Bastidores

Professor de português de JPII recorda cotidiano com o Papa

Dom Fernando Guimarães foi professor de português de João Paulo II; a partir da convivência mais íntima, ele revela pequenas grandes ações do Santo Padre

Jéssica Marçal
Da Redação

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Dom Fernando Guimarães, professor de português do Papa João Paulo II / Foto: Arquivo

Já imaginou ser professor do Papa? Mais ainda, de um Papa que se torna santo? Isso aconteceu com Dom Fernando Guimarães, bispo brasileiro que deu aulas de português para o Papa João Paulo II. “É pra mim motivo de alegria e de graça dizer que tive um aluno que é santo”, diz o bispo da diocese de Garanhuns (PE).

Tudo começou no final de janeiro de 1980, quando o Vaticano pediu que Dom Fernando, na época sacerdote, fosse para Roma para trabalhar nos preparativos da primeira viagem que o Papa faria ao Brasil, na metade daquele ano. A indicação foi feita pelo então núncio apostólico no Brasil, Dom Cármine Rocco, que já conhecia o trabalho de Dom Fernando e sabia que ele falava um pouco de italiano e de outros idiomas.

De fevereiro a julho de 1980, Dom Fernando trabalhou na Secretaria de Estado, sendo encarregado dos preparativos dessa terceira viagem internacional do Papa, o que incluía ensinar língua portuguesa ao Santo Padre. As aulas aconteciam três vezes por semana, normalmente no período da manhã.

Dom Fernando conta que João Paulo II tinha uma grande capacidade de percepção e facilidade para idiomas. Ele já sabia o espanhol, então isso serviu de base para o aprendizado do português. Já durante a viagem ao Brasil, era possível ver o empenho do Papa em se comunicar na língua local.

“Quando o Papa se recolhia, normalmente a gente repassava ao final da noite os discursos que ele ia fazer no dia seguinte. Eu sempre pude perceber essa grande energia com que o Papa, mesmo cansado de um grande dia de trabalho e viagens, se preparava para lançar a sua mensagem ao povo, o seu testemunho de fé. Realmente era um homem de Deus em todo o pleno sentido da palavra”, testemunha o bispo.

As marcas do Papa

A dedicação do Santo Padre no aprendizado impressionava. Dom Fernando considera que não só isso, mas tudo em João Paulo II era centrado no exercício de seu ministério.

“Ele era um padre, ele era um bispo em pleno sentido e quando foi chamado a exercer o ministério de Pedro como bispo da Igreja do mundo inteiro ele assumiu esse mundo inteiro como sua diocese, com muito zelo, amor e dedicação. A personalidade humana nele estava plenamente absorvida e a serviço dessa grande missão que ele tinha consciência de ter recebido de Deus”.

Além dessa característica de João Paulo II, o bispo revela outro detalhe, algo que ele pôde perceber a partir da convivência, ao acompanhar o Papa em momentos mais íntimos e domésticos. A marca profunda que ele guarda é a recordação das Missas celebradas na capela particular do Pontífice, logo pela manhã.

Essas celebrações não contavam com grande público. Eram apenas seis ou sete freiras brasileiras, as quatro freiras polonesas que cuidavam do apartamento papal, os dois padres secretários e Dom Fernando.

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João Paulo II mantinha imersão profunda com Deus, em especial nas Missas, como conta Dom Fernando / Foto: Arquivo

“Quando a gente chegava de manhã cedo na capela do Papa, ele já estava ajoelhado, no seu lugar, diante do sacrário, completamente absorvido pela presença de Deus e essa absorção continuava durante toda a celebração (…) Nessa capelinha pequena, eu sempre tive a impressão de ver um homem em diálogo com Deus o tempo inteiro da Missa”.

Ao mesmo tempo, essa imersão em Deus não distanciava o Papa das pessoas, ressalta Dom Fernando. João Paulo II era um homem que acolhia, um amigo, um pai, alguém que tinha grande coração. “A gente se sentia acolhido e amado por ele e, através dele, a gente se sentia acolhido e amado por Deus. Essa é a grande recordação que eu guardo desses anos de convivência com o Papa João Paulo II”.

Episódios curiosos nas aulas

Tendo ministrado tantas aulas a João Paulo II no período de quase seis meses, o bispo vivenciou com ele várias situações curiosas. Uma delas foi logo no início das aulas, uma época em que estava acontecendo a visita ad limina dos bispos do Brasil.

Dom Fernando conta que, em determinado momento após a Missa, o Papa lhe disse sorrindo: “Padre Fernando, os bispos brasileiros não querem que o Papa fale português”. Ele, curioso, perguntou: “Mas por que, Santo Padre?” e João Paulo II respondeu: “Por que os bispos chegam para a audiência particular e têm os que me falam em italiano, têm os que me falam em francês, têm até quem me fale em polonês, mas ninguém fala comigo em português”.

“Ele queria praticar a língua. Então eu telefonei imediatamente para o reitor do colégio brasileiro em Roma, onde os bispos normalmente se hospedam, para dizer: ‘recomendem aos bispos que, quando forem até o Papa, falem em português, devagar, mas falem. O Papa quer ouvir a língua portuguesa’”.

Um segundo detalhe foi que, uma vez, Dom Fernando usou uma palavra em português (palavra da qual não se recorda) que o Papa não entendeu e, então, pediu explicações. O então professor traduziu o sentido da palavra em italiano e João Paulo II disse ter entendido.

Dois dias depois, ao final da Missa em português, o Papa olhou fixo pra ele (em tom de brincadeira) e falou uma frase em português completa usando aquela palavra. Ao terminar a frase, franziu os olhos para Dom Fernando e deu um sorriso esperando a reação de seu professor. “É como se ele quisesse me dizer: ‘vê que eu entendi a palavra, que sei usá-la daqui em diante?’”, recorda aos risos.

Dom Fernando não irá a Roma para a canonização, mas diz que acompanhará tudo daqui do Brasil com muita felicidade. “… com uma alegria muito grande e um grande sentimento de gratidão a Deus por ter vivido com um santo e ter tido a oportunidade de ter esse contato mais pessoal e mais direto com o Papa”.

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