvolvimento. A memória não é estática, é dinâmica. Por sua natureza implica o movimento”, completou.
Novidades durante o papado de Francisco
De modo resumido, o Pontífice falou sobre algumas novidades da organização curial, como a criação no final de 2017 da Terceira Seção da Secretaria de Estado (Seção para os funcionários diplomatas da Santa Sé, ndr), junto com outras mudanças ocorridas nas relações entre Cúria Romana e Igrejas particulares e na estrutura de alguns Dicastérios, em particular o das Igrejas Orientais e outros para o diálogo ecumênico e inter-religioso, em particular com o Judaísmo.
O Santo Padre reforçou que foi principalmente da constatação – já evidente no tempo de João Paulo II e de Bento XVI – de um mundo que não é mais consciente do Evangelho como no passado, que foram originadas profundas reestruturações de dicastérios históricos ou que surgiram ou nasceram novos. Ao se referir à Congregação para a Doutrina da Fé e à Congregação para a Evangelização dos Povos, o Papa observou que quando foram instituídas, era uma época na qual era mais simples distinguir entre dois divisores definidos: de um lado o mundo cristão e de outro um mundo ainda a ser evangelizado.
“Hoje não existe mais esta situação. As populações que ainda não receberam o anúncio do Evangelho não vivem apenas nos continentes não ocidentais, mas estão em todos os lugares, especialmente nas grandes concentrações urbanas as quais requerem uma pastoral específica. Nas grandes cidades precisamos de outros ‘mapas’, de outros paradigmas, que nos ajudem a reposicionar o nosso modo de pensar e as nossas atitudes: não estamos mais na cristandade, não estamos mais!”, frisou Francisco.
Evangelho e cultura digital
O que remodelou as instituições vaticanas foi o impulso a um renovado anúncio do Evangelho, afirmou o Papa. Conforme o Pontífice já tinha esclarecido na Evangelii gaudium: costumes, estilos, horários e linguagem, tudo deve ser um canal adequado à evangelização do mundo atual, mais do que para a autopreservação. E para esta necessidade corresponde o nascimento do Dicastério para a Comunicação, entidade que une nove setores da mídia vaticana que antes eram separados entre eles.
Este fato não foi um simples “agrupamento coordenativo”, mas um modo de “harmonizar” para “produzir uma melhor oferta de serviços em uma cultura amplamente digitalizada”, esclareceu o Santo Padre. A nova cultura, marcada por fatores de convergência e multimidialidade, precisava de uma resposta adequada por parte da Sé Apostólica no âmbito da comunicação, completou Francisco.
Com relação aos serviços diversificados, atualmente prevalece a forma multimídia, e isso marca também o modo de criá-los, pensá-los e atuá-los, contou o Papa. Tudo isso implica, segundo o Pontífice, junto com a mudança cultural, em uma conversão institucional e pessoal para passar de um trabalho completamente isolado – que nos casos melhores tinha alguma coordenação – a um trabalho conectado, em sinergia.
O mesmo destino coube ao Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral criado para tornar mais coerente e unitário o trabalho que estava dividido entre os Pontifícios Conselho Justiça e Paz, Cor Unum, Pastoral dos Migrantes e Pastoral no Campo da Saúde.
Um olhar para os descartados
A Igreja é chamada, de acordo com o Santo Padre, a recordar a todos que não se trata apenas de questões sociais ou migratórias, mas de pessoas humanas, de irmãos e irmãs que hoje são o símbolo de todos os descartados da sociedade globalizada. “É chamada a testemunhar que para Deus ninguém é ‘estrangeiro’ ou ‘excluído’. É chamada a despertar as consciências adormecidas na indiferença diante da realidade do Mar Mediterrâneo que se tornou para muitos, demasiados, um cemitério”, alertou.
Portanto, para o Papa, entre os “grandes desafios” e “necessários equilíbrios”, o que conta é que a Igreja, a Cúria Romana por primeiro, olhe à humanidade na qual todos são “filhos de um único Pai”. O Pontífice não escondeu a dificuldade de mudanças tão grandes, a necessidade de gradualismo, “o erro humano”, com os quais, “não é possível, nem justo não considerar”.
“A este difícil processo histórico está sempre ligada a tentação de se fechar no passado (mesmo usando novas formulações), porque é considerado mais garantido, conhecido e, certamente, menos conflitual”, observou o Santo Padre. Neste ponto, o Pontífice frisou ser preciso colocar em alerta a tentação de assumir um comportamento rígido.
Segundo Francisco, a rigidez nasce do medo da mudança e termina por disseminar limites e obstáculos no terreno do bem comum, fazendo com que se torne um campo minado de incomunicabilidade e de ódio. “Recordemos sempre que por trás de toda a rigidez jaz algum desequilíbrio. A rigidez e o desequilíbrio se alimentam mutuamente em um círculo vicioso”, observou.
Na conclusão, o Papa citou as palavras do cardeal Carlo Maria Martini que, pouco antes da sua morte afirmou: “A Igreja ficou para trás 200 anos. Por que não se mexe? Temos medo? Medo ao invés de coragem? De qualquer modo a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem. […] Só o amor vence o cansaço”.