Data foi aprovada de acordo com resolução aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas
Da redação, com CNBB
Dia 20 de junho celebra-se, em todo mundo, o Dia Mundial do Refugiado, de acordo com uma resolução aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Para a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a data é uma oportunidade para homenagear a coragem, a resiliência e a força de todas as mulheres, homens e crianças forçadas a deixar suas casas por causa de guerras, conflitos armados e perseguições.
Por ocasião da data, o bispo de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sócio Transformadora, dom José Valdeci Santos Mendes, escreveu artigo sobre o processo migratório no Brasil e o papel da Igreja. No Brasil, existem aproximadamente 1,2 milhão de migrantes; os refugiados, em dado cumulativo, são mais de 10 mil; e há mais de 30 mil solicitantes de refúgio. Veja a íntegra do texto de dom Valdeci a seguir.
A Igreja no Brasil e a Migração
“Eu era forasteiro, e me recebeste em casa”, Mt 25,34
De 16 a 23 de junho/2019, celebramos em todo o Brasil a 34ª Semana do Migrante. A Semana do Migrante deste ano tem como tema Migração e políticas públicas, procurando dar continuidade, no vasto campo da mobilidade humana, à reflexão e ação da Campanha da Fraternidade/2019.O lema – Acolher, proteger, promover, integrar e celebrar. A luta é todo dia – reúne os já famosos quatro verbos do Papa Francisco, associados à necessidade de celebrar os avanços obtidos, bem como de empenhar-se por novas formas de luta.
Desnecessário ressaltar a importância da temática para os nossos tempos. Como vem denunciando com insistência o Papa Francisco desde sua eleição, em março de 2013, os deslocamentos humanos de massa fazem parte de um cenário internacional onde predominam, de um lado, leis cada vez mais restritivas ao direito de ir e vir e, de outro, a globalização da indiferença. Daí a palavra de ordem do pontífice: na contramão da “economia que mata” e que gera milhões de “trabalhadores descartáveis”, promover uma globalização da acolhida, do encontro, do diálogo e da solidariedade.
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Ao longo da história do Brasil, vários movimentos migratórios foram importantes e eles continuam ocorrendo constantemente, seja em âmbito internacional ou interno. Importante destacar que os movimentos migratórios dinamizam as sociedades, pois com a saída ou a chegada de pessoas, há uma mudança na configuração social. Porém, junto com os movimentos migratórios relacionam-se preconceitos étnicos, religiosos e culturais.
A existência da migração no Brasil é antiga, mas as razões disso mudam com o passar dos anos. No século XVIII, por exemplo, a América Latina como um todo recebeu intensos fluxos migratórios, principalmente de europeus colonizadores e africanos escravizados. Já no século XIX, Argentina, Brasil, Uruguai e Chile atraíram um novo fluxo migratório originado a partir das crises político-sociais que assolavam a Europa. Durante o século XX, uma nova leva de imigrantes chegou à América Latina após a Segunda Guerra Mundial.
Mais atualmente, a globalização teve um forte peso na decisão das pessoas de escolherem um país de destino. Graças a ela, o “horizonte” dos indivíduos foi ampliado. Antes, a maioria dos migrantes objetivava mudar-se para uma cidade maior em seu próprio país ou para algum Estado vizinho. A partir da globalização, a distância entre as nações foi “diminuída”.
Porém, deixar tudo para trás e iniciar uma vida nova e uma nação distinta, com cultura e leis diferentes, representa um desafio para qualquer pessoa. Por outro lado, o choque de cultura maximiza o estigma carregado pelos migrantes, muitas vezes vistos como “invasores “ ou “forasteiros”. Não são poucos os refugiados e migrantes que encontram resistência por parte das comunidades locais, sendo vítimas de discriminação e xenofobia. A marginalização dessas pessoas dificulta a integração na sociedade, potencializando tensões sociais e políticas nos países de acolhida. Elas carregam consigo marcas da guerra e da violência, chegando, com muita frequência, sozinhos e desacompanhados.
No mundo, são mais de 260 milhões de migrantes; ali estão 65,5 milhões de pessoas deslocadas forçosamente; são aproximadamente 22,5 milhões de refugiados e refugiadas; 2,5 milhões de solicitantes de refúgio; e 40,3 milhões de pessoas deslocadas forçosamente no interior dos próprios países. No Brasil, aproximadamente 1.2 milhão de migrantes; os refugiados, em dado cumulativo, são mais de 10 mil; e há mais de 30 mil solicitantes de refúgio.
