Morricone recebeu a Medalha de Ouro do Pontificado do Papa Francisco em 2019
Da redação, com Vatican News
Faleceu em Roma, aos 91 anos, nesta segunda-feira, 6, o músico e compositor Ennio Morricone, um dos mais famosos autores de trilhas sonoras da história do cinema. Ele estava internado numa clínica romana por causa de uma queda.
Morreu ao amanhecer “com o conforto da fé”, anunciou numa nota o seu amigo e advogado Giorgio Assumma. O mestre “conservou até o fim plena lucidez e grande dignidade. Saudou sua amada esposa Maria, que o acompanhou com dedicação em cada momento de sua vida humana e profissional e esteve com ele até o último suspiro”.
O funeral se realizará de forma particular “com respeito ao sentimento de humildade que sempre inspirou os atos de sua existência”.
Mais de 500 trilhas sonoras
Nascido em Roma, em 10 de novembro de 1928, e formado como trompetista e maestro no Conservatório de Santa Cecília, Ennio Morricone está indissoluvelmente ligado ao nome de Sergio Leone, com quem alcançou fama internacional pelas trilhas sonoras de seus filmes, desde “Por um punhado de dólares” até “Era uma vez na América”. Em sua carreira, ele compôs mais de 500 trilhas sonoras incluindo as de “Novo Cinema Paraíso” e “Missão”, trabalhando também com Pasolini e Gillo Pontecorvo na “Batalha de Argel”. Vencedor do Óscar por sua carreira, em 2007, e por “The Hateful Eight” de Quentin Tarantino em 2016, Morricone também fez o arranjo musical de grandes clássicos da música pop italiana dos anos 60 como “Se telefonando” e “Sapore di sale”.
As condolências da Mattarella
“A morte de Ennio Morricone nos priva de um artista ilustre e brilhante”, escreveu o presidente da República Italiana, Sergio Mattarella. “Um músico ao mesmo tempo refinado e popular”, lê-se na declaração do Quirinale, “ele deixou uma marca profunda na história musical da metade do século XX”. Através de suas trilhas sonoras, ele contribuiu muito para difundir e fortalecer o prestígio da Itália no mundo”.
Entre música e fé
Em 2019, ele recebeu a Medalha de Ouro do Pontificado do Papa Francisco “por seu extraordinário compromisso artístico, que também tinha aspectos de natureza religiosa”. O presidente do Pontifício Conselho da Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi, foi quem materialmente lhe concedeu o prêmio. “Estou próximo com afeto de sua esposa Maria e de sua família ao lembrar o Mestre Ennio Morricone”, escreveu o purpurado num tweet. “Eu o confio a Deus para que o acolha na harmonia celestial, talvez atribuindo-lhe a tarefa de alguma partitura a ser executada pelos coros angélicos”.
No ano passado, ele se despediu das cenas e, surpreendentemente, aceitou dirigir um concerto na Sala Paulo VI, no Vaticano. “Eu não podia dizer não”, disse Ennio Morricone naquela ocasião. Para o cardeal Ravasi, apesar da diversidade de gêneros, a música de Morricone expressava espiritualidade e religiosidade.
O que Ennio Morricone representou não apenas na cultura musical de nosso tempo?
Ravasi: Pelo conhecimento que tive dele, graças a vários encontros, as lembranças de Ennio Morricone são muitas. Reconheço que não é apenas a grande vertente cinematográfica que será lembrada. Sabemos como ele foi original e significativo neste campo, especialmente no mundo católico, com o filme “Missão” como exemplo fundamental, mas devo recordar Morricone por pelo menos dois eventos particulares que foram extraordinariamente espirituais: o encontro e a estada com ele por alguns dias na Polônia, quando preparou um Oratório para João Paulo II. O segundo evento é o encontro mais recente, em 15 de abril de 2019, quando entreguei a ele, em nome do Papa Francisco, a Medalha de Ouro de Pontificado por sua obra musical. Estes dois momentos testemunham o que ele sempre atestou: sua fé.
Havia algo religioso na música de Morricone, quer ele musicasse um filme western ou um filme policial ou mesmo um filme religioso, como “Missão” citado pelo senhor?
Ravasi: Certamente, ele tinha um interesse particular de fazer música digamos sacra ou em termos gerais religiosa. Morricone me disse isso mais de uma vez, também porque havia essa dimensão espiritual e religiosa em sua música. Este aspecto estava dentro dele: criar música como tal, assim como ele a expressou, passando através da diversidade de gêneros mais impensáveis em certos aspectos. Se parte de “Por um punhado de dólares” ou “Era uma vez na América” de Sergio Leone e se passa através da “Batalha de Argel” de Gillo Pontecorvo, mas também “Uccellacci, uccellini” de Pier Paolo Pasolini e muitos outros, ou seja, um panorama muito articulado. Devo dizer que sempre a grande música que ele propôs tem dentro de si o que foi afirmado na grande tradição, ou seja, que a música é de certa forma a linguagem da transcendência, a linguagem que conta o mistério. Mesmo quando fala secularmente, a sua beleza é algo que nos conduz passo a passo em direção ao eterno. É o infinito.
Com Morricone a música não é apenas comentário, mas também protagonista junto com a imagem. Este é o valor a mais que Morricone deu à música?
Ravasi: Isto é verdade. De fato, devemos evidenciar, até onde pude ouvir dele, a atenção que ele tinha para a função do comentário sonoro. Uma vez, eu o convidei explicitamente ao meu dicastério, o Pontifício Conselho da Cultura, durante uma plenária, e o convidei para falar sobre o tema da beleza, a partir da sua experiência como músico, e ele disse algumas coisas muito originais. Há duas grandes experiências, que são a experiência auditiva, que é precisamente a da música, onde a escuta é fundamental, e o aspecto visual que é a descoberta de como a música evoca, faz intuir, consegue representar os fatos de forma eficaz. Se revirmos os filmes aos quais Ennio Morricone compôs a trilha sonora, é quase espontâneo recordar não só a dimensão visual, mas também sonora. Há um fio musical que anda de mãos dadas com o da imagem, intimamente ligado. Isto vale para a mencionada “Missão”: neste caso de forma significativa o comentário musical é de natureza religiosa e ilustra o tema do filme, que é o tema da missão. É por isso que acredito que todos nós devemos ser gratos a Ennio Morricone, fiéis e não fiéis, mas sobretudo os fiéis a quem ele pertencia, por ter sido capaz de expressar o inefável e o invisível ao mesmo tempo que são a alma da religião.