"No final das contas, são os santos e as santas os que mudam o mundo", afirmou o presidente da Conferência Episcopal de Porto Rico e arcebipo de São João, no mesmo país, Dom Roberto Octavio González, na penúltima Missa da Conferência de Aparecida (SP), na manhã desta quarta-feira, dia 30.
LEIA homilia na íntegra:
Somos discípulos e discípulas, missionários e missionárias para que nossos povos, em Jesus Cristo, tenham vida em abundância!
Queridos irmãos e irmãs, o tema desta celebração eucarística – a evangelização dos povos – está pleno da leitura do Evangelho que acabamos de escutar. São as últimas palavras de Jesus Ressuscitado, segundo o Evangelho de São Mateus, encarregando aos apóstolos d'Ele a missão de evangelizar a todos os povos do mundo. Esta evangelização consiste em "fazer discípulos" de Jesus.
O propósito da evangelização não consiste, portanto, somente em proclamar a mensagem de Jesus, senão em "fazer discípulos". É o mesmo que criar uma postura para a vida, uma maneira de ver, sentir e julgar tudo o que acontece, desde a experiência da vitória de Cristo sobre a morte. Por isso, a evangelização não se esgota na fé de um indivíduo isolado, mas sim, transcende até a criação de uma identidade baseada em uma história comum, uma experiência de "pertencer" a um só povo em meio às nações e culturas humanas. Sem essa experiência de pertença, não se pode dizer que a evangelização já chegou à sua meta.
O fruto da evangelização é a criação de uma Igreja-comunhão. Evangelizar os povos é semear em seus corações a semente da ressurreição de Jesus, já que o fruto da ressurreição de Cristo é a criação da Igreja, que é seu Corpo ressuscitado.
O Senhor ressuscitado encomenda esta missão aos apóstolos d'Ele, depois de lhes assegurar que havia recebido toda "autoridade no céu e sobre a terra". As origens da palavra "autoridade" se referem ao poder de "fazer crescer", intensificar ou aumentar a vida. Não é questão de limitar a liberdade, mas sim de resgatá-la e fortalecê-la. Por isso a liberdade absoluta de Deus não está em conflito com a liberdade humana, senão que sendo Deus amor absoluto, a "autoridade" divina crê e protege a liberdade humana.
Os que escutavam a Cristo se maravilhavam de como Ele falava com autoridade, e não como alguns dos mestres oficiais da lei de Deus o faziam.
Durante as sessões da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe nos têm ajudado muitíssimo as palavras do Santo Padre Bento XVI, pronunciadas na inauguração de nosso encontro que, segundo creio, esclarecem os componentes da autêntica obra evangelizadora, a qual nos chama o Senhor.
Permitam-me repetir hoje, quase no final de nossos trabalhos, algo que disse o Santo Padre no início desta V Conferência. Indo ao coração de nossa missão evangelizadora, o Papa reconhece que esta deve arraigar-se em um verdadeiro desejo de nossos corações em compartilhar com outros a beleza e o poder de vida que temos encontrado em Jesus. Desejamos ser discípulos e missionários de Cristo "porque queremos encontrar em nossa comunhão com Ele, a vida, a verdadeira vida digna deste nome, e por isso queremos dar a conhecer aos demais, comunicá-los o dom que temos encontrado n'Ele".
Se nossa obra evangelizadora não se nutre desta experiência de verdadeira vida, se nossa autoridade não é reflexo da autoridade que tem recebido o Ressuscitado de Deus que é amor absoluto, a evangelização acabaria em proselitismo e propaganda religiosa. As pessoas se mostrariam contrárias à mensagem, e resistiriam de forma compreensiva à nossa autoridade, como se esta fosse uma limitação da liberdade.
A autoridade da proclamação evangélica é a autoridade do anúncio de um acontecimento: o ser chamado, escolhido por Cristo para formar a Igreja que é o seu Corpo. "Façam discípulos de todas as nações, batizando-os no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", nos pede o Senhor no Evangelho, confirmando que a incorporação à Igreja – por meio do Batismo – é essencial para uma verdadeira evangelização.
