No dia 24 de novembro, o Papa Francisco promulgou sua primeira Exortação Apostólica: Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho), na qual recolhe o fruto das reflexões que marcaram o “Sínodo da Nova Evangelização para a transmissão da fé”, que aconteceu de 7 a 28 de outubro de 2012. Podemos considerar este o primeiro documento oficial do seu pontificado, já que a Encíclica Lumen Fidei foi escrita em conjunto com Bento XVI. De fato, nesta Exortação Apostólica, podemos sentir, em cada capítulo, as ênfases e o jeito de Francisco.
O texto chama à atenção já a partir do título que anuncia uma evangelização alegre. O Papa tem insistido que se enclausurar no individualismo leva à tristeza. Já o diálogo e a doação de si geram profunda alegria. É claro que não se trata de mera euforia sentimental.
O anúncio do Evangelho, acompanhado do testemunho de pobreza e solidariedade com os pobres, produz, no coração do evangelizador, uma “alegria teologal”, ou seja, fruto do Espírito que habita dentro de cada um de nós.
Evangelizar é mais do que anunciar e convencer; é dialogar e converter-se para a fraternidade e a comunhão. Francisco insiste que para isso é necessária uma conversão pastoral e missionária de toda a Igreja, deixando de lado estruturas que já não correspondem à finalidade inicial. Fala, atrevidamente, em “conversão do papado”, para aquela finalidade original que Jesus quis lhe dar. Fala também de uma “saudável descentralização”, valorizando as conferências episcopais de cada país.
Um dos sinais deste Evangelho da alegria é ter “igrejas de portas abertas”. O Papa insiste que os que buscam a Deus não podem encontrar igrejas de portas fechadas. De modo quase atrevido, Francisco afirma que é preciso ter portas abertas aos sacramentos, “remédios para os fracos e não prêmio para os perfeitos”.
As consequências de afirmações como esta devem ser encaradas com “prudência e audácia”. A Exortação afirma ainda que as portas abertas da Igreja servem para que os cristãos saiam para as ruas e praças para dialogar com quem se afastou.
Francisco aponta algumas tentações dos agentes de pastoral: individualismo, crise de identidade, perda do fervor, pragmatismo administrativo, pessimismo estéril. Critica quem mantém um certo ar de superioridade por “ser fiel a um estilo católico do passado” ou que cultiva, de maneira ostentosa, a liturgia ou a doutrina, preocupando-se mais com o prestígio da Igreja do que com as pessoas. Chama isso de Igreja corrupta e mundana, disfarçada com roupas espirituais ou pastorais. Como vemos, não se trata de apenas mais um documento oficial da Igreja; é o coração e a mente de Francisco que migraram de suas homilias e discursos para um texto do Magistério.
Há muitos outros temas que são afrontados corajosamente na Evangelii Gaudium. Pede que se ultrapasse a “teologia de escritório” para uma teologia inculturada e comprometida com o povo. Diz que a homilia não é uma palestra nem deve ser moralista ou doutrinadora, mas fazer arder os corações. O Papa adverte para a “cultura do descartável” do nosso mundo atual. Recorda que não é possível separar evangelização de promoção humana: “Quero uma Igreja pobre para os pobres”, repete citando diversas categorias de excluídos que merecem especial atenção. O Papa fala ainda da busca insistente pela paz, pelo diálogo e superação de todo fundamentalismo.
O último capítulo fala dos “evangelizadores com o Espírito”. Esta força interior nos permite anunciar o Evangelho com audácia em todo tempo e lugar e até mesmo “contra a corrente”. No final, invocando Maria como a Mãe do Evangelho, Francisco afirma que a evangelização da Igreja tem um estilo marcadamente mariano, porque, cada vez que a contemplamos, voltamos a acreditar no potencial “revolucionário da ternura e do carinho”.