Missão evangelizadora

O testemunho da Comunidade Canção Nova

O Beato João Paulo II praticamente concluiu o seu pontificado, em abril de 2005, com a publicação da Carta Apostólica O Rápido Desenvolvimento, endereçada aos responsáveis pelos meios de comunicação social. Em seu documento, o Santo Papa apresenta uma compreensão dos meios sociais de comunicação em chave soteriológica, afirmando que “a história da salvação narra e documenta a comunicação de Deus com o homem, comunicação que utiliza todas as formas e as modulações do comunicar.

O ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, para acolher a revelação divina e para estabelecer com ele um diálogo de amor”.1 Apesar de tal comunicação ter sofrido alterações com o drama do pecado, Deus não deixou de se comunicar com a humanidade, e, na plenitude dos tempos, continua João Paulo II, “no Verbo feito carne o acontecimento comunicativo assume a sua máxima expressão salvífica: foi, assim, dada ao homem, no Espírito Santo, a capacidade de receber a salvação e de anunciar e testemunhá-la aos irmãos”.2

É deveras impressionante a maneira como o Beato João Paulo II incentivou em seu pontificado a utilização dos meios sociais de comunicação para propagar a Boa Nova do Reino de Deus. No documento apenas citado, ele mesmo salienta: “os meios de comunicação se revelam uma oportunidade providencial para atingir os homens em qualquer latitude, superando barreiras de tempo, de espaço e de língua, formulando nas modalidades mais diversas os conteúdos da fé e oferecendo a quem quer que esteja em busca de portos seguros a permissão para entrar em diálogo com o mistério de Deus revelado plenamente em Cristo Jesus”.3

Seria interessante, nesta nossa reflexão, percorrer as etapas históricas mais significativas no que diz respeito aos pronunciamentos oficiais da Igreja em relação aos meios sociais de comunicação. No entanto, vou limitar-me a evidenciar neste breve espaço de tempo que me foi oferecido dois pontos: o primeiro, a importância dos meios de comunicação para o desenvolvimento da missão da Igreja; e, o segundo, um breve testemunho sobre o apostolado midiático, realizado pela Comunidade Católica Canção Nova.

Todos nós somos conscientes da importância dos meios sociais de comunicação para a atividade missionária da Igreja. O próprio João Paulo II na encíclica Redemptoris Missio, ao dissertar sobre a missão da Igreja, afirma:

"O primeiro areópago do tempo moderno é o mundo das comunicações […]. (os meios sociais de comunicação são) o principal instrumento informativo e formativo, de guia e de inspiração para os comportamentos individuais, familiares, sociais. Sobretudo, as novas gerações crescem condicionados por eles. Talvez, este areópago tenha sido deixado de lado: em geral, outros instrumentos para o anúncio evangélico e para a formação são privilegiados, enquanto que os mass media foram deixados à iniciativa de particulares ou de pequenos grupos e entram na programação pastoral de modo secundário. O empenho nos mass media, todavia, não tem somente o objetivo de multiplicar o anúncio: trata-se de um fato mais profundo, justamente porque a própria evangelização da cultura moderna depende em grande parte do seu influxo. Não basta, portanto, usá-los para difundir a mensagem cristã e o Magistério da Igreja, mas ocorre integrar a própria mensagem nesta «nova cultura» criada pela comunicação moderna. É um problema complexo, porque esta cultura nasce ainda antes que os conteúdos, pelo próprio fato que existem novos modos de comunicar com novas linguagens, novas técnicas e novos comportamentos psicológicos".4

Estamos imersos em uma nova cultura do vasto e complexo mundo das comunicações sociais que suscita estupor e não poucas interrogações éticas, que devem ser percebidas como desafios para a dimensão apostólica da Igreja. O apelo feito por João Paulo II à nova evangelização – nova não no conteúdo, mas nos métodos, no ardor e nas expressões – é ainda muito vivo e atual justamente porque existe uma nova cultura. Devemos estar atentos para o fato que esta nova cultura é formada pelos modos com os quais as pessoas se comunicam (por exemplo, as redes sociais), e não tanto pelos conteúdos comunicados.

