Na homilia da Celebração da Paixão de Cristo, no Vaticano, Frei Raniero Cantalamessa refletiu sobre a morte de Cristo, que redimiu o mundo do pecado
Denise Claro
Da redação
O Papa Francisco presidiu, na tarde desta Sexta-feira Santa, 19, na Basílica Vaticana, a Celebração da Paixão de Cristo, com a adoração da Cruz e a homilia do pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, com o tema “Desprezado e rejeitado pelos homens”
Em sua homilia, após a narração da Paixão do Senhor, Cantalamessa destacou as palavras proféticas de Isaías com as quais começa a Liturgia do dia.
“É este o nome: desprezado e rejeitado. Hoje queremos contemplar o crucificado sobre este aspecto: como protótipo e representante de todos os descartados e deserdados da terra. Aqueles diante dos quais se vira o rosto para o outro lado, para não os ver.”
O religioso lembrou que Jesus não se assemelha a esses pequeninos somente na Paixão:
“Durante toda a sua vida Ele têm sido um deles: nasceu em um estábulo porque não havia lugar para eles na hospedaria. Ao ser apresentado no Templo, seus pais ofereceram dois pombinhos, a oferta prescrita pela Lei para os pobres, que não podiam dar-se ao luxo de oferecer um cordeiro. Um verdadeiro certificado de pobreza na Israel da época. Durante a sua vida pública, não tinha lugar para descansar a cabeça: era um ‘sem-teto’. E chegamos à Paixão.”
Jesus: retrato dos descartados da terra
Cantalamessa lembrou que no relato da Paixão há um detalhe ao qual não se presta atenção com frequência: Jesus no pretório de Pilatos, que, todo ensanguentado, com as mãos atadas, recebe coroa de espinhos e manto de ‘escárnios’:
“É o protótipo das pessoas algemadas, sozinhas, à mercê de soldados e bandidos que descarregam sobre os pobres e infelizes a raiva e a crueldade que acumularam na vida. Torturado. ‘Eis o homem’- exclama Pilatos.”
O pregador da Casa Pontifícia reforçou que Jesus era o retrato de milhares de pessoas, homens e mulheres, humilhados. “O Homem de Toda a História foi um de vocês”, disse, lembrando as palavras do escritor italiano Primo Levi.
“Este não é o único significado da Paixão e Morte de Cristo nem o mais importante. Não é o significado social, mas o espiritual o mais importante: aquela morte redimiu o mundo do pecado. Levou o amor de Deus ao ponto mais distante e mais obscuro ao qual a humanidade se havia colocado na sua fuga D’Ele: na morte.”
O religioso lembrou que, apesar disso, este é o fato que todos, crentes e não crentes, podem reconhecer e aceitar: “se pelo fato da Sua encarnação Deus se fez Homem, pelo modo como aconteceu, tornou-se um pobre e rejeitado, casou-se com a causa deles, afirmou solenemente: “o que fizeste aos pequeninos, aos rejeitados, a Mim o fizeste.”
A grande reviravolta
Mas não se pode parar por aí, frisou Cantalamessa. Se Jesus tivesse apenas isso a dizer aos desprivilegiados do mundo, seria apenas isso. Seria mais uma prova de que Deus permite tudo isso. O Evangelho não pára por aí, diz que o crucificado ressuscitou:
“Nele houve uma inversão total das partes. O vencido tornou-se o vencedor. O julgado tornou-se o juiz. A pedra descartada pelos construtores tornou-se a pedra angular. A última palavra não foi, e nunca será, a da injustiça e da opressão. Jesus não só restituiu uma dignidade aos desfavorecidos do mundo. Deu-lhes uma esperança.”
O religioso lembrou que nos primeiros três séculos da Igreja a celebração da Páscoa não era como hoje, dividida em vários dias. Tudo estava concentrado num só dia. Na Vigília Pascal não se comemorava a morte e ressurreição como fatos distintos. Se comemorava a passagem da morte para a vida.
“A palavra Páscoa significa passagem. Do povo judeu da escravidão à liberdade, de Cristo deste mundo para o Pai, e passagem dos que crêem Nele, do pecado para a Graça. É a festa de reviravolta feita por Deus e realizada em Cristo. É o início e a promessa da única reviravolta totalmente justa e irreversível da realidade: ‘pobres, excluídos, pertencentes às diversas formas de escravidão que ainda se verificam na nossa sociedade. A Páscoa é a vossa festa.”
Mensagem aos poderosos
Cantalamessa apresentou uma segunda realidade: a Cruz também contém uma mensagem para aqueles que estão do outro lado.
“Para os poderosos, os fortes, aqueles que se sentem tranquilos no seu lugar de vencedores. Mas é uma mensagem como sempre de amor, de salvação, não de ódio ou de vingança. Lembra-lhes que, no final, eles estão ligados no mesmo destino que todos. Que fracos e poderosos, indefesos e tiranos, todos estão sujeitos à mesma Lei e aos mesmos limites humanos. A morte paira sobre a cabeça de todos.”, disse, advertindo quanto à ilusão da onipotência.
Missão da Igreja
O pregador da Casa Pontifícia lembrou que a Igreja recebeu o mandato de Deus para estar ao lado dos pobres, para ser a voz dos que não tem voz. Da mesma forma, há uma segunda tarefa histórica que as religiões devem assumir, “a de não permanecer em silêncio perante o espetáculo que está diante dos olhos de todos.”:
“Poucos privilegiados possuem bens que não poderiam consumir, ainda que vivessem por séculos. E massas intermináveis de pobres que não tem um pedaço de pão e um gole de água para dar a seus filhos. Nenhuma religião pode ficar indiferente, porque o Deus de todas as religiões não é indiferente a tudo isso.
Ao final, o religioso concluiu: “Dentro de dois dias, com o anúncio da Ressurreição de Cristo, a Liturgia dará também um nome e um rosto a este Homem Triunfante. Vigiemos e meditemos, esperando.”