Informações em massa sobre conflitos entre Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas foram comentados por psicóloga, sociólogo e jornalista; eles indicam que a divulgação deve ser feita com ética e moralidade
Julia Beck
Da redação
O mundo “assiste” atualmente a duas grandes guerras: uma entre Rússia e Ucrânia (que já dura mais de 1 ano e meio) e a outra entre Israel e Hamas (iniciada no dia 7 deste mês). Os conteúdos sobre estes conflitos, em sua maioria sensíveis, estão presentes não apenas nos grandes veículos de comunicação, mas divulgados de forma desordenada nas mídias sociais.
Um vídeo de um menino em choque após um ataque a um hospital em Gaza, de uma mulher baleada após fuga de uma festa em Israel (invadida por membros do Hamas), e de pais chorando a morte de seus filhos (e vice-versa), são alguns dos conteúdos de impacto vistos por muitos nestes últimos dias.
A psicóloga Jaqueline Batista Carvalho Luz afirma que um turbilhão de emoções se passa pela cabeça das pessoas que acompanham estas notícias. “Muitos ficam com medo, se sentindo paralisados. Outros, sendo empáticos, se mobilizando para ajudar e (…) rezar com o intuito de acalmar o próprio coração e também em solidariedade por tantas famílias desoladas”.
Saúde mental
Muitas pessoas não conseguem acompanhar notícias como essas, enfatiza a profissional. Isso se dá pela carga emocional negativa (sangue, morte, violência, humilhação) que gera angústia e terror.
“Todos nós devemos nos preocupar em preservar a Saúde Mental e isso é feito de forma singular, ou seja, de pessoa para pessoa”, explica Jaqueline. De acordo com ela, cada um em sua singularidade deve estar atento ao seu “eu”, se percebendo e se conhecendo, sabendo, portanto, o que pode ou não “dar conta”.
O fato de não estar em contato direto com as notícias sobre guerras não significa egoísmo ou indiferença, indica a profissional. “Para muitas pessoas é difícil ver e ouvir a tudo isso e se sentir de ‘mãos atadas’”.
Noticiando a Guerra
O jornalista e âncora do Canção Nova Notícias, Reinaldo Puccini, conta que a maior dificuldade na cobertura de guerras é encontrar o ponto de equilíbrio das emoções em meio ao caos para noticiar, de forma ética e sem sensacionalismo, os fatos. O desafio, prossegue ele, é também não se deixar contaminar pelas perturbações provocadas por explosões e o jogo de narrativas das partes envolvidas na guerra.
O objetivo, segundo o profissional da comunicação, é noticiar com imparcialidade os acontecimentos, como por exemplo, o que os governos e instituições como a ONU fazem para que cessem os confrontos, encontrar histórias de quem sobreviveu, os milagres em meio ao caos e as ações humanitárias e de solidariedade de quem está próximo e da comunidade internacional.
Ao refletir sobre os impactos dos conteúdos, Puccini cita que o estado de espírito de quem recebe as informações e como as recebe é algo determinante. Porém, o jornalista acredita que a generosidade das pessoas e das comunidades pode ajudar a trazer acalento em meio a tantas notícias tristes que se somam às da guerra, causando estresse e cansaço. “Notícias ruins provocam nas pessoas ‘um certo medo de que algo pior possa acontecer’. Neste contexto, se deixarmos espaço para silenciar o coração, poderemos encontrar um pouco de serenidade e paz”, frisa.
Para o profissional, os jornalistas também precisam zelar por sua saúde mental diante de tantas notícias sensíveis. “É essencial, uma questão de autocuidado, preservação e sobrevivência. Mente, corpo e alma precisam estar em sintonia para o bem-estar integral da pessoa humana (…). Desta forma, poderemos nos qualificar para encarar notícias desta natureza, sem nos deixar abater”.
Guerra sem vantagens
Enquanto muitos tentam absorver o terror dos conflitos e outros se unem em oração pelas vítimas – um pedido do Papa Francisco – , as razões por trás da guerra também se tornaram alvos de debate em sociedade.
Ao comentar sobre a raiz deste último conflito, o sociólogo Adill Abel Kuzimbila afirma que ela tem sua origem na década de 60 e envolve questões étnicas ligadas a uma polarização. “Essa guerra não é nova, mas causou um impacto maior pela forma como foi começada”.
Kuzimbila indica que o conflito não tem vantagens ou resultados positivos, pois mesmo quem “vence” não sai do conflito menos assolado do aspecto econômico, social e psicológico.
Atualmente, ele reforça que as guerras não são apenas militarizadas, mas também de informação, por isso incentivou a sociedade a refletir sobre os discursos extremos que pregam a violência como uma via de resolução de um problema. Segundo o sociólogo, isso é perigoso.