Por isso, o Santo Padre Bento XVI, ao responder à pergunta: "O que nos dá a fé neste Deus revelado em Cristo?", afirmou sem rodeios: "A primeira resposta é: nos dá uma família universal de Deus na Igreja Católica. A fé nos liberta do nosso próprio isolamento porque nos leva à comunhão, ao encontro com Deus em si mesmo e com tal encontro com os irmãos, um ato de convocação, de unificação, de responsabilidade com o outro e com os demais".
Irmãos e irmãs, queria sublinhar a importância desta inseparabilidade entre evangelização, formação da Igreja e a opção preferencial pelos pobres. De fato, é dentro do milagre dessa formação da Igreja, fruto da ressurreição de Cristo, que todo o esforço por defender a dignidade e os desejos da pessoa humana se livra totalmente de preferências ideológicas e começa a criar a cultura que responde verdadeiramente à totalidade da realidade.
Por essa razão, nos recorda o Sumo Pontífice: "Se não reconhecermos a Deus em Cristo e com Cristo, toda a verdade se converte em um enigma indecifrável, não há caminho, e se não há caminho, não há nem vida, nem verdade". Irmãos, não exitemos na hora de insistir neste ponto uma e outra vez. Sem esta convicção se converte em vão espiritualismo ou em crua política, atrevo-me a dizer que o futuro da Igreja em nosso continente dependerá de como compreenderemos e responderemos a essa verdade.
As palavras do Ressuscitado no Evangelho nos demonstram que a pertença à Igreja é a maneira de gozar da companhia d'Ele ("Eu estarei com vocês até o fim do mundo"), para sermos educados por essa mesma experiência de companhia no modo de ver a realidade, de julgar tudo o que acontece e de responder adequadamente: "ensinando-os a guardar tudo o que os mandei".
O seguimento de Cristo – sequela christi, dentro da comunhão que é a Igreja –, é uma educação sobre o ver e viver a realidade: a realidade do que nos rodeia, a realidade de nossa origem e nosso destino.
Parece-me oportuno mencionar o respeito, o valor evangelizador e, portanto, educativo dos Sacramentos, especialmente da liturgia eucarística. Tenho em mente a vida e obra do primeiro porto-riquenho elevado aos altares, o beato Carlos Manuel Rodriguez, nascido em 1918, falecido em 1963, e beatificado no ano de 2001. O beato Carlos Manuel se dedicou por inteiro a Deus, como um leigo a serviço da Igreja de Cristo. Foi um iluminado por sua fé na ressurreição e seu amor profundo no Mistério Pascal. "Vivemos para essa noite", dizia da Vigília Pascal. Realizou seu principal trabalho apostólico no Centro Católico Universitário da Universidade de Porto Rico no Rio Piedras, onde propiciou a fundação dos Círculos de Cultura Cristã, acentuando a importância da liturgia da Igreja, sobretudo a liturgia pascal. "A liturgia", valorizada, "é tão sobrenatural que pode dizer-se que existe realmente em nós, que está impressa em nós como uma conseqüência dos sacramentos do Batismo e da Confirmação". Por isso, segundo esse beato, conhecer a liturgia era conhecer o mistério da pessoa humana.
Irmãos e irmãos, não tenhamos medo de dizer continuamente o seguinte: no final das contas, são os santos e as santas os que mudam o mundo, fazendo-o verdadeiramente mais humano, justo e solidário, desfazendo a oposição à paz e à caridade com o calor do amor divino que levam em seus corações. Celebremos esta Eucaristia com eles, a quem confiadamente encomendamos o fruto dos trabalhos desta Conferência, colocando nossa esperança nas mãos de Maria Santíssima.
Cristo Jesus e a Virgem de Aparecida vos abençoe".