Palavra do Papa

Discurso de Bento XVI ao novo Embaixador da Alemanha

Senhor Embaixador,

aproveito de bom grado a ocasião da solene entrega das Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador extraordinário e plenipotenciário da República Federal da Alemanha junto à Santa Sé para dar-lhe as boas-vindas e expressar os meus melhores votos para a sua alta missão. Agradeço-lhe de coração pelas gentis palavras que me destinastes, também em nome do Senhor Presidente Federal Christian Wulff e do Governo Federal. Estendo de bom grado a minha bênção e saudação ao Chefe de Estado, aos membros do Governo e a todos os cidadãos da Alemanha, com a esperança de que os bons relacionamentos entre a Santa Sé a República Federal da Alemanha perdurem no futuro e possam ulteriormente desenvolver-se.

Muitos cristãos na Alemanha voltam-se, cheios de atenção, às iminentes celebrações das beatificações de diversos Sacerdotes mártires do tempo do regime nazista. Neste domingo, 19 de setembro, será beatificado Gerhard Hirschfelder em Münster. Ao longo do próximo ano, seguirão as cerimônias de Georg Häfner em Würzburg, bem como de Johannes Prassek, Hermann Lange e Eduard Müller em Lübeck. Com os Capelães de Lübeck se comemorará também o Pastor evangélico Karl Friedrich Stellbrink. A atestada amizade dos quatro eclesiásticos é um testemunho impressionante do ecumenismo da oração e do sofrimento, surgido em vários lugares durante o obscuro período do terror nazista. Pelo nosso comum caminho ecumênico, podemos ver esses testemunhos como luminosas indicações.

Contemplando essas figuras de mártires, fica cada vez mais claro e exemplar como alguns homens, a partir de sua convicção cristã, estão dispostos a dar sua vida pela fé, pelo direito de exercer livremente suas crenças e pela liberdade de expressão, pela paz e a dignidade humana. Hoje, afortunadamente, vivemos em uma sociedade livre e democrática. Ao mesmo tempo, notamos, no entanto, como acontece com muitos de nossos contemporâneos, que não se vê um forte apego à religião, como no caso daquelas testemunhas de fé. Pelo contrário, muitos homens inclinam-se na direção de concepções religiosas mais permissivas também para si mesmos. Substituem ao Deus pessoal do cristianismo, que se revela na Bíblia, por um ser supremo, misterioso e indeterminado, que somente tem uma vaga relação com a vida pessoal do ser humano.

Tais concepções animam cada vez mais o debate no interior da sociedade, especialmente no âmbito da justiça e da legislação. No entanto, se abandona-se a fé em um Deus pessoal, surge a alternativa de um 'deus' que não conhece, que não sente e não fala. E, mais que isso, não tem uma vontade. Se Deus não dispõe de sua própria vontade, o bem e o mal já não são distinguíves: o bem e o mal não são mais contraditórios entre si, mas estão em oposição em que um seria complementar ao outro. O homem perde assim sua força moral e espiritual, necessária para o desenvolvimento completo da pessoa. A ação social é cada vez mais dominada pelo interesse privado ou pelo cálculo do poder, em detrimento da sociedade. Se, ao contrário disso, Deus é uma Pessoa – e a ordem das criaturas, bem como a presença de tantos cristãos convictos na sociedade é um indício – segue-se que uma ordem de valores é legitimada. Há sinais, que também podem ser encontrados em tempos recentes, que atestam o desenvolvimento de novos relacionamentos entre Estado e religião, também para além das grandes Igrejas cristãs então determinantes. Em tal situação, os cristãos têm, por isso, a missão de seguir esse desenvolvimento de modo positivo e crítico, de modo a aguçar os sentidos para a fundamental e permanente importância do cristianismo no gestar das bases e formar as estruturas da nossa cultura.

A Igreja vê com preocupação a crescente tentativa de eliminar o conceito cristão de matrimônio e de família da consciência da sociedade. O matrimônio manifesta-se como uma união duradoura de amor entre um homem e uma mulher, que sempre está aberta à transmissão da vida humana. A sua condição é a disposição dos parceiros a relacionar-se um com o outro para sempre. Por isso, é necessária certa maturidade da pessoa e uma fundamental atitude existencial e social: uma 'cultura da pessoa', como disse certa vez o meu predecessor João Paulo II. A existência dessa cultura da pessoa depende também dos desenvolvimentos sociais. Pode-se verificar que em uma sociedade a cultura da pessoa é diminuída; não raramente isso deriva, paradoxalmente, do crescimento do padrão de vida. Na preparação e no acompanhamento dos cônjuges, é preciso criar as condições de base para levantar e desenvolver tal cultura. Contemporaneamente, devemos ser conscientes de que o bom êxito do matrimônio depende de todos nós e da atitude pessoal de cada cidadão. Neste sentido, a Igreja não pode aprovar as iniciativas