Estes dados, seguramente nos impressionam. Mas isto não é suficiente. Somos chamados a pôr em prática os quatro verbos, as quatro ações – acolher, proteger, promover, integrar. Há quem possa e deva incidir em decisões e ações de abrangência mundial, outros em âmbito regional, nacional, local… Em um mundo em que, a cada dia, aproximadamente 34 mil pessoas são forçadas a deslocar em razão de conflitos ou perseguição, não há solução viável sem uma abordagem humana que se lastreie na cooperação internacional.
Assim, a Igreja no Brasil também é chamada a colaborar, no sentido de ajudar a população migrante e os refugiados, de modo especial os irmãos e irmãs venezuelanos. Como o Papa Francisco sempre nos recorda, eles não são números, mas pessoas: homens, mulheres e crianças que têm um rosto, que muito sofrem e que são descartados. Um rosto humano no qual vemos o rosto de Cristo, que queremos servir especialmente naqueles que são os menores e com mais necessidades.
É no apoio às famílias migrantes que, muitas vezes, migram em busca de segurança e de uma vida digna, especialmente para as crianças, na ajuda à integração a fim de evitar situações de descarte e no trabalho de sensibilização das comunidades de destino para evitar atitudes de rejeição provocadas pelo medo ou pela ignorância que a Igreja pode e deve agir com eficiência. Ou, de acordo com a orientação do Papa Francisco, as respostas efetivas da Igreja devem estar pautadas nas articulações em torno de quatro verbos que encontram seus fundamentos na Doutrina Social da Igreja: acolher, proteger, promover e integrar.
Embora muitas nações devam seu desenvolvimento aos migrantes e apesar de suas experiências terríveis serem divulgadas, a migração é vista somente como emergência ou perigo, mesmo sendo um elemento comum em nossas sociedades. Um compromisso urgente e necessário é trabalhar por uma mudança de atitude, abandonando a cultura dominante do descarte e da rejeição. A Igreja deve colaborar para dissipar muitos preconceitos e medos infundados em relação à acolhida dos estrangeiros e a difundir uma percepção equilibrada e positiva da migração. A migração é uma dimensão normal de nossa sociedade, que se tornou interdependente por causa das conexões rápidas, das comunicações e a necessidade de relações em nível mundial. São dimensões nas quais realmente podemos ver os ‘sinais dos tempos’ que impulsionam a solidariedade globalmente.
Sempre há espaço onde todos e onde cada um/a pode atuar… Na dimensão pessoal, comunitária, institucional, no contexto da empresa onde trabalhamos, no mercado e na rua por onde transitamos, no clube, na praça ou no parque que frequentamos… é infinita oportunidade que temos de combater a xenofobia, de evitar a rejeição e a discriminação, de abrir espaço ao outro, de acolher de alma e coração sinceros, da fazer um gesto concreto de partilha, de elevar uma oração que difunda o espírito de fraternidade universal de família humana. Estaremos, pois, inspirados por sentimentos de compaixão, e com verdadeira paixão, fazendo avançar a construção da paz que todos e todas nós desejamos para o mundo e para cada ser humano, seja migrante, seja refugiado, seja apátrida, seja brasileiro ou brasileira. Acima da nacionalidade, está a cidadania da dignidade inalienável de todos os membros da família humana.
Por fim, recordo o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado a ser celebrado no dia 29 de setembro de 2019. O tema desta 105ª edição será “Não se trata apenas de migrantes”. Com este tema, o Papa Francisco quer sublinhar que os seus repetidos apelos em favor dos migrantes, refugiados, deslocados e vítimas do tráfico de seres humanos devem ser entendidos no contexto da sua profunda preocupação por todos os habitantes das periferias existenciais. “A presença dos migrantes e refugiados – como a das pessoas vulneráveis em geral – constitui, hoje, um convite a recuperar algumas dimensões essenciais da nossa existência cristã e da nossa humanidade, que correm o risco de entorpecimento num teor de vida rico de comodidades. Aqui está a razão por que «não se trata apenas de migrantes», ou seja, quando nos interessamos por eles, interessamo-nos também por nós, por todos; cuidando deles, todos crescemos; escutando-os, damos voz também àquela parte de nós mesmos que talvez mantenhamos escondida por não ser bem vista hoje” (Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado – 29 de setembro de 2019).
Dom José Valdeci Santos Mendes
Bispo de Brejo (MA)
Presidente da Comissão Episcopal de Pastoral para Ação Sócio Transformadora