Palavra do Papa

Discurso de Bento XVI nos 400 anos da morte do padre Matteo Ricci

Venerados irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
distintas Autoridades,
queridos irmãos e irmãs,

fico feliz em encontrar-vos para recordar o IV Centenário da morte do Padre Matteo Ricci, SJ. Saúdo fraternalmente ao Bispo de Macerata-Tolentino-Recanati-Cingoli-Treia, Dom Claudio Giuliodori, que guia esta numerosa peregrinação. Com ele, saúdo os irmãos da Conferência Episcopal marchigiana e as respectivas Dioceses, as Autoridades civis, militares e acadêmicas; os sacerdotes, seminaristas e estudantes, bem como os Meninos Cantores. Macerata orgulha-se de um cidadão, um religioso e um sacerdote tão ilustre! Saúdo os Membros da Companhia de Jesus, da qual fez parte padre Ricci, em particular o Prepósito Geral, padre Adolfo Nicolás, seus amigos e colaboradores e as instituições de ensino a ela relacionada. Um pensamento também a todos os chineses.

Em 11 de maio de 1610, em Pequim, terminava a vida terrena deste grande missionário, verdadeiro protagonista do anúncio do Evangelho na China na era moderna, depois da primeira evangelização do Arcebispo João de Montecorvino. A grande estima com que foi cercado na capital chinesa e na própria corte imperial é sinal do privilégio extraordinário que lhe foi concedido, impensável para um estrangeiro, de ser enterrado em terras chinesas. Ainda hoje é possível venerar seu túmulo em Pequim, oportunamente restaurado pelas autoridades locais. As múltiplas iniciativas promovidas na Europa e na China para honrar padre Ricci mostram o grande interesse que sua obra continua a despertar na Igreja e em diferentes ambientes culturais.

A história das missões católicas compreendem figuras de grande estatura pelo zelo e coragem de levar Cristo para terras novas e distantes, mas padre Ricci é um caso singular de feliz síntese entre o anúncio do Evangelho e o diálogo com a cultura do povo a que o leva, um exemplo de equilíbrio entre a clareza doutrinal e prudente ação pastoral. Não somente o aprendizado profundo da língua, mas também o assumir o estilo de vida e costumes das classes cultas chinesas, fruto de estudo e exercício paciente e previdente, fizeram com que padre Ricci fosse aceito pelos chineses com respeito e estima, não mais como um estrangeiro, mas como o "Mestre do grande Ocidente". No "Museu do Milênio", em Pequim, somente dois estrangeiros são recordados entre os grandes da história da China: Marco Polo e padre Matteo Ricci.

O trabalho desse missionário apresenta duas vertentes que não devem ser separadas: a inculturação chinesa do anúncio evangélico e a apresentação à China da cultura e da ciência ocidentais.
Muitas vezes os aspectos científicos receberam recebido mais interesse, mas não se deve esquecer a perspectiva com que padre Ricci entrou em relação com o mundo e a cultura chineses: um humanismo que considera a pessoa inserida no seu contexto, ali cultiva os valores morais e espirituais, capturando tudo o que de positivo encontra-se na tradição chinesa e oferecendo para enriquecer a contribuição da cultura ocidental, mas, sobretudo, com a sabedoria e a verdade de Cristo. Padre Ricci não foi à China para levar-lhes a ciência e a cultura ocidentais, mas para levar o Evangelho, para fazer conhecer a Deus. Ele escreve: "Por mais de vinte anos, todas as manhãs e todas as noites, eu rezava com lágrimas ao céu. Sei que o Senhor do Céu tem compaixão das criaturas vivas e as perdoa (…) A verdade sobre o Senhor do Céu já está no coração dos homens. Mas os seres humanos não a entendem imediatamente, e, além disso, não estão inclinador a refletir sobre uma questão semelhante" (O verdadeiro significado do 'Senhor dos Céus', Roma 2006, pp.69-70). E é exatamente enquanto leva o Evangelho que padre Ricci encontra em seus interlocutores a questão de um confronto mais amplo, de modo que o encontro motivado pela fé torna-se um diálogo entre as culturas; um diálogo desinteressado, livre da ambição econômica ou política, vivido na amizade, que faz da obra de padre Ricci e seus discípulos um dos pontos mais altos e felizes no relacionamento entre a China e o Ocidente. Neste contexto, o "Tratado da Amizade" (1595), um dos seus primeiros e mais conhecidos trabalhos em chinês, é eloquente. No pensamento e ensinamento de padre Ricci, ciência, razão e fé encontram uma síntese natural:  "Quem conhece o céu e a terra – escreve no prefácio à terceira edição do mapa-mundi – pode provar que Aquele que governa o céu e a terra é absolutamente bom, absolutamente grande e uno. Os ignorantes rejeitam o Céu, mas a ciência que não remonta ao Imperador do Céu como a primeira causa, não é por nada ciência".

A admiração por padre Ricci não deve, porém, fazer esquecer o papel e a influência de seus interlocutores chineses. As escolhas que ele fazia não dependiam de uma estratégia abstrata de inculturação da fé, mas do conjunto dos eventos, encontros e experiências que estava fazendo, de tal forma que tudo o que pôde realizar foi graças ao encontro com os chineses; um encontro vivido de muitos modos, mas aprofundado através do relacionamento com alguns amigos e discípulos, especialmente os quatro célebres convertidos, "colunas da Igreja nascente chinesa"
. Destes, o primeiro e mais famoso é Xu Guangqi, um nativo de Xangai, literato e cientista, matemático, astrônomo, estudioso em agricultura, próximo aos mais altos escalões da burocracia imperial, homem íntegro, de grande fé e vida cristã, dedicada ao serviço de seu País, que ocupa um lugar de destaque na história da cultura chinesa. É ele, por exemplo, a convencer e ajudar padre Ricci a traduzir para o chinês os "Elementos" de Euclides, obra fundamental da geometria, ou a obter que o Imperador confiasse aos astrônomos jesuítas a reforma do calendário chinês. Da mesma forma, é um outro dos estudiosos chineses convertidos ao Cristianismo – Li Zhizao – a ajudar o padre Ricci na realização das últimas e mais desenvolvidas edições do mapa-mundi, que daria aos chineses uma nova imagem do mundo. Ele descrevia padre Ricci com estas palavras: "Eu o percebo como um homem singular porque vive no celibato, não lhe incomodam os encargos, fala pouco, tem uma conduta regrada e durante todos os dias, cultiva a virtude do escondimento e serve a Deus continuamente". É justo portanto associar a padre Matteo Ricci também seus grandes amigos chineses, que com ele compartilharam a experiência de fé.

Queridos irmãos e irmãs, a memória desses homens de Deus dedicados ao Evangelho e à Igreja, o seu exemplo de fidelidade a Cristo, amor profundo pelo povo chinês, empenho de inteligência e estudo, a vida virtuosa, são ocasiões de oração para a Igreja na China e por todo o povo chinês, como fazemos todos os anos, no dia 24 de maio, voltando-nos a Maria, venerada no célebre Santuário de Sheshan, em Xangai; e também são um estímulo e encorajamento para viver com intensidade a fé cristã, no diálogo com diferentes culturas, mas na certeza de que em Cristo se realiza o verdadeiro humanismo, aberto a Deus, rico em valores morais e espirituais e capaz de responder aos desejos mais profundos da alma humana. Também eu, como padre Matteo Ricci, exprimo hoje a minha profunda estima ao nobre povo chinês e a sua cultura milenar, convencido de que seu renovado encontro com o Cristianismo trará abundantes frutos de bem, bem como favorecer a uma coexistência pacífica entre os povos. Obrigado.



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