Os meios sociais de comunicação não são simplesmente um “púlpito ampliado”, mas formadores de mentalidade, de cultura e de comportamentos. Neste mesmo sentido, o Papa Bento XVI, em sua mensagem por ocasião do 45º dia mundial das comunicações sociais (2011), afirma: “As novas tecnologias estão a mudar não só o modo de comunicar, mas a própria comunicação em si mesma, podendo-se afirmar que estamos perante uma ampla transformação cultural. Com este modo de difundir informações e conhecimentos, está a nascer uma nova maneira de aprender e pensar, com oportunidades inéditas de estabelecer relações e de construir comunhão”.5

O desafio para a Igreja é descobrir o modo de integrar a mensagem cristã nesta cultura. Creio que Jesus nos ensina não tanto a anunciar o seu Reino com categorias conceituais de termos difíceis à compreensão do povo, mas ele comunicava a sua Palavra utilizando basicamente analogias, imagens e símbolos, e ele extraía tudo isso da própria realidade dos interlocutores. Disso brota a exigência de conhecer o quanto possível os destinatários do anúncio – pensamentos, linguagem, símbolos, cultura –, justamente porque são estas as pessoas que estão inseridas nesta nova cultura.

É neste contexto que se desenvolve o apostolado midiático da Comunidade Católica Canção Nova. Nascida no dia 2 de fevereiro de 1978, a Comunidade Canção Nova foi fundada pelo sacerdote da diocese de Lorena, estado de São Paulo (Brasil), Monsenhor Jonas Abib. Basicamente, o nascimento da Canção Nova foi motivado pela Exortação apostólica Evangelii Nuntiandi do Papa Paulo VI.

Os apelos do Papa, dirigidos à Igreja para que estivesse cada vez mais empenhada com o anúncio do Evangelho no mundo contemporâneo, motivou Mons. Jonas a iniciar algumas atividades formativas com os jovens da referida diocese. Tal curso ficou conhecido por Catecumenato6, sendo realizado em dois anos consecutivos (1976-1977), e a partir da espiritualidade de um emergente movimento eclesial: Renovação Carismática Católica.

O trabalho formativo despertou naqueles jovens a consciência do próprio chamado à evangelização, de modo que eles sentiram o desejo de comprometer suas vidas com o anúncio de Jesus Cristo, constituindo para isso uma comunidade de vida cristã juntamente com o Mons. Jonas.

A Comunidade Canção Nova tem como carisma a formação de homens novos para um Mundo Novo e, em função deste principal objetivo, assume a evangelização pelos meios sociais de comunicação como instrumento preferencial, mas não exclusivo, de participação na missão da Igreja. Somente na década de 80, surgiu o que hoje se chama Sistema Canção Nova de Comunicação. Ouçamos o que Mons. Jonas fala sobre este sistema:

"Trabalhamos com rádio, com televisão, com produção de cassetes, com vídeos, composição e gravação de músicas, discos, shows. Sinto que esses meios e outros que virão formam um sistema que nós poderíamos chamar “Sistema Canção Nova de Comunicação”, porque são meios coligados entre si. Eles que têm por trás uma filosofia, uma mentalidade, um objetivo, uma VIDA – e por esses meios, todos nós comunicamos o nosso objetivo, a nossa vida, a razão daquilo em que investimos a nossa vida: a Vida e o Mundo Novo de Jesus Cristo".7

No site da Canção Nova,8 é possível ainda conferir outros meios utilizados, que formam o SCNC: internet com possibilidades de acesso a estações de rádio on-line, à televisão, Web TV, podcast, mobile, twitter e outros.9

Segundo Mons. Jonas, "Deus nos colocou nas mãos um verdadeiro arsenal para evangelizar pelos meios modernos de comunicação. Verdade que os meios são apenas meios, e o essencial é evangelizar; mas vemos que Deus nos quer, também, cada vez mais adestrados, para usar estes meios para evangelizar. Hoje, Deus colocou em nossas mãos um verdadeiro Sistema Canção Nova de Comunicação Social. Sistema, porque utilizamos os diversos meios de comunicação de massa. Sistema, porque tudo é conduzido por uma idéia força: restaurar o homem, filho de Deus, e devolver-lhe a forma original de Homem Novo à imagem de Jesus Cristo. Sistema, porque tudo vem impregnado do dom Canção Nova".10

O SCNC existe, portanto, em função do anúncio do Evangelho. Tudo se estrutura por causa desta idéia-força: contribuir com a restauração das pessoas, de modo que resplandeça nelas a criatura nova à imagem de Jesus Cristo.

