Concelebraram com o Papa, o secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, e o presidente emérito do Pontifício Conselho Justiça e Paz, Cardeal Renato Raffaele Martino, além do secretário de Estado Adjunto, Dom Fernando Filoni, o secretário para as Relações com os Estados, Arcebispo Dominique Mamberti, e o secretário do Pontifício Conselho Justiça e Paz, Arcebispo Mario Toso.
A seguir, a homilía do Papa durante a Santa Missa:
HOMILÍA DO SANTO PADRE
Venerados irmãos no episcopado,
ilustres senhoras e senhores,
queridos irmãos e irmãs!
No primeiro dia do novo ano, temos a alegria e a graça de celebrar a Santíssima Mãe de Deus e, ao mesmo tempo, o Dia Mundial da Paz. Em ambas as ocasiões celebramos a Cristo, o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria e nossa verdadeira paz! Para todos vós, que estão aqui reunidos: representantes dos povos do mundo, da Igreja Romana e universal, sacerdotes e fiéis; e a todos que estão ligados a nós através da rádio e da televisão, repito as palavras da antiga bênção: O Senhor volva o seu Rosto para ti e te dê a paz! (cf. Nm 6,26). É exatamente sobre o tema do Rosto e dos rostos que eu gostaria de desenvolver hoje, à luz da Palavra de Deus – Rosto de Deus e rostos dos homens -, um tema que se oferece também como chave de leitura para o problema da paz no mundo.
Ouvimos, seja na primeira leitura – trata-se do Livro dos Números -, seja no Salmo responsorial, algumas expressões que contêm a metáfora do Rosto referindo-se a Deus: "O Senhor te mostre o seu rosto e conceda-te sua graça!" (Nm 6 , 25); "Tenha Deus piedade de nós e nos abençoe, faça resplandecer sobre nós a luz de seu rosto, para que se conheçam na terra os seus caminhos e em todas as nações a sua salvação. " (Sl 66/67, 2 -3).
O rosto é a expressão por excelência da pessoa, aquilo que a torna reconhecível e por onde se manifestam os sentimentos, pensamentos, intenções do coração. Deus, por sua natureza, é invisível, mas a Bíblia aplica também a Ele esta imagem. Mostrar o rosto é expressão de sua benevolência, enquanto escondê-lo indica a raiva e a indignação. O Livro do Êxodo diz que "o Senhor se entretinha com Moisés face a face, como um homem fala com seu amigo" (Ex 33, 11), e o Senhor sempre promete a Moisés sua proximidade com uma fórmula muito singular: "“Minha face irá contigo, e serei o teu guia"(Ex 33, 14). Os Salmos mostram-nos os crentes como aqueles que buscam a face de Deus (cf. Sl 26/27, 8; 104/105, 4) e que no culto aspiram a vê-lo (cf. Sl 42, 3), e dizem-nos que "os homens retos" o "contemplarão" (Sl 10/11, 7).
Toda a história bíblica pode ser lida como uma revelação progressiva do rosto de Deus, até que atinja a sua plena manifestação em Jesus Cristo. "quando veio a plenitude dos tempos – recorda-nos outra vez hoje o apóstolo Paulo -, Deus enviou seu Filho" (Gl 4:4). E logo acrescenta: "que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei". O Rosto de Deus assumiu um rosto humano, deixando-se ver e reconhecer no filho da Virgem Maria, é por isso que nós a veneramos com o título altíssimo de "Mãe de Deus." Ela, que guardava em seu coração o segredo da maternidade divina, foi a primeira a ver o rosto de Deus feito homem no pequeno fruto de seu ventre.
A mãe tem um relacionamento muito especial, único e exclusivo com o filho recém-nascido. O primeiro rosto que o menino vê é o de sua mãe, e este aspecto é crucial para a sua relação com a vida, consigo mesmo, com os outros e com Deus; é decisivo também para que ele possa se tornar um "homem de paz" ( Lc 10:6). Entre os diversos tipos de ícones da Virgem Maria na tradição bizantina, há um chamado "da ternura", que retrata o Menino Jesus com o rosto encostado – unido – ao da mãe. O menino observa a mãe, e ela olha para nós, quase a refletir a face d'Aquele que a observa, e suplica a ternura de Deus, descida do Céu e encarnada n'Aquele filho de homem que ela carrega em seus braços. Neste ícone de Maria, podemos contemplar algo do próprio Deus: um sinal do inefável amor que levou-o a "dar o seu Filho único" (Jo 3, 16). Mas esse mesmo ícone também nos mostra, em Maria, o rosto da Igreja, que reflete nós e em todo o mundo a luz de Cristo, a Igreja mediante a qual todo o homem atinge a boa notícia: "Vós não sois mais um escravo, mas filho "(Gl 4, 7) – como lemos há pouco em São Paulo.
Irmãos no Episcopado e no sacerdócio, senhores embaixadores, queridos amigos! Meditar sobre o mistério do rosto de Deus e do homem é um caminho privilegiado que conduz à paz. Ela, na verdade, começa com um olhar respeitoso, que reconhece o rosto da outra pessoa, qualquer que seja a cor de sua pele, sua nacionalidade, sua língua, sua religião. Mas quem, se não Deus, pode garantir, por assim dizer, a "profundidade" do rosto humano? Na realidade, somente se tivermos Deus em nossos corações, podemos detectar no rosto do outro o de um irmão na humanidade, não um meio mas um fim, não um rival ou um inimigo, mas um outro que me é próximo, uma faceta do infinito mistério do ser humano.
