Irmão Jean-Pierre foi o último companheiro dos mártires no mosteiro argelino de Tibhirine
Da redação, com Agência Fides
“Foi tão lindo!”, repetiu emocionado o monge trapista Jean-Pierre Schumacher, ao relembrar os longos anos de vida fraterna vividos junto com seus confrades no mosteiro argelino de Thibirine, mortos em 1996 em um dos acontecimentos mais luminosos de Martírio cristão nas últimas décadas. Agora ele também, o último “sobrevivente” de Thibirine, deixou este mundo.
Seu coração parou na manhã deste domingo, 21, festa de Cristo Rei do Universo, no mosteiro de Notre-Dame de l’Atlas, localizado em Midelt, nas encostas do Atlas marroquino, os últimos redutos trapistas no norte da África.
Irmão Jean-Pierre completaria 98 anos em fevereiro. Ele se mudou como monge para a Argélia em 1967.
O superior Christian de Chergé e os outros seis confrades monges do irmão Jean-Pierre (beatificado em 8 de dezembro de 2018 juntamente com outros 12 mártires da Argélia) foram sequestrados na noite entre 26 e 27 de março de 1996, no país devastado pela guerra civil. Ele, junto com Amèdèe (falecido em 2008), escapou do sequestro porque naquela noite estava de plantão na portaria, em um prédio adjacente ao mosteiro. Dois meses após o sequestro, as cabeças decepadas dos 7 monges foram encontradas ao longo de uma estrada. Os autores do massacre nunca foram identificados com certeza.
A tese oficial atribuía o massacre às gangues clandestinas do Grupo Islâmico Armado (organização terrorista islâmica nascida em 1991 depois que o governo se recusou a reconhecer os resultados eleitorais favoráveis às forças islâmicas), enquanto as investigações conduzidas por pesquisadores independentes indicaram o rastro de uma possível implicação naquele caso dos serviços secretos militares argelinos.
Testemunha
Quatro anos depois do martírio de seus confrades, Jean-Pierre mudou-se para o Marrocos, tornando-se prior da comunidade trapista de Notre-Dame de l’Atlas. Várias vezes confessou o peso de uma pergunta que sempre o acompanhava: “Por que o Senhor me permitiu ficar vivo?”. Com o tempo, percebeu que o seu destino de “sobrevivente” do massacre coincidia com a missão de “testemunhar os acontecimentos de Tibhirine e dar a conhecer a experiência de comunhão com os nossos irmãos muçulmanos, que continuamos agora aqui no mosteiro de Midelt, no Marrocos”.
Em sua nova casa, os irmãos Jean-Pierre e Amédée definiram-se como o “pequeno remanescente” de Tibhirine: “Nossa presença no mosteiro – disse ele – foi um sinal de fidelidade ao Evangelho, à Igreja e à população argelina”.
Martírio
Os trapistas Tibhirine não “queriam” se tornar mártires. Mas, em fidelidade à sua vocação monástica, queriam compartilhar com todos os argelinos o risco de serem alvos de uma violência cega, que naqueles anos ensanguentou o país e multiplicou os massacres de inocentes. Como franceses, eles podiam partir, mas não o fizeram.
“Em Tibhirine – disse o irmão Jean-Pierre ao jornal francês François Vayne – os sinos do mosteiro tocaram e os muçulmanos nunca nos pediram para silenciá-los. Nós nos respeitamos no próprio coração de nossa vocação comum: adorar a Deus”.
Nos últimos anos, o monge de Tibhirine também cumpriu sua missão. Com aquele sorriso, o Irmão Jean-Pierre deu testemunho da experiência monástica que encontrou nas fontes da oração e da liturgia caminhos surpreendentes para confessar o nome de Cristo com palavras e atos também entre os filhos da Umma de Maomé: “No Marrocos “- disse o monge que escapou do massacre de Tibhirine -“vivemos esta comunhão na oração, quando nos levantamos à noite para rezar, ao mesmo tempo que os nossos vizinhos muçulmanos são acordados pelo muezim”. “A fidelidade ao compromisso de oração – acrescentou o irmão Jean-Pierre – é o segredo da nossa amizade com os muçulmanos”.