Especialista fala sobre aparente ambiguidade entre ética e política e destaca serviço ao bem comum que pode aproximá-las
Padre Antonio Aparecido Alves*
As denúncias que temos ouvido nos últimos meses resultantes de delações premiadas e o possível desenrolar das investigações nos levam a pensar na questão da relação entre Ética e Política. São essas realidades incompatíveis entre si?
Para ser político é preciso prescindir da Ética? É possível conjugar o sucesso político com um comportamento moralmente correto? Existe algum ponto para onde convergem estas duas instâncias?
O realismo político e o integrismo ético
Ética e Política são inconciliáveis? Ao longo da história algumas posições se acentuaram a esse respeito. De um lado temos o realismo político, admitindo que é lícito todo e qualquer meio para atingir objetivos fixados. Por isso, no caso de escolha entre a ética ou a política, opta-se por esta última.
De outro lado, tem-se o integrismo ético, defendendo que política e ética são irreconciliáveis entre si. Ao ter que optar por uma ou outra, a escolha cai nessa última. Por fim, há uma tentativa de moralização da política através da religião, com políticos eleitos por bases ligados à Igreja, seja a católica como outras denominações.
Essas posições são insuficientes. É preciso encontrar um fundamento ético para a política. “Entendida como ciência e como atividade humana, a política goza de plena autonomia. Tem suas próprias leis; não necessita justificar-se por referência à moral e muito menos à religião. Reconhecer a autonomia do comportamento e do saber políticos não supõe negar a sua referência ao universo da ética.
Se a opções políticas são neutras moralmente dentro do âmbito restrito do político, não o são, sem dúvida, ao serem situadas dentro do amplo horizonte da realização totalizante do humano” (Marciano Vidal, Moral de Atitudes III, p. 532-533).
É necessário, portanto, enquadrar a política no quadro amplo do serviço ao ser humano. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes afirmou que a pessoa é o centro e o fim de toda a vida econômica, política e social (n. 63). O Papa João Paulo II, por sua vez, acentuou principalmente a necessidade que tem a política de respeitar escrupulosamente os direitos humanos (Cfr. Discurso de abertura da Assembleia de Puebla, n. 3.5). No entanto, o princípio clássico da Igreja para onde convergem ética e política é o bem comum.
No serviço ao bem comum convergem a Ética e a Política
O Papa Pio XII apresentou uma definição de bem comum que serviu de enunciado para definições futuras na Doutrina Social da Igreja. Segundo ele, são aquelas condições externas necessárias ao conjunto dos cidadãos para o desenvolvimento de suas qualidades e de seus ofícios, de sua vida material, intelectual e religiosa (Radio Mensagem de Natal de 1942, nº. 13).
Seu sucessor, o Papa João XXIII, partiu desse enunciado para dizer que o bem comum “é o conjunto das condições sociais, por onde os homens se tornam capazes de alcançar mais facilmente a plenitude do seu desenvolvimento”(Mater et Magistra, n. 65). Essa mesma definição aparecerá com outras palavras na Gaudium et Spes, que define o bem comum como “o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plenamente e facilmente a própria perfeição” (n. 74).
Ética e Política, portanto, encontram-se neste campo. É a busca do bem comum que permitirá ao político escapar da tentação do sucesso a qualquer custo, justificando os meios pelos fins que busca atingir. É o horizonte sagrado do serviço ao ser humano, sobretudo do mais pobre, que deve marcar as opções e decisões em campo político e econômico (Solicitudo rei socialis, n 42).