Possuindo 19 estações de rádio, seis emissoras de televisão, com mais de 490 estações repetidoras de televisão, o SCNC atinge todo o território brasileiro e alguns países da América Latina. Desde 2001, a TV Canção Nova lançou sua programação no satélite europeu Hot Bird com capacidade para atingir 150 milhões de pessoas dos países da Europa, do norte da África e do Médio Oriente. Alguns destes programas televisivos são produzidos pela nossa casa de missão em Fátima (Portugal).

Semanalmente, a TV CN transmite as catequeses do Santo Padre, o Papa Bento XVI, bem como o Angelus dominical, e, pelo fato de possuir uma casa de missão em Roma, diariamente são produzidas matérias fornecidas ao jornalismo da Canção Nova.

Através das possibilidades técnicas oferecidas pela internet, o SCNC possui uma programação especial de Web TV em português, francês, espanhol, italiano e inglês. O portal CN atualmente é acessado por quase 10 milhões de pessoas por mês. Para citar o que tem sido produzido pela CN no Paraguai, desde 2007 o portal Canción Nueva é acessado por várias pessoas de língua espanhola, tendo atualmente cerca de 10 mil de acessos por mês.

Uma das coisas que me maravilha é o fato de que esta comunidade é constituída por jovens, os quais procuram unir à vontade de servir Cristo e a sua Igreja, uma sempre maior competência técnica e profissional para evangelizar segundo um específico carisma. A vida fraterna em comunidade torna-se a base indispensável para a vivência e o testemunho evangélico. É importante evidenciar que a Canção Nova faz parte do número das Novas Comunidades que, no Brasil e no mundo, compartilham a espiritualidade da Renovação Carismática Católica, para buscar no sopro do Espírito de Deus as graças para anunciar o Evangelho com desassombro.

Tenho consciência que os comunicadores da Canção Nova devem ainda desenvolver um conhecimento mais profundo da doutrina da Igreja e a capacidade de comunicar o Evangelho nesta nova cultura. Ela enfrenta ainda o desafio de encontrar os meios econômicos para sustentar e ampliar o seu sistema de comunicação. Apesar disso, sinto-me na obrigação moral de destacar a coragem de Mons. Jonas e dos membros da Canção Nova ao enfrentar com criatividade e alegria os desafios da nova evangelização através dos meios sociais de comunicação.

Concluo ressaltando alguns dos empenhos que os Bispos assumiram e com eles a inteira Igreja presente na América Latina e no Caribe na V Conferência de Aparecida (Brasil)11:

-Em primeiro lugar, conhecer e valorizar esta nova cultura da comunicação;

-Promover a formação profissional dos agentes pastorais na cultura da comunicação;

-Formar comunicadores profissionais competentes que estejam empenhados na transformação evangélica da sociedade;

-Animar as iniciativas já existentes, desenvolvendo também nelas o espírito de comunhão com a Igreja;

-Desenvolver uma política de comunicação que seja capaz de ajudar a pastoral da comunicação e dos meios católicos de comunicação, de modo que possam encontrar o seu lugar na missão evangelizadora da Igreja.