Nossa percepção do mundo e, em especial, dos nossos semelhantes, depende essencialmente da presença em nós do Espírito de Deus. É uma espécie de "ressonância": quem tem o coração vazio, percebe apenas imagens planas, sem espessura. No entanto, ao contrário, nós somos habitados por Deus, e nós também somos mais sensíveis à sua presença em tudo que está ànossa volta: em todas as criaturas, e especialmente nos outros homens, embora às vezes o próprio rosto humano, marcado pela dureza da vida e do mal, possa tornar difícil compreendê-lo e acolhê-lo como epifania de Deus. A melhor forma, no entanto, para se reconhecer e respeitar como aquilo que realmente somos, isto é, irmãos, é termos presente que nos referimos ao Rosto de um Pai comum, que ama a todos, apesar de nossas limitações e nossos erros.
No final das contas, o importante é ser educado para o respeito pelo outro, também quando ele é diferente de nós. Agora é cada vez mais comum a experiência de classes escolares formadas por crianças de várias nacionalidades, mas também quando isso não acontece, os rostos são uma voz profética da humanidade chamada a formar uma família de famílias e de povos. Mas são os pequenos, como estas crianças, que despertam em nós a ternura e a alegria por uma inocência e uma fraternidade que aparecem evidentes: apesar das diferenças, eles choram e riem da mesma maneira, têm as mesmas necessidades, comunicam-se espontaneamente, brincam juntos… Os rostos das crianças são como um reflexo da visão de Deus sobre o mundo. Por que então desligar seus sorrisos? Por que envenenar seus corações?
Infelizmente, o ícone da Mãe de Deus da ternura se mostra em contraste trágico nas dolorosas imagens de muitas crianças e suas mães nas situações de de guerra e violência: refugiados, migrantes forçados. Rostos esculpidos de fome e de doença, os rostos desfigurados pela dor e desespero. Os rostos dos pequenos inocentes são um apelo silencioso à nossa responsabilidade: diante de sua condição de desamparo, desabam todas as falsas justificativas para a guerra e a violência. Elas devem converter-se simplesmente em planos para a paz, para que se deponham as armas de qualquer tipo e todos se impregnem do mesmo esforço de construir um mundo mais digno do homem.
A minha mensagem para este 43º Dia Mundial da Paz: "Se queres cultivar a paz, preserva a criação", se encaixa na perspectiva do Rosto de Deus e dos rostos humanos. Na verdade, podemos dizer que o homem é capaz de respeitar as criaturas na medida em que leva em conta o sentido pleno da vida, caso contrário será levado a desprezar a si mesmo e aquilo que o rodeia, a não ter nenhum respeito ao meio ambiente em que vive, ao criado. Quem sabe reconhecer no cosmo os reflexos do rosto invisível do Criador é conduzido a ter maior amor pelas criaturas, maior sensibilidade para o seu valor simbólico. Especialmente o Livro dos Salmos está repleto de exemplos dessa forma realmente humana de se relacionar com a natureza: com o céu, o mar, as montanhas, as serras, os rios, os animais… "Ó Senhor, quão variadas são as vossas obras! Feitas, todas, com sabedoria, a terra está cheia das coisas que criastes. "(Salmo 104/103, 24).
Em particular, a perspectiva do "rosto" convida a a olhar para aquilo que, também nesta mensagem, chamei de "ecologia humana". Há certamente uma ligação estreita entre o respeito pelo homem e a salvaguarda da criação. "Os deveres para com o ambiente derivam daquele que as pessoas consideram a si e em relação aos outros" (ibid., 12). Se o homem se degrada, degrada o meio ambiente em que vive; se a cultura tende para o niilismo, se não teórico, prático, a natureza não pode deixar de pagar as consequências. Pode, de fato, constatar-se uma influência recíproca entre o rosto do homem e o 'rosto' do ambiente: "Quando a ecologia humana é respeitada no seio da sociedade, também a ecologia ambiental é beneficiada" (ibid.; cf. Enc . Caritas in veritate, 51). Renovo, portanto, o meu apelo para investir em educação, propondo-se como objetivo, além da necessária transmissão de noções técnico-científicas, uma mais ampla e profunda "responsabilidade ecológica", baseada no respeito do homem e dos seus direitos e deveres fundamentais . Apenas um compromisso com o ambiente pode tornar verdadeira a educação para a paz e a construção da paz.
Queridos irmãos e irmãs, no tempo de Natal recorremos a um salmo que contém, entre outras coisas, um maravilhoso exemplo de como a vinda de Deus transforma o criado e provoca uma espécie de festa cósmica. Este hino começa com uma chamada universal ao louvor: "Cantai ao Senhor um cântico novo. Cantai ao Senhor, terra inteira. Cantai ao Senhor e bendizei o seu nome" (Sl 95/96, 1). Mas, em certo ponto, este apelo se estende a toda a criação: "Alegrem-se os céus e exulte a terra, retumbe o oceano e o que ele contém, regozijem-se os campos e tudo o que existe neles. Jubilem todas as árvores das florestas" (Sl 95/96, 11-12).
A festa da fé se torna uma festa do homem e da criação: aquela festa que o Natal expressa também pela decoração das árvores, das ruas e das casas. Tudo floresce porque Deus apareceu entre nós. A Virgem mostra o Menino Jesus para os pastores de Belém, que se alegram e louvam ao Senhor (cf. Lc 2:20); a Igreja renova o mistério para os homens de todas gerações, mostrando-lhes o rosto de Deus, para que, com a sua bênção, possam trilhar o caminho da paz.
.: Leia a Mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz
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