“A raiz desse conflito é tripla: religiosa, econômica e política. Uma disputa territorial. Não podemos minimizar a maneira como o Hamas atacou Israel. A guerra, embora tenha seus tratados políticos, não tem um ritual de iniciação e aviso, no entanto, a maneira como agiram é totalmente condenável”, pontua.
O sociólogo frisa que Israel tem seu direito de resposta diante das atrocidades que viveu, mas são necessárias discussões como um possível cessar-fogo e a abertura de um corredor humanitário. Segundo ele, o mundo não está pensando nas consequências deste conflito para os países em desenvolvimento.
“Há uma discussão que influencia diretamente na relação comercial, não apenas no encarecimento da matéria prima. Quem se declara apoiador de um lado, se torna automaticamente inimigo para o outro”, sublinha.
Lado da paz
Sobre os lados desta guerra, Kuzimbila alerta que há um grande debate internacional preocupado em definir “um vilão e um mocinho”. Mas o Papa Francisco já pediu que se assuma apenas um lado na guerra: o da paz. O sociólogo aponta que esse foco em definir um lado bom ou mau pode gerar a perda do senso crítico e do entendimento de que no meio deste conflito existem pessoas inocentes (idosos, crianças, mulheres, grávidas, mães e entre outros) que estão perdendo não só casas, trabalhos e locais de sociabilidade, mas suas vidas, seus familiares.
“Esta guerra impacta diretamente no cenário mundial. Não há um consenso na questão em si da guerra. (…) A falta de um discurso moderado, que vise o ser humano, tem feito com que a opinião de quem está em qualquer um dos lados gere um conflito ainda maior, um conflito psicológico”, disse o sociólogo.
Ao falar sobre a guerra entre Israel e Hamas e pedir que os fiéis assumissem apenas o lado da paz – ao final da Audiência Geral do dia 18 deste mês – o Papa Francisco convocou um dia de oração pela paz e alertou: “meus pensamentos estão voltados para a Palestina e Israel. As vítimas estão aumentando e a situação em Gaza é desesperadora. Por favor, façam todo o possível para evitar uma catástrofe humanitária”.
Perigos do prolongamento da guerra
Na mesma ocasião, o Santo Padre expressou sua preocupação com a possibilidade de ampliação do conflito, enquanto tantas frentes de guerra já estão abertas no mundo. “Silenciem as armas, ouçam o grito de paz dos pobres, das pessoas, das crianças. Irmãos e irmãs, a guerra não resolve nenhum problema, semeia morte e destruição, aumenta o ódio e multiplica a vingança”.
Sobre o perigo do prolongamento desta guerra, Kuzimbila afirma que o grande ponto é não fazer com que a liga árabe se una contra Israel. “É necessário que os discursos de paz sejam alinhados à preservação da vida”.
Conteúdos da guerra
Voltando à questão das informações divulgadas sobre a guerra, o sociólogo reforça o valor destas publicações, desde que elas sejam pautadas pela ética e moral. Kuzimbila constata que nunca se televisionou a guerra como nos últimos anos e alerta para uma visão “comercial” de determinados conflitos.
“Tudo passa por quem faz essa divulgação. O mundo se assustou com o conflito entre Rússia e Ucrânia, que dura há mais de um ano, e ele acabou ‘se naturalizando’. No início muitos ficaram horrorizados, hoje tornou-se ‘algo natural’. Os países africanos, como a Nigéria, Mali, Chade, República Democrática do Congo também vivem situação de guerra. Porém, não são guerras fáceis de serem televisionadas, mas também não são ‘comercialmente atrativas’”.
Para o sociólogo, apesar dos conteúdos serem muito sensíveis, eles são importantes para servir de denúncia contra crimes de guerra que são cometidos contra civis. “É doloroso ver uma criança em choque, pais carregando pedaços dos corpos de seus filhos. Obviamente não estamos preparados para ver isso, mas muitas vezes essas divulgações são necessárias quando feitas de maneira responsável”, opina.
As notícias falsas, com imagens fora de contexto, sem compromisso com a verdade, são o grande perigo, no ponto de vista de Kuzimbila. Para ele, as fake news tomaram um espaço muito grande e é preciso uma maior responsabilização de quem as promove. O sociólogo alerta, por exemplo, para imagens de guerras passadas que estão sendo veiculadas nas redes sociais, trazendo desinformação.
O jornalista Reinaldo Puccini recorda que a imprensa é livre na maioria dos países e atua para informar sobre ocorrências que envolvem a sociedade e se tornam uma questão de segurança e de interesse público. “A cobertura é importante para denunciar os responsáveis por crimes contra a humanidade”. Porém, ele entende que o ideal é o zelo na divulgação – com equidade – de notícias desta natureza pelos profissionais e os meios de comunicação.