"É a vitória da fé, que pode transformar a morte em dom da vida, o abismo do dor em fonte de esperança", defendeu o Papa Bento XVI na Catequese desta quarta-feira, 14, dedicada ao Salmo 22.
O Pontífice disse que esse Salmo é uma oração dolorosa e tocante, de uma densidade humana e riqueza teológica que o tornam um dos Salmos mais rezados e estudados de todo o Saltério.
O apelo inicial do Salmo é dirigido a um Deus que parece distante, que não responde e parece ter abandonado o orante:
"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?
E permaneceis longe de minhas súplicas e de meus gemidos?
Meu Deus, clamo de dia e não me respondeis;
imploro de noite e não me atendeis" (vv. 2-3)
"Deus silencia-se, e esse silêncio lacera a alma do orante, que incessantemente chama, mas sem encontrar resposta. Os dias e as noites sucedem, em uma busca inestancável de uma palavra, de um auxílio que não vem; Deus parece tão distante, tão esquecido, tão ausente. A oração pede escuta e resposta, solicita um contato, busca uma relação que possa dar conforto e salvação. […] Não obstante toda a aparência, o Salmista não pode crer que o vínculo com o Senhor tenha sido interrompido totalmente; e, enquanto questiona o porquê de um presunto abandono incompreensível, afirma que o 'seu' Deus não pode o abandonar", ressalta.
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.: NA ÍNTEGRA: Catequese de Bento XVI sobre o Salmo 22
O grito inicial do Salmo, "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?", está presente nos Evangelhos de Mateus e de Marcos como o grito lançado por Jesus morrendo na cruz. "Na sua paixão, em obediência ao Pai, o Senhor Jesus atravessa o abandono e a morte para chegar à vida e doá-la a todos os crentes", explicou.
À súplica, segue-se, em doloroso contraste, a recordação do passado:
"Nossos pais puseram sua confiança em vós,
esperaram em vós e os livrastes.
A vós clamaram e foram salvos;
confiaram em vós e não foram confundidos" (vv. 5-6)
No entanto, a situação do Salmista parece desmentir toda a história da salvação, tornando ainda mais dolorosa a realidade presente.
"Mas Deus não pode se contradizer, e eis então que a oração volta a descrever a situação penosa do orante, para induzir o Senhor a ter piedade e intervir, como tinha sempre feito no passado. […] Deus esteve presente na existência do orante com uma proximidade e uma ternura incontestáveis", salienta o Santo Padre.
Violência e Deus
É então que o lamento se torna súplica do coração e a angústia altera a percepção do perigo. Os adversários, que parecem invencíveis, tornam-se animais ferozes e perigosíssimos – são como touros numerosos, como leões que abrem suas fauces para rugir e arrebatar (cf. vv. 13-14) -, enquanto o Salmista é como um pequeno verme, impotente, sem defesa alguma.
"Essas imagens usadas no Salmo servem também para dizer que, quando o homem torna-se brutal e agride o irmão, algo de animalesco toma conta dele, parece perder toda a aparência humana; a violência tem sempre em si algo de bestial e somente a intervenção salvífica de Deus pode restituir o homem à sua humanidade".
Por fim, o Bispo de Roma indicou que é preciso ir além da aparência e reconhecer-se na presença de Deus também quando Ele está em silêncio.
"Deixemo-nos, portanto, invadir pela luz do mistério pascal também na aparente ausência de Deus, também no silêncio de Deus, e, como os discípulos de Emaús, aprendamos a discernir a verdadeira realidade para além das aparências, reconhecendo o caminho da exaltação exatamente na humilhação, e o pleno manifestar-se da vida na morte, na cruz. Assim, recolocando toda a nossa confiança e a nossa esperança em Deus Pai, em cada angústia, possamos rezar também nós a Ele com fé, e o nosso grito de súplica se transforme em canto de louvor".
O encontro do Santo Padre com os fiéis reunidos na Sala Paulo VI, no Vaticano, aconteceu às 10h30 (horário de Roma – 5h30 no horário de Brasília). A reflexão faz parte da "Escola de Oração", iniciada pelo Papa na Catequese de 4 de maio.
O Santo Padre fez o trajeto entre as duas cidades de helicóptero e, ao término da Catequese, retornou para a cidade do interior da Itália.
Na saudação aos fiéis de língua portuguesa, o Papa salientou:
"Dirijo a minha saudação amiga aos membros da União Missionária Franciscana, vindos de Portugal, aos brasileiros do Grupo Vocacional e a todos os demais peregrinos lusófonos aqui presentes. Neste dia da Exaltação da Santa Cruz, deixemo-nos invadir pela luz do mistério pascal, para reconhecermos o caminho da exaltação precisamente na humilhação, colocando toda a nossa esperança em Deus, e assim o nosso grito de ajuda transformar-se-á em cântico de louvor. E que a bênção de Deus desça sobre vós e vossas famílias!"