Igreja e os artistas

Longe de Deus, arte fica desfigurada e sem sentido

Neste final de semana, o Vaticano promove um encontro que pretende “começar uma nova fase nas relações entre a Igreja e os artistas”, explica o secretário do Pontifício Conselho para a Cultura, padre Bernard Ardura. O Papa Bento XVI se encontra com artistas de diferentes nacionalidades, credos e culturas na manhã deste sábado, 21, em plena capela Sistina.

O evento também é celebrativo: lembra os dez anos do lançamento da Carta do Papa João Paulo II aos artistas e os 45 anos do encontro de Paulo VI com o mundo da cultura, que também aconteceu no memorável cenário da capela vaticana. O pianista Alvaro Silviero será o único representante brasileiro na cerimônia.

Em entrevista exclusiva ao Canção Nova Notícias, o secretário Bernard fala sobre as finalidades do encontro, a relação entre a Igreja e o mundo das artes e os principais desafios para que a cultura ocidental reencontre suas raízes cristãs.

noticias.cancaonova.com – A Igreja promove esse encontro com que finalidade?

Padre Bernard Ardura – O Pontifício Conselho para a Cultura promove este encontro motivado  fortemente pelo Papa Bento XVI, ele próprio um artista. E isso não apenas para comemorar a reunião de Paulo VI na Capela Sistina ou a uma década da "Carta aos Artistas", de João Paulo II. O Encontro serve para começar uma nova fase nas relações entre a Igreja e os artistas. Esperamos que seja a primeira de uma nova série de reuniões e o início de um diálogo renovado entre a Igreja e os artistas.

noticias.cancaonova.com – Após 10 anos do lançamento da Carta do Papa João Paulo II aos artistas e 45 anos do encontro de Paulo VI com o mundo da Cultura, que avaliação pode ser feita sobre a relação da Igreja com esses setores? Quais foram as evoluções e novidades nesse diálogo mútuo?

Padre Bernard – Por um lado, existe a consciência de uma antiga aliança entre o mundo da cultura – e particularmente entre o mundo dos artistas – e a Igreja, porque há uma unidade fundamental entre a pessoa humana e sua capacidade intelectual e sensibilidade, uma aliança indissolúvel entre o coração e a razão. Esta aliança entre a Igreja e os vários campos da arte produziu, no decurso de dois milênios, um patrimônio cultural único para o mundo.

Os artistas têm desempenhado um papel decisivo na transmissão da mensagem do Evangelho, na linguagem das formas e figuras, e permitem que os homens entrem em contato com o mundo invisível, o mundo da transcendência, o mundo de Deus.

Por outro lado, já há 45 anos atrás, o Papa Paulo VI estava muito consciente de que a Igreja e os artistas haviam afrouxado seus laços, por várias razões. Se, por muitos séculos, a Igreja havia sido um dos maiores empregadores que permitiram aos artistas desenvolver seus talentos, a situação já não é mais a mesma há cerca de um século. Forçados por muito tempo a fazer apenas pinturas a óleo, por exemplo, muitos pintores optaram por afastar-se de uma Igreja que não permitia facilmente a liberdade de expressão criativa de seu talento, levando-os a reproduzir modelos do passado, sem abertura para novas formas de arte.

Acrescentamos que nas sociedades ocidentais, secularizadas, os artistas – e, de fato, o conjunto de toda a sociedade – distanciaram-se da Igreja, e muitas vezes desconhecem até mesmo os princípios mais rudimentares da fé que se aprendem na catequese. Portanto, sem abertura à transcendência, a linguagem artística perde a primeira mensagem que deveria transmitir e, posteriormente, também perde a sua forma característica enquanto linguagem; por isso temos uma arte sem rosto e sem sentido, mera expressão de uma alma sombria e fechada em si mesma.

A abertura e a disponibilidade de muitos artistas – mesmo os não cristãos e não crentes – constituem os elementos para um renovado diálogo entre a Igreja e o mundo da arte.

noticias.cancaonova.com – Qual o significado de o Encontro acontecer na Capela Sistina? Quais os critérios adotados para a seleção dos artistas convidados?

Padre Bernard – O belo e solene cenário da Capela Sistina recorda o memorável encontro entre Paulo VI e os artistas, no final do Concílio Vaticano II. A contemplação das inúmeras obras preservadas na Capela Sistina ajudam a entender o que significa uma arte aberta para as grandes questões da pessoa humana, como ilustrado nos afrescos de Michelangelo e dos outros grandes mestres da Renascença. É exatamente para reproduzir, na linguagem de hoje, esse necessário diálogo entre a fé e a arte que este encontro entre o Papa e os artistas foi preparado.

Para convidar os artistas, seguimos estes critérios: a qualidade artística das obras, a representação de diferentes categorias artísticas – pintores e escultores, compositores e músicos, poetas e escritores, atores e diretores, etc. – e, finalmente, a diversidade de origens geográficas e culturais.

noticias.cancaonova.com – Quais são os caminhos para a cultura ocidental reencontrar as suas raízes cristãs? De que forma a arte colabora nesse processo?

Padre Bernard – A cultura ocidental pode redescobrir suas raízes cristãs toda vez que uma pessoa se proponha as grandes questões da essência humana: De onde venho? Para onde vou? Qual é o sentido da minha vida? As respostas para essas indagações foram elaboradas ao longo de dois milênios, através do diálogo entre as questões mais íntimas da pessoa humana e as respostas do Evangelho, que é sempre uma Boa Nova para todos os povos no coração de suas próprias culturas.

Sem a consciência de suas raízes cristãs, a cultura ocidental continua a ser inexoravelmente fechada, impenetrável. Basta ver os milhões de turistas ou os muitos estudantes que passam em frente às obras de arte e são incapazes de reconhecer os sujeitos ali representados, mesmo quando seja muito simples e fácil identificá-los. Mas é também preciso dizer que o nosso patrimônio artístico representa um formidável potencial pedagógico, ao ponto de ser capaz de redescobrir o conteúdo da grande herança cristã. Aqui, mais uma vez, devemos reafirmar o necessário diálogo entre fé e arte, entre a Igreja e os artistas.

noticias.cancaonova.com – No que diz respeito às questões ligadas à arte e à cultura em geral, quais são os principais desafios a enfrentar?

Padre Bernard – Acredito que todas as temáticas vinculadas à arte e à cultura contemporânea, sejam as que dizem respeito ao significado ou ao sentido, são algumas das mais complexas e significativas. Devemos começar um diálogo com os artistas, que são nossos amigos – dizia Paulo VI -,  para repropor os grandes temas ligados à pessoa humana e sua experiência nesta vida terrena, aberta a um devir, à transcendência. Entendamos bem: não se trata de limitar a arte à arte de inspiração religiosa ou litúrgica, mas de reclamar a presença dos temas mais fundamentalmente humanos, para estimular a capacidade criativa dos artistas. Eles continuam a ser criadores autênticos, chamados essencialmente a ser colaboradores de Deus Criador no próprio ato de dar vida a uma obra de arte.

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