CATEQUESE
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 2 de março de 2016
Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal
Queridos irmãos e irmãs, bom dia.
Falando da misericórdia divina, evocamos muitas vezes a figura do pai de família, que ama os seus filhos, ajuda-os, cuida deles, perdoa-os. E como pai, educa-os e os corrige quando erram, favorecendo seu crescimento para o bem.
É assim que Deus vem apresentado no primeiro capítulo do profeta Isaías, em que o Senhor, como pai afetuoso, mas também atento e severo, dirige-se a Israel acusando-o de infidelidade e de corrupção, para levá-lo de volta ao caminho da justiça. Começa assim o nosso texto:
“Ouvi, céus, e tu, ó terra, escuta,
é o Senhor quem fala:
“Eu criei filhos e os eduquei;
eles, porém, se revoltaram contra mim.
O boi conhece o seu possuidor
E o asno, o estábulo do seu dono;
Mas Israel não conhece nada,
e meu povo não tem entendimento”. (1, 2-3).
Deus, mediante o profeta, fala ao povo com a amargura de um pai desiludido: fez crescer os seus filhos, e agora eles se rebelaram contra Ele. Até mesmo os animais são fiéis ao seu dono e reconhecem a mão que os alimenta; o povo, em vez disso, não reconhece mais Deus, rejeita compreender. Mesmo ferido, Deus deixa falar o amor, e apela à consciência desses filhos degenerados para que se arrependam e se deixem amar de novo. Isso é o que Deus faz! Vem ao nosso encontro para que nós nos deixemos amar por Deus.
A relação pai-filho, a qual os profetas muitas vezes fazem referência para falar da relação de aliança entre Deus e o seu povo, se desnaturalizou. A missão educativa dos pais busca fazê-los crescer na liberdade, torná-los responsáveis, capazes de realizar obras de bem para si e para os outros. Em vez disso, por causa do pecado, a liberdade se torna pretensão de autonomia, pretensão de orgulho, e orgulho leva à contraposição e à ilusão de autossuficiência.
Eis então que Deus chama seu povo: “Erraram o caminho”. Afetuosamente e amargamente diz o “meu” povo. Deus nunca nos renega; nós somos o seu povo, o mais maldoso dos homens, a mais maldosa das mulheres, os mais maldosos dos povos são seus filhos. E este é Deus: nunca, nunca nos renega! Diz sempre: “Filho, venha”. E esse é o amor do nosso Pai; essa misericórdia de Deus. Ter um pai assim nos dá esperança, nos dá confiança. Esta pertença deveria ser vivida na confiança e na obediência, com a consciência de que tudo é dom que vem do amor do Pai. E, em vez disso, eis a vaidade, a estupidez e a idolatria.
Por isso o profeta se dirige diretamente a esse povo com palavras severas para ajudá-lo a entender a gravidade da sua culpa:
“Ai da nação pecadora […] dos filhos desnaturados!
Abandonaram o Senhor, desprezaram o santo de Israel,
e lhe voltaram as costas” (v. 4).
A consequência do pecado é um estado de sofrimento, do qual sofre as consequências também o país, devastado e tornado como um deserto, a ponto de Sion – isso é, Jerusalém – se tornar inabitável. Onde há rejeição a Deus, à sua paternidade, não há mais vida possível, a existência perde as suas raízes, tudo parece pervertido e destruído. Todavia, também esse momento doloroso é em vista da salvação. A prova é dada para que o povo possa experimentar a amargura de quem abandona Deus, e então confrontar-se com a face desoladora de uma escolha de morte. O sofrimento, consequência inevitável de uma decisão autodestrutiva, deve fazer o pecador refletir para abri-lo à conversão e ao perdão.
E este é o caminho da misericórdia divina: Deus não nos trata segundo as nossas culpas (cfr Sal 103, 10). A punição se torna o instrumento para provocar a refletir. Compreende-se, assim, que Deus perdoa o seu povo, dá graça e não destrói tudo, mas deixa aberta sempre a porta da esperança. A salvação implica a decisão de escutar e se deixar converter, mas permanece sempre um dom gratuito. O Senhor, portanto, na sua misericórdia, indica um caminho que não é aquele dos rituais de sacrifício, mas sim da justiça. O culto é criticado não porque seja inútil em si mesmo, mas porque em vez de exprimir a conversão, pretende substituí-la; e torna assim busca da própria justiça, criando a crença ilusória de que são os sacrifícios que salvam, não a misericórdia divina que perdoa o pecado. Para entender bem: quando uma pessoa está doente, vai ao médico; quando uma pessoa se sente pecadora, vai ao Senhor. Mas se em vez de ir ao médico, vai ao feiticeiro, não cura. Tantas vezes não vamos ao Senhor, mas preferimos ir por caminhos errados, procurando fora Dele uma justificativa, uma justiça, uma paz. Deus, diz o profeta Isaías, não se agrada com o sangue dos touros e dos cordeiros (v. 11), sobretudo se a oferta é feita com mãos sujas do sangue dos irmãos (v. 15). Penso em alguns benfeitores da Igreja que vêm com a oferta – “Pegue para a Igreja essa oferta” – é fruto do sangue de tanta gente explorada, maltratada, escravizada com o trabalho mal pago! Eu direi a essa gente: “Por favor, leve de volta o seu cheque, queime-o”. O povo de Deus, isso é, a Igreja, não precisa de dinheiro sujo, precisa de corações abertos à misericórdia de Deus. É necessário aproximar-se de Deus com mãos purificadas, evitando o mal e praticando o bem e a justiça. Que belo como termina o profeta:
“Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem.
Respeitai o direito, protegei o oprimido;
fazei justiça ao órfão, defendei a viúva” 9vv 16-170.
Pensem em tantos refugiados que desembarcam na Europa e não sabem para onde ir. Então, diz o Senhor, os pecados, mesmo se forem vermelhos como a púrpura, se tornarão brancos como a neve, e cândidos como a lã e o povo poderá se nutrir dos bens da terra e viver na paz (v. 19).
É este o milagre do perdão que Deus, o perdão que Deus como Pai, quer dar ao seu povo. A misericórdia de Deus é oferecida a todos e essas palavras do profeta valem também hoje para todos nós, chamados a viver como filhos de Deus.