A CN, mesmo reconhecendo suas limitações e desafios para propagar a Boa Nova de Jesus Cristo pelos meios sociais de comunicação, apóia-se nas palavras do Papa Paulo VI para prosseguir em sua árdua missão: “Postos ao serviço do Evangelho, tais meios são suscetíveis de ampliar, quase até ao infinito, o campo para poder ser ouvida a Palavra de Deus e fazem com que a Boa Nova chegue a milhões de pessoas. A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados”.12

Enfim, a evangelização pelos meios sociais de comunicação jamais poderão substituir a importância do contato humano pessoal. Ao falar sobre os riscos da cultura virtual, cultura esta que vai se estabelecendo, o Papa Bento XVI afirma em sua mensagem para o dia mundial das comunicações deste ano: “É importante nunca esquecer que o contato virtual não pode nem deve substituir o contato humano direto com as pessoas, em todos os níveis da nossa vida”. E ainda: “Mesmo se proclamada no espaço virtual da rede, (a verdade do Evangelho) sempre exige ser encarnada no mundo real e dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária. Por isso permanecem fundamentais as relações humanas diretas na transmissão da fé!”.13

Padre Wagner Ferreira da Silva
Formador e Membro do Conselho Geral da Comunidade Canção Nova
Assunção (Paraguai), 21de outubro de 2011


1 João Paulo II, Carta apostólica “O Rápido desenvolvimento” aos responsáveis pelas comunicações sociais, São Paulo: Paulinas, 2005, n. 4.

2 Ibidem.

3 Ibidem, n. 5.

4 João Paulo II, Carta encíclica “Redemptoris Missio” sobre a validade permanente do mandato missionário, São Paulo: Paulinas, 1991, n. 37.

5 http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/communications/documents/hf_ben-xvi_mes_20110124_45th-world-communications-day_po.html (Acessado em 20 de outubro de 2011).

6  Cf. Paulo VI, Exortação apostólica “Evangelii nuntiandi” sobre a evangelização no mundo contemporâneo, São Paulo: Paulinas, 1976, n. 44: o curso de formação para os jovens recebeu o nome de Catecumenato por causa deste trecho do documento: “Verifica‑se que as condições do mundo atual tor­nam cada vez mais urgente o ensino catequético, sob a forma de um catecumenato, para numerosos jovens e adultos que, tocados pela graça, descobrem pouco a pouco o rosto de Cristo e experimentam a necessidade de a Ele se entregar”.

7 Jonas Abib, Nossos documentos, Cachoeira Paulista: Editora Canção Nova, 2002, p. 76; Cf. Concílio Vaticano II, Decreto “Inter mirifica”, n. 3: “A Igreja Católica, tendo sido constituída por Cristo Nosso Senhor a fim de levar a salvação a todos os homens e, por isso, impelida pela necessidade de evangelizar, considera como sua obrigação pregar a mensagem de salvação, com o recurso também dos instrumentos de comunicação social, e ensinar aos homens o seu reto uso. Portanto, compete à Igreja o direito nativo de empregar e possuir toda a sorte destes instrumentos, enquanto necessários e úteis à educação cristã e a toda a sua obra de salvação das almas […]. De resto, pertence nomeadamente aos leigos a tarefa de vivificar estes mesmos instrumentos com um espírito humano e cristão, para que correspondam plenamente à grande esperança da família humana e ao desígnio divino”.

8 Cf. http://www.cancaonova.com.

9 Tudo isso é sustentado economicamente por um clube de associados – Clube do Ouvinte – por meio do qual a Canção Nova procura não somente angariar fundos, mas também criar nestes associados a consciência de que são protagonistas da evangelização. Os associados são benfeitores e não necessariamente membros da Comunidade Canção Nova; Cf. Inter mirifica, n. 17: os padres conciliares admoestaram os membros da Igreja à obrigação de sustentar os meios de comunicação social que divulgam e defendem a verdade e providenciam a instrução cristã da sociedade. O convite se estende também às associações e a todos os que, em assuntos econômicos ou técnicos, podem sustentar generosamente com o seu auxílio financeiro e competência esses meios, enquanto prestam de fato um serviço à cultura e ao apostolado.

10 Jonas Abib, Nossos documentos, 178.

11 Cf. Celam, Documento de Aparecida – Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (13-31 de Maio de 2007), n. 486.

12 EN, n. 45.

13 http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/communications/documents/hf_ben-xvi_mes_20110124_45th-world-communications-day_po.html (Acessado em 20 de outubro de 2011).

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