Mobilização, conscientização, justiça e diversidade são premissas apontadas por padre Marcial Maçaneiro (SCJ), em entrevista à Canção Nova, para alcançar uma cultura de paz.
noticias.cancaonova.com – Quais são os objetivos práticos que a Igreja pretende alcançar ao fim da Campanha da Fraternidade (CF) deste ano, a qual propõe o tema da Segurança Pública?
Padre Marcial Maçaneiro – Em primeiro lugar, o que se espera alcançar é que o tema da Segurança Pública entre no cotidiano do Brasil, de um modo crítico e inteligente. Todos já temos problemas dessa ordem em nosso cotidiano. A Campanha da Fraternidade quer que, mesmo após o seu final, haja no cotidiano do cidadão brasileiro uma reflexão crítica sobre o tema. Nós podemos fazer uma campanha que só pense nos problemas, mas podemos também fazer uma que se concentre nas soluções. A CF gostaria de projetar soluções para que o Brasil construa coletivamente, porque cada cidadão vai se conscientizar de que não é apenas um objeto que carece de segurança, mas também um agente de segurança na medida em que promove a paz.
A CF tem um viés público, coletivo e social, além de um subjetivo pessoal conscientizador, com o intuito de levar a pessoa a refletir se ela também não é peça de uma solução e não só de um problema, e como ela está gerenciando a paz e o problema em sua vida: através da indiferença, de agressões verbais, etc. Por isso, a Campanha de 2009 vai trabalhar a justiça porque sem ela é impossível ter segurança. Justiça em todos os sentidos, não só a distributiva, mas a justiça também restaurativa, que cura, restaura, que devolve a dignidade das pessoas. Sem justiça não há segurança.
O segundo tema é a questão da mobilização. As pessoas devem se mobilizar e construir uma cultura de paz, e se educarem para isso. É inconsciente, mas quando olhamos, por exemplo, de forma diferente para quem tem outra crença ou agredimos alguém verbalmente, também praticamos atos de violência.
Então são esses pontos: justiça, mobilização e conscientização de que sou sujeito de paz e diversidade. O tema da diversidade está presente do começo ao fim. A sociedade é plural, as pessoas creem de forma diferente, rezam diferente, têm bandeiras e ideologias diferentes, e isso não é motivo para nós nos matarmos, digladiarmos e nos ofendermos. As diferenças são o que salvam uma sociedade. Diferenças reconciliadas promovem paz, ações conjuntas. Ser diferente não significa ser divergente. Nós cristãos deveríamos saber disso, porque Pai, Filho e Espírito Santo são diferentes um do outro, mas convergem na unidade da mesma Divindade. A Igreja é corpo de muitos membros e nem todo mundo é só braço, orelha ou pé. A diversidade faz o organismo da Igreja caminhar. Então, a CF pensa em mobilização, conscientização, justiça e diversidade. Esses quatro pontos estão em toda proposta dessa iniciativa e sem eles não adianta falar de paz.
noticias.cancaonova.com – Como a Igreja pode atuar na questão da Segurança Pública?
Padre Marcial Maçaneiro – A Igreja atua neste campo a partir de vários canais: as comunidades espalhadas pelo Brasil, que comunicam ações, ajudam nas reflexões, organizam ações nas pastorais sociais; há também uma participação especializada, como a Doutrina Social da Igreja, através dos documentos da CNBB, nos quais não há somente reflexões, mas indicações de ações organizadas. A Igreja tem, além disso, uma Comissão Nacional de Justiça e Paz, fóruns de segurança e paz política, e participa com pessoal qualificado de outros espaços, como na educação, ONGs, debates políticos e na organização das comunidades. É um grande complexo em que há ações cotidianas mais espontâneas até organizações que fazem projetos nessa área. As escolas católicas adotam projetos de educação para paz e as dioceses têm pastorais sociais que acabam se envolvendo na questão da segurança também. Todas essas ações têm uma agenda, pessoal qualificado e objetivos.
A novidade da CF é que ela é uma "campanha", ou seja, não é mais uma pastoral, embora possa originar pastorais nessa linha, e não é uma promessa de solução. E "campanha" significa convergência, forças, qualificação, iniciativas. As pessoas que já adotaram a paz e a Segurança Pública como valor, como carência, como necessidade, podem participar da Campanha no seu lugar "engrossando o caldo", já que essa iniciativa acontece em rede, em diversos pontos, cada um com a sua intensidade, e é "campanha" a fim de envolver o Brasil. É a Igreja Católica prestando um serviço à nação brasileira. Qualquer pessoa de outra denominação ou crença, se tem a paz como fruto da justiça, pode aderir e ser uma peça da CF.
noticias.cancaonova.com – A Pastoral Carcerária é um exemplo de eficácia na evangelização e no combate à violência?
Padre Marcial Maçaneiro – A Pastoral Carcerária tem intensidades diferentes no país. Em algumas regiões é mais estruturada, em outras ainda está nos inícios, mas tem uma história de décadas, é respeitada e competente. O que nós precisamos é formar novos agentes e realimentar essa Pastoral. Mas desde a organização nacional da Pastoral até as bases que atuam nos presídios, como as defensorias, o apoio jurídico aos encarcerados e suas famílias, o apoio espiritual, psicológico, de autoestima e de reinserção social, a Pastoral Carcerária cuida de todo esse espaço, que não envolve somente a pena a ser cumprida, mas a humanidade da pessoa. A Pastoral tem uma missão difícil e complexa, porque o sistema carcerário no Brasil é difícil e complexo, requer um debate na sociedade mais profundo, mas está presente e exerce um papel profético; ajuda a Igreja a nunca esquecer os encarcerados, pois muitos de nós, às vezes, nos esquecemos deles – um pároco, uma catequista, um pregador da Renovação, um bispo, um teólogo. Nós temos tanto trabalho em nossas agendas e, de repente, não temos presente na nossa missão e horizonte o olhar ao encarcerado. Então, há alguém da Pastoral Carcerária que vai cobrar isso de nós que somos teólogos, catequistas, párocos, bispos, pregadores da Renovação Carismática Católica, membros das diversas pastorais.
E está no Evangelho: "Estive prisioneiro e vós me visitastes". De algum modo, todos temos que ter alguma participação neste campo. Durante esta CF é justo dizer que a Pastoral Carcerária e seus apoiadores foram quem mais organizaram abaixo-assinados e projetos metodológicos claros, que convenceram o grande fórum da CNBB a assumir o assunto. Na verdade, este tema: "A paz é fruto da justiça" é um lema bíblico, com o tema "Fraternidade e Segurança Pública" é um "ganho" organizado da Pastoral Carcerária. Ela é uma peça importante que, inclusive, já começou a Campanha da Fraternidade no ano passado, quando, em vários lugares do Brasil, suas lideranças abriram fóruns de debates com representantes do âmbito público, cultural, civil, universitário e popular também. Então, a Pastoral Carcerária é com certeza um projeto que está no coração da Campanha da Fraternidade 2009.
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