Palavra de Bento XVI

Homilia de Bento XVI na visita à Igreja Luterana de Roma

Durante a visita que realizou ao tempo da Igreja Luterana de Roma no último domingo, 14, o Papa Bento XVI centrou sua homilia em torno do episódio evangélico da parábola do grão de trigo. Na ocasião, o Pontífice falou em alemão; o jornal oficial da Santa Sé L'Osservatore Romano publicou uma tradução em italiano na edição desta quinta-feira, 18.

A seguir, a tradução em língua portuguesa, realizada pelo noticias.cancaonova.com

Queridas Irmãs e queridos irmãos,

desejo agradecer de coração a toda a comunidade, os vossos responsáveis, em particular o pastor Kruse, por ter me convidado a celebrar convosco este domingo Laetare, este dia em que o elemento determinante é a esperança, que leva até à luz que, da ressurreição de Cristo, irrompe nas trevas de nossa vida cotidiana, nas questões irresolvidas da nossa vida. O Laetare, caro pastor Kruse, nos traz a mensagem de esperança de São Paulo. O Evangelho, do 12º Capítulo de João, que eu desejo explicar, é também um Evangelho da esperança e, ao mesmo tempo, é um Evangelho da Cruz.

Essas duas dimensões caminham juntas: porque o Evangelho refere-se à Cruz, fala de esperança, e porque traz esperança, deve falar da Cruz.

João nos diz que Jesus tinha ido a Jerusalém para celebrar a Páscoa, e depois diz: "Havia alguns gregos que subiram para o culto". Eram, seguramente, homens do grupo chamado phoboumenoi ton Theon, os "temerosos de Deus", que, para além do politeísmo de seu mundo, estavam em busca do Deus autêntico, que é verdadeiramente Deus, em busca do único Deus, ao qual pertence todo o mundo, e que é o Deus de todos os homens. E encontraram aquele Deus, que pediam e procuravam, ao qual todo o homem anseia no silêncio, na Bíblia de Israel, reconhecendo-O como aquele Deus que criou o mundo. Ele é o Deus de todos os homens e, ao mesmo tempo, escolheu um povo concreto e um lugar para ser, de lá, presente entre nós. São "buscadores" de Deus, e vieram a Jerusalém para adorar o único Deus, para saber algo de seu mistério. Além disso, o evangelista nos diz que essas pessoas ouviram falar de Jesus, por intermédio de Filipe, o apóstolo proveniente de Betsaida, onde se falava em grego, e disseram: "Queremos ver Jesus". O seu desejo de conhecer a Deus leva a querer ver Jesus e, através d'Ele, conhecer a Deus mais de perto. "Queremos ver Jesus": uma expressão que nos comove, porque todos nós desejamos realmente vê-lo e conhecê-lo. Penso que esses gregos nos interessam por duas razões: em primeiro lugar, a mesma situação também é a nossa, também nós somos peregrinos com perguntas sobre Deus, em busca de Deus. E também nós queremos conhecer Jesus mais de perto, vê-lo realmente. No entanto, também é verdade que, como Filipe e André, devemos ser amigos de Jesus, amigos que O conheçam e possam abrir aos outros o caminho que conduz a Ele. E, por isso, penso que, neste momento, devemos orar assim: "Senhor, ajuda-nos a ser homens em caminho rumo a Ti. Senhor, concedei-nos o poder ver-Te sempre mais e mais. Ajuda-nos a ser teus amigos, que abrem para os outros a porta rumo a Ti".

Se esse episódio levou a um encontro entre Jesus e os gregos, São João não o narra. A resposta de Jesus, a que ele se refere, vai muito além daquele momento contingente. trata-se de uma dupla resposta: fala da glorificação de Jesus que então se iniciava: "Chegou a hora em que o Filho do homem deve ser glorificado" (Jo 12, 23). O Senhor explica esse conceito da glorificação com a parábola do grão de trigo: "Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo caído na terra não morre, permanece sozinho; se, ao invés, morre, produz muito fruto" (Jo 12, 24). Com efeito, o grão de trigo deve morrer, de alguma forma romper o solo, para absorver dentro de si as forças da terra e, assim, tornar-se tronco e fruto. No que diz respeito ao Senhor, essa é a parábola do Seu próprio mistério. Ele próprio é o grão de trigo vindo de Deus, o divino grão de trigo, que caiu na terra, que se deixou quebrar, romper pela morte e, exatamente através disso, se abre e pode dar frutos na vastidão do mundo. Já não se trata mais apenas de um encontro com esta ou aquela pessoa por um momento. Agora, como ressuscitado, é "novo" e ultrapassa as fronteiras espaciais e temporais. Agora, realmente atinge os gregos. Agora, Se revela a eles e fala com eles, e nesse falar com eles nasce a fé, cresce a Igreja a partir de todos os povos, a comunidade de Jesus Cristo ressuscitado, que se tornará o Seu corpo vivo, o fruto do grão trigo. Nesta parábola, podemos encontrar também uma referência ao mistério da Eucaristia: Ele, que é o grão de trigo, cai na terra e morre.

Assim nasce a santa multiplicação do pão da Eucaristia, na qual Ele torna-se pão para os homens de todos os tempos e lugares.

Assim, o que, nesta parábola cristológica, o Senhor diz de si mesmo, o aplica a nós em dois outros versículos: "Aquele que ama a própria vida, a perde, e quem odeia a própria vida neste mundo, a conservará para a vida eterna" (Jo 12, 25). Penso que quando ouvimos isso, em um primeiro momento, não gostamos. Desejamos dizer ao Senhor: Mas o que está nos dizendo, Senhor? Nós devemos odiar a nossa vida, nós mesmos? A nossa vida não é um dom de Deus? Não fomos criados à Tua imagem? Não deveríamos ser gratos e felizes por ter nos dado a vida? Mas a palavra de Jesus tem um outro significado. Naturalmente, o Senhor nos deu a vida, e somos gratos por isso. Gratidão e alegria são atitudes fundamentais da existência cristã. Sim, nós podemos ser felizes porque sabemos que essa nossa vida é de Deus. Não é um acaso privado de sentido. Eu sou desejado e sou amado. Quando Jesus diz que devemos odiar a nossa própria vida, ele quer dizer algo bem diferente. Pense aqui em duas atitudes fundamentais. Uma é aquela pela qual eu quero ter para mim a minha vida, pela qual considero a minha vida como minha propriedade, considero a mim mesmo como minha propriedade, pelo que desejo tirar o máximo proveito da vida presente, de tal forma que vivo muito vivendo apenas para mim mesmo. Quem o faz, quem vive para si mesmo e considera e deseja apenas a si mesmo, não se encontra, se perde. É exatamente o contrário: não ter a vida, mas doá-la. É isso que diz o Senhor. E não é que tomando a nossa vida para nós, nós a recebemos, mas é doando-a, indo além de nós mesmos, sem olhar para nós, mas doando-se ao outro na humildade do amor, doando a nossa vida a Ele e aos outros. Assim, tornamo-nos ricos, afastando-se de nós mesmos, livrando-nos de nós mesmos. Doando a vida, e não tomando-a, recebemos verdadeiramente a vida.

O Senhor prossegue e afirma, em um segundo versículo: "Se alguém me deseja servir, siga-me, e onde eu estiver, ali estará também o meu servo. Se alguém me serve, o Pai o honrará" (Jo 12, 26). Esta auto-doação, que, na realidade, é a essência do amor, é idêntica à Cruz. De fato, a cruz não é nada mais que uma lei fundamental do grão de trigo morto, a lei fundamental do amor: que nós somos nós mesmos apenas quando doamos a nós mesmos. Mas o Senhor acrescenta que esse doar-se, esse aceitar a cruz, esse afastar-se de si mesmo, é um andar com Ele, enquanto nós, indo atrás d'Ele e seguindo o caminho do grão de trigo, encontramos a via do amor, que, em um primeiro momento, parece uma via de tribulação e de fadiga, mas exatamente por isso é o caminho da salvação. Da via da Cruz, que é a via do amor, do perder-se e da auto-doação, faz parte o seguimento, o andar com ele, que é, Ele mesmo, o Caminho, a Verdade e a Vida.

Este conceito inclui também o fato de que este seguimento se realiza no "nós", que nenhum de nós tem o próprio Cristo, o próprio Jesus, que somente O podemos seguir se caminhamos todos juntos com Ele, entrando nesse "nós" e aprendendo com Ele o Seu amor que doa. O seguimento se realiza neste "nós". Faz parte do ser cristão o "ser nós" na comunidade de seus discípulos. E isso nos leva à questão do ecumenismo: a tristeza por ter quebrado esse "nós", por ter subdividido a única via em tantas vias, e, assim, ofuscado o testemunho que devemos dar, e o amor não mais encontra a sua plena expressão. O que devemos dizer a respeito disso? Hoje, escutamos muitas queixas de que o ecumenismo teria chegado a um impasse, de acusações mútuas; todavia, penso que devemos, antes de tudo, sermos gratos por já existir tanta unidade. É bom que hoje, domingo Laetare, possamos orar juntos, entoar os mesmos hinos, escutar a mesma Palavra de Deus, juntos tentar explicá-la e compreendê-la; que nós olhamos para o único Cristo, que vemos e ao qual desejamos pertencer, e que, desta forma, já testemunhamos que Ele é o Único, aquele que nos chamou a todos e a que, no mais profundo, todos nós pertencemos. Creio que devemos mostrar ao mundo sobretudo isto: não as brigas e conflitos de todo o tipo, mas a alegria e a gratidão pelo fato de que o Senhor nos doa tantas coisas e porque existe uma unidade real, que pode tornar-se cada vez mais profunda e que deve tornar-se sempre mais um testemunho da palavra de Cristo, da via de Cristo neste mundo. Naturalmente, não devemos nos contentar com isso, embora devamos ser cheios de gratidão por essa comunhão. Todavia, o fato de que, nas coisas essenciais, na celebração da Santa Eucaristia, não possamos beber do mesmo cálice, não possamos ficar em torno do mesmo altar, deve nos encher de tristeza, porque levamos essa culpa, porque ofuscamos esse testemunho. Deve fazer-nos interiormente inquietos, no caminho rumo a uma maior unidade, na consciência de que, afinal, somente o Senhor pode doá-la, porque a unidade acordada entre nós seria uma obra humana e, portanto, frágil, como tudo o que as pessoas realizam. Nós devemos entregar-mo-nos a Ele, procurar cada vez mais conhecê-Lo e amá-Lo, vê-Lo, e deixar que Ele nos conduza, verdadeiramente, à plena unidade, pela qual rezamos com toda a urgência neste momento.

Caros amigos, mais uma vez agradeço-vos por este convite, pela cordialidade com que me acolheram – também pelas suas palavras, gentil senhora Esch. Agradeçamos por ter podido rezar e cantar juntos. Oremos uns pelos outros, rezemos juntos a fim de que o Senhor nos doe a unidade e ajude o mundo, a fim de que ele creia. Amém.

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