Bispo de Belo Horizonte fala sobre a dificuldade enfrentada pelos habitantes de Brumadinho em recomeçar após tragédia
Julia Beck
Da redação
Aproximadamente 100 dias após a tragédia em Brumadinho (MG) e três anos em Mariana (MG), a Mineração no Brasil foi pauta do terceiro meeting point da 57ª Assembleia Geral (AG) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Os desafios da atuação da Igreja neste cenário foram comentados pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Vicente Ferreira, e pelo bispo de Caxias (MA), Dom Sebastião Lima Duarte.
Dom Vicente acompanhou de perto os desdobramentos do rompimento da barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho, e ficou nacionalmente conhecido ao se emocionar durante a missa que fez memória às mais de 240 vítimas da tragédia. “25 de janeiro de 2019 marcou profundamente a nossa região com essa tragédia, com esse crime que aconteceu em Brumadinho”, recordou o bispo auxiliar.
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Brumadinho está inserida no Vale do Paraopeba, e é um município marcado pela fé e devoção da população de maioria católica, como conta Dom Vicente: “Era um lugar lindo, maravilhoso, com água, natureza e um povo de uma fé muito grande”. Sobre a atual situação, o bispo auxiliar alerta: “A tragédia maior que pode acontecer é o esquecimento. Que isso jamais seja esquecido e que nunca mais aconteça algo assim. Não queremos que isso aconteça mais com o nosso povo”.
“O rompimento dessa barragem foi algo infernal que destruiu toda uma perspectiva do paraíso na terra. (…) 240 mortos encontrados e sepultados, 40 desaparecidos e a morte de um rio. É muito difícil mensurar de fato o tamanho do estrago e da complexidade dessa questão devastadora do rompimento da barragem”, sublinhou o bispo. Dom Vicente revela que muitas pessoas e instituições procuram a Igreja para apoiar as iniciativas em favor das vítimas e citou o apoio incondicional do arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor, dos padres, diáconos e leigos da localidade.
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Sobre a atuação da Igreja após a tragédia, Dom Vicente afirmou: “Nós estávamos antes, durante e permaneceremos com o nosso povo”. O bispo falou de uma Igreja Samaritana, quando se referiu aos trabalhos realizados nas 150 comunidades de Brumadinho.
O tema “mineração” é definido pelo bispo auxiliar como fundamental. “Minas tem que testemunhar isso, pois a mineração não está presente somente no nosso estado”, frisou. Tragédias como a de Brumadinho e Mariana despertam a sociedade, de acordo com Dom Vicente, para questões profundas da evangelização, por deixarem sequelas profundas nas pessoas e na natureza. Segundo o bispo já não é possível, em Brumadinho, separar quem é vítima ou não da tragédia, já que todos são: “Se não morreram na tragédia, muitos moradores de Brumadinho morreram de doenças, alguns com depressão, outros não superam a dor e o luto, muitos desalentados”.
“Não é muito fácil estar aqui [na 57ª AG] o coração gostaria de estar em Brumadinho”, declarou Dom Vicente que classificou o momento como fundamental para os futuros desdobramentos. A tragédia, segundo o bispo, reforçou a credibilidade da Igreja. “Nós somos hoje, em Brumadinho, referência”Nós somos hoje, em Brumadinho, referência”, destacou. “Nós somos hoje, em Brumadinho, referência. (…) Mesmo com as crises institucionais que vivemos, a Igreja Católica tem credibilidade porque todos sabem que lá estamos”, destacou.
Sobre os números da tragédia, o bispo auxiliar relata que as vítimas são hoje o documento maior. “Quem morreu fala naquilo que as suas famílias estão sofrendo, no ambiente que estamos tendo que recomeçar em Brumadinho”.
A Igreja e a Mineração
Dom Sebastião, presidente do Grupo de Trabalho (GT) de Mineração da CNBB, conta que o trabalho da Igreja com o tema começou em 2015 quando os donos de grandes mineradoras pediram uma audiência com o Papa Francisco no Vaticano. Em seguida foi a vez dos atingidos pelas atividades das Mineradoras manifestarem ao Pontífice o desejo de serem ouvidos, de acordo com o bispo. Um ano depois, Dom Sebastião afirmou ter sido aprovada a criação do GT de Mineração da CNBB por parte do Conselho Permanente da Conferência.
“O foco era a extração de minério a partir do fracionamento hidráulico que acontecia no sul do país”, revelou o bispo. Com o tempo, Dom Sebastião conta que se tornaram prioridade temas ligados à mineração a nível de Brasil.
A tragédia que ocorreu em Mariana, acentuou a união de instituições e órgãos ao GT, segundo o bispo. Discussões em torno da mineração e da postura da Igreja como solidária e samaritana se tornaram constantes. Outras atividades em Brasília surgiram, e o GT chegou a participar do encontro latino americano sobre o tema. Dom Sebastião fez questão de destacar o posicionamento do GT: “Tomamos sempre a defesa dos atingidos”.
Um levantamento geral da situação da mineração em todo o Brasil, a partir das dioceses que computaram a presença dessas atividades em suas áreas, é um dos trabalhos que foi realizado pelo grupo da CNBB. Conflitos, responsabilidades e a solidariedade são alguns dos temas trabalhados também pelo GT. Dom Sebastião relata que o último encontro sobre o tema ocorreu na semana passada, também em Aparecida, e contou com a presença de 20 bispos, e teve a duração de um pouco mais de 4h.
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Nesse próximo final de semana o GT confirmou presença no evento sobre mineração que acontecerá na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais, e que terá a presença de um membro do Dicastério do Vaticano para o Desenvolvimento Humano. Dom Sebastião informou que após o evento o grupo se deslocará até Brumadinho em uma visita de escuta direta dos sobreviventes da tragédia.