Socióloga aborda questões sociais, critica passividade do cidadão, que precisa aprender a pensar o país, e aponta caminhos para mudanças no Brasil
André Cunha
Da redação
O brasileiro já pagou, desde 1º de janeiro deste ano até esta quinta-feira, 17, mais de 1 trilhão de reais em impostos, segundo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Agora, o que o cidadão espera é que o valor seja revertido em qualidade na educação, na saúde, na segurança.
Porém, para a socióloga Dora Soares, o brasileiro ainda deve aprender a exigir dos representantes o que é de direito, pago por ele mesmo. Em sua opinião, a democracia recente no Brasil ainda não fez com que o cidadão entenda o que é um poder representativo.
“O brasileiro ainda tem uma tradição de que o coronel decide a sua vida. ‘Ele sabe, eu voto nele porque ele sabe!’ Não, ele não sabe! Se ele te representa, é você que tem que saber. Esse empoderamento da população ainda não aconteceu aqui no Brasil. O representante deve saber o que você quer, para pôr em prática um governo que você quer e não o que ele inventará pra você”, disse.
Leia outras reportagens da série
.: Executivo e legislativo: entenda funções dos cargos políticos
.: Debates patéticos: socióloga critica forma de expor propostas
Neste sentido, a professora critica o comportamento das pessoas que permanecem passivas diante das contradições na economia, na educação e na saúde. Para ela, parece óbvio ao cidadão ter que pagar para estudar, por exemplo, mesmo já arcando com os altos impostos que lhe dão esse direito.
“Se eu pago educação pública, por que ela não é de qualidade? Por que eu acho lógico pagar de novo a educação privada? Essa lógica da exploração que o brasileiro incorpora silenciosamente é um exercício que a ditadura deixou e a democracia não refez”, explicou.
E a socióloga enfatiza: “É preciso qualificar o pensamento, olhar o brasileiro não como trabalhador, mas como cidadão integral que tem que pensar em si mesmo. Você é um cidadão, tem que aprender a pensar! Se já pagamos saúde, por que eu vou pagar um plano novamente? O brasileiro não vive sua qualidade de vida, seu sonho; ele ganha para pagar o que já tem direito”.
A universidade pública, por exemplo…
Dora cita a universidade pública como exemplo da má gestão educacional no país. A especialista explica que, enquanto a indústria farmacêutica quer manter a doença para vender mais remédio, a universidade pública é responsável por criar tratamentos para a cura das enfermidades.
“É a universidade pública que faz pesquisa, que coloca o país na tecnologia de ponta, que desenvolve remédios, que colocou o Brasil como grande combatente da Aids. É a universidade pública que vai criar vacinas, buscar a cura. Esse intelecto, essa formação do pensamento – que a ditadura destruiu porque fechou faculdades de filosofias e as áreas de pensamento por todo o país – foi limitado e o investimento foi maior nas áreas tecnológicas, nas exatas”.
Para a especialista, o investimento nas universidades públicas ainda é baixo e o caminho tomado até então pelo poder executivo não funcionou.
“Você tem o Prouni [programa do Governo Federal que visa garantir educação superior para alunos do ensino público] que bancou a falência das faculdades privadas, mas não criou as públicas. Porém, a gente não elabora esse tipo de questão porque somos educados para o trabalho, não para pensar, mas deixar que o outro decida por mim”.
Segundo a socióloga, o caminho para mudar este cenário é olhar o dia a dia de forma diferente e investir no ensino público de qualidade para então formar cidadãos capazes de refletir a realidade do país.
“É a educação, não tem outra forma, pois temos que repensar o cotidiano. A democracia é o poder pra todos, do povo, mas temos resquício muito fortes da ditadura que fez com que tenhamos mais medo e menos capacidade de pensar na própria vida”, afirmou.