Em 21 de Fevereiro de 2007, acabada a contagem dos votos no referendo sobre a liberalização de atos de abortamento por decisão livre da mãe da criança a abortar, verificou-se que, dos portugueses com direito de voto, votaram menos de metade. Ninguém em rigor o pode dizer. Mas é legítimo admitir que todos os que queriam impor o abortamento livre em Portugal foram votar. Foram metade de metade, aí uns 25%. Os que votaram contra foram um pouco menos de 25%. Contudo a maioria parlamentar considerou-se legitimada por um referendo não vinculativo e produziu, “rapidamente e em força”, uma lei de abortamento. Depois de regulamentada, tornou-se uma das leis mais permissivas da Europa.
A regulamentação ultrapassando, em muito, o que era perguntado no referendo, banaliza o ato de abortamento e constitui, na letra e na prática, de qual vamos tendo conhecimento parcelar, uma incitação ao abortamento. Como devem estar envergonhados os que votaram sim, na convicção de que se pretendia “reduzir ao mínimo as situações de abortamento, acabando de vez com os abortamentos clandestinos, de vão de escada, tão perigosos para a saúde das mães” como tantas vezes ouvi em debates em que participei, defendendo o não.
Mal a lei entrou em vigor chamei, publicamente, atenção do Senhor Diretor Geral de Saúde para a necessidade de ele dar a conhecer, mensalmente, o número e as características médicas e sociais dos atos de abortamento praticados ao abrigo da lei e do seu regulamento no Serviço Nacional de Saúde. Sendo o abortamento, na retórica dos propagandistas do sim, uma questão de saúde pública ele cabe inteiramente na esfera das competências da direcção geral de saúde.
Só a partir destes números e das características médicas e sociais, será possível saber com rigor científico e em absoluto anonimato, as reais motivações que levaram essas mulheres, desesperadas, a solicitarem o abortamento no SNS ou nas Clínicas Privadas com as quais o Ministério fez acordos de financiamento. Presumo que este financiamento público de abortamentos feitos em privado só é accionado depois de se ter comprovado que o SNS não tem capacidade para os praticar em tempo útil. Tal como para as listas de espera de cirurgia. Mas mesmo este aspecto deve constar no relatório mensal da Direção Geral de Saúde, em homenagem à transparência que sempre foi assegurada pelos defensores do sim.
E o que é que acontece?
Os jornais publicam números pelos quais ninguém se responsabiliza. Os responsáveis ministeriais fazem afirmações desgarradas e contraditórias, as Clínicas espanholas instaladas em Portugal anunciam nos jornais diários os seus serviços, com o slogan “a escolha é tua”, não há qualquer garantia de que sejam respeitados os critérios temporais da lei e não me admirarei se vierem a aparecer em Portugal escândalos iguais aos das Clínicas espanholas que praticam abortamentos com tempo de gravidez muito superior às 10 semanas em que a lei os permite.
Os defensores do não têm de se mobilizar de novo. Para além de todas as acções que estão no terreno para conseguirem que o número de abortamentos vá sempre diminuindo têm de exigir aos poderes públicos que cumpram a sua obrigação de informarem a Sociedade quanto à forma como a lei está a ser executada.
Sem esta informação pública e sem o controle que lhe está associado, em breve tudo será permitido e possível. E não podemos permitir que a lei abra a porta para um plano inclinado que termina no abortamento livre em qualquer fase da gravidez e em qualquer lugar privado para quem o possa pagar. Na maior impunidade.
Daniel Serrão