"A violência não foi controlada pela modernidade". Com esta afirmação o sociólogo Carlos Alberto Máximo Pimenta aponta as origens da criminalidade na sociedade atual e caminhos para a resolução do problema da violência.
O sociólogo indica ainda que a questão não é apenas resolver o crime do dia a dia. O problema está também na família e no processo educacional constituído no país, pelo qual os indivíduos passaram a olhar muito mais para si mesmos e não reconhecem o outro.
Confira a entrevista:
noticias.cancaonova.com – Podemos apontar alguma origem dessa rede de violência?
Carlos Pimenta – A violência faz parte da sociedade. Desde que o homem é homem, a violência está presente. As sociedades atingiram o estágio atual a partir da violência. Portanto, ela não é uma exclusividade do estado contemporâneo. Na atualidade, ela ganha uma repercussão enorme e uma grande preocupação por parte das agências estatais porque, nos últimos tempos, essa violência não foi controlada pela modernidade, que dizia que o homem civilizado, que estudasse e trabalhasse, seria tranqüilo e pacífico. Essa sociedade moderna não foi capaz de educar os indivíduos para viverem numa sociedade de regras e leis. A culpa disso é do próprio processo de constituição de uma sociedade de competição. O capitalismo, por exemplo, tem culpa muito grande. E quando o estado não distribui políticas públicas de qualidade também. Nesse sentido, a responsabilidade está nesse processo de construção de uma sociedade econômica, política e com organização social.
noticias.cancaonova.com – De quem é a responsabilidade da segurança pública?
Carlos Pimenta – Do Estado. Em termos de distribuição, formação e atuação jurídica. Contudo, nos últimos 30 anos, houve um processo muito claro de privatização, em que o Estado saiu do centro. Tal processo trouxe o privado como também gestor de segurança. Então, hoje, pensar em segurança, não envolve apenas o Estado, mas as empresas, os grupos sociais, as comunidades organizadas. Assim, a responsabilidade pela segurança é de todos e ela está muito vinculada à formação da pessoa.
noticias.cancaonova.com – O que se poderia apontar como planos para resolução deste problema?
Carlos Pimenta – A curto prazo, o Estado deve investir na educação, pois ela é um caminho seguro. Mas só com uma educação de qualidade, não uma conteudista. Uma educação que forme a pessoa para vida, não para o mercado de trabalho, porém aquela que forneça cultura e possibilidade das pessoas terem expectativas de futuro comum. Ou a gente, hoje, reinventa as nossas estruturas econômica, política, social e cultural com seriedade, ou a violência só tende a avançar. Pois, cada vez mais, a sociedade tem se individualizado em termos de cultura e voltado mais para si. Este é um sério problema. Pois o indivíduo não reconhece mais a alteridade, não reconhece o outro. Do ponto de vista democrático, o indivíduo não reconhece mais o outro como cidadão, mas o vê como inimigo, como se estivesse em uma competição. Se eu quero um tênis e não tenho poder econômico para tal, eu vou roubar de quem tem. E isto precisa acabar, pois não se está reconhecendo o outro dentro dos limites da cidadania. Você vai num jogo do futebol e só porque um torce para o Corinthians e outro para o Palmeiras, começa a agressão física. É uma sociedade que se constitui a partir da negação da cidadania, do outro e da civilidade. O problema não é só o da violência de tiro ou do trânsito, é um problema da família, educacional, dentro da escola entre professor e aluno, das relações de trabalho. É um problema que não está só no indivíduo, mas na sociedade como um todo. Ou a sociedade se reinventa ou vai ficar cada vez mais difícil. Quem tem poder aquisitivo se blinda, apesar dos riscos. E quem não tem, a polícia vai lá e resolve de alguma forma. Pois polícia, nesse sentido, como não faz uma interpretação tranquila, acaba por fazer a proteção só de quem tem poder aquisitivo. É como se vê nas notícias da mídia: quem mais sofre com ação policial são as pessoas de baixo poder aquisitivo. Aquelas que não têm acesso à moradia, trabalho, boa escola etc. Mas com quem se utiliza do dinheiro público e comete corrupções, a polícia não é eficiente.
noticias.cancaonova.com – O poder econômico influencia de que forma?
Carlos Pimenta – A questão não é a condição de pobreza, mas a estrutura da sociedade que nós montamos. Uma estrutura de desigualdade e injustiça social. Não é simplesmente diminuindo a desigualdade ou distribuindo renda à população que a violência vai deixar de existir. O econômico é uma condição, não um elemento final. A sociedade que montamos, portanto, nasceu com o germe das diferenças, da intolerância, da hierarquia – "eu sou melhor do que o outro". Como mudar, você não me pergunte, mas há um árduo caminho a se trilhar. A Campanha da Fraternidade, por exemplo, é um belo caminho para questionarmos a sociedade seriamente.
.: Dom Dimas prega sobre Campanha da Fraternidade em Kairós na Canção Nova, neste domingo
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