Palavra do Papa

Discurso de Bento XVI na Plenária da Assinatura Apostólica

Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos Irmãos e Irmãs,

desejo, antes de tudo, estender a minha cordial saudação ao prefeito da Assinatura Apostólica, o Senhor Cardeal Raymond Leo Burke, a quem agradeço pelas palavras com as quais introduziu este encontro. Saúdo os Senhores Cardeais e os Bispos Membros do Supremo Tribunal, o Secretário, os Oficiais e todos os colaboradores que desenvolvem o seu ministério cotidiano no Dicastério. Destino também uma cordial saudação aos funcionários judiciais e aos Advogados.

Esta é a primeira oportunidade de encontrar o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica após a promulgação da Lex propria, que assinei em 21 de junho de 2008. Exatamente ao longo da preparação de tal lei, surgiu o desejo dos Membros da Assinatura de poder dedicar – na forma comum a todo o Dicastério da Cúria Romana (Cfr. Const. ap. Pastor bonus, 28 de junho de 1988, art. 11; Regulamento Geral da Cúria Romana, 30 de abril de 1999, art. 112-117) – uma Congregatio plenaria periódica à promoção da reta administração da justiça na Igreja (cfr. Lex propria, art. 112). A função deste Tribunal, de fato, não se esgota ao exercício supremo da função judicial, mas possui também como sua missão, no âmbito executivo, a vigilância sobre a reta administração da justiça no Corpo eclesial (Cfr. Const. ap. Pastor bonus, art. 121; Lex propria, art. 32). Isso comporta, nomeadamente, como a Lex propria indica, o constante recolhimento de informações sobre o estado e a atividade dos tribunais locais, através da relação anual que todos os tribunais têm de enviar à Assinatura Apostólica; a sistematização e elaboração dos dados que desses proveem; a individuação de estratégias para a valorização dos recursos humanos e institucionais nos tribunais locais, além do exercício constante da função de direcionamento aos Moderadores dos tribunais diocesanos e interdiocesans, aos quais compete institucionalmente a responsabilidade direta pela administração da justiça. Trata-se de uma obra coordenada e paciente, destinada sobretudo a fornecer aos fiéis uma administração da justiça reta, pronta e eficiente, como pedi, em relação ás causas de nulidade matrimonial, na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis: " Nos casos em que surjam legitimamente dúvidas sobre a validade do Matrimônio sacramental contraído, deve fazer-se tudo o que for necessário para verificar o fundamento das mesmas. Há que assegurar, pois, no pleno respeito do direito canônico, a presença no território dos tribunais eclesiásticos, o seu caráter pastoral, a sua atividade correta e pressurosa; é necessário haver, em cada diocese, um número suficiente de pessoas preparadas para o solícito funcionamento dos tribunais eclesiásticos. Recordo que 'é uma obrigação grave tornar a atuação institucional da Igreja nos tribunais cada vez mais acessível aos fiéis'" (n. 29). Naquela ocasião, não esqueci de me referir à Instrução Dignitas connubii, que fornece aos Moderadores e aos ministros dos tribunais, sob a forma de vademecum, as normas necessárias para que as causas de nulidade matrimonial sejam tratadas e definidas do modo mais célere e seguro possível. Ao assegurar que os tribunais eclesiásticos estejam presentes no território e que o seu ministério seja adequado às justas exigências de celeridade e simplicidade de que os fiéis têm direito no tratamento de suas causas, começa a atividade desta Assinatura Apostólica quando, segundo a sua competência, promove a ereção de tribunais interdiocesanos; providencia, com prudência, a dispensa dos títulos acadêmicos dos tribunais, atenta à pontual verificação da sua real perícia no direito substantivo e processual; concede as necessárias dispensas de leis processuais, quando o exercício da justiça requer, em um caso particular, a relaxatio legis para chegar ao fim pretendido da lei. É também esta uma obra importante de discernimento e de aplicação da lei processual.

A vigilância sobre a reta administração da justiça seria deficitário se não compreendesse também a função de tutela da reta jurisprudência (Cfr. Lex propria, art. 111, §1). Os instrumentos de consciência e de intervenção, dos quais a Lex propria e a posição institucional proveem esta Assina Apostólica, permitem uma ação que, em sinergia com o Tribunal da Rota Romana (Cfr Cost. ap. Pastor bonus, art. 126), revela-se providencial para a Igreja. As exortações e as prescrições com as quais esta Assinatura Apostólica acompanha as respostas às Relações anuais dos tribunais locais não raramente recomendam aos respectivos Moderadores a consciência e a adesão tanto às diretivas propostas nas anuais alocuções pontifícias à Rota Romana, quanto à comum jurisprudência rotal sobre específicos aspectos que se revelam urgentes para os tribunais em particular. Encorajo, portanto, também a reflexão, que vos empenhará nestes dias, sobre a reta jurisprudência a propor aos tribunais em matéria de error iuris como motivo de nulidade matrimonial.

Este Supremo Tribunal está, além disso, empenhado em outro âmbito delicado da administração da justiça, que lhe foi confiado pelo Servo de Deus Paulo VI; à Assinatura compete, de fato, as controvérsias surgidas por um ato do poder administrativo eclesiástico e, com relação a esse, tramita recurso legitimamente interposto contra atos administrativos singulares emanados ou aprovados por Dicastérios da Cúria Romana (Cfr. Const. ap. Regimini Ecclesiae universae, 15 agosto 1967, n. 106; CIC, can. 1445, § 2; Const. ap. Pastor bonus, art. 123; Lex propria, art. 34). É esse um serviço de primeira importância: a predisposição de instrumentos de justiça – da pacífica composição das controvérsias até o tratamento e definição judicial das mesmas – constitui a oferta de um lugar de diálogo e de restauração da comunhão na Igreja. Se é verdade, de fato, que a injustiça é afrontada, antes de mais nada, com as armas espirituais da oração, da caridade, do perdão e da penitência, todavia não se pode excluir, em alguns casos, a oportunidade e a necessidade de que essa seja confrontada com ferramentas processuais. Esses constituem, antes de tudo, lugares de diálogo, que muitas vezes conduzem à concórdia e à reconciliação. Não é por acaso que o ordenamento processual prevê que in limine litis, ou seja, em todos os estágios do processo, seja dado espaço e ocasião para que "quando alguém se considere prejudicado por um decreto, evite-se o conflito entre o mesmo e o autor do decreto, e que se procure chegar, de comum acordo, a uma solução equitativa, acudindo inclusive à mediação e ao empenho de pessoas prudentes, de maneira que a controvérsia seja evitada ou dirimida por um meio idôneo" (CIC, can. 1733, § 1). São também encorajadas a tal fim iniciativas e normativas voltadas à instituição de escritórios ou conselho que tenham como missão, segundo normas a se estabelecer, o buscar e sugerir essas soluções (Cfr. ibid., § 2).

Em outros casos, onde não é possível resolver o litígio de forma pacífica, a realização de contencioso administrativo irá resultar na definição de processos judiciais: também neste caso, a atividade do Supremo Tribunal visa a reconstituição da comunhão eclesial, ou seja, o restabelecimento de uma ordem objetiva conforme ao bem da Igreja. Somente essa comunhão restabelecida e justificada através da motivação da decisão judicial pode conduzir, nas estruturas eclesiais, a uma autêntica paz e concórdia. É isso que significa o notório princípio: Opus iustitiae pax. O fatigoso restabelecimento da justiça está destinado a reconstruir justas e ordenadas relações entre os fiéis e entre esses e a Autoridade eclesiástica. De fato, a paz interior e a dedicada colaboração dos fiéis na missão da Igreja fluem da restabelecida consciência de desenvolver plenamente a própria vocação. A justiça, que a Igreja persegue através do processo contencioso administrativo, pode ser considerada como início, exigência mínima e expectativa comum de caridade, indispensável e insuficiente ao mesmo tempo, se comparada com a caridade da qual a Igreja vive. No entanto, o Povo de Deus peregrino sobre a terra não poderá realizar a sua identidade de comunidade de amor se nele não se levar em conta as exigências da justiça.

A Maria Santíssima, Speculum iustitiae e Regina pacis, confio o precioso e delicado ministério que a Assinatura Apostólica desempenha a serviço da comunhão na Igreja, enquanto expresso a cada um de vós a garantia de minha estima e de meu apreço. Sobre cada um de vós e sobre vosso cotidiano compromisso, invoco a luz do Espírito Santo e concedo a minha Bênção Apostólica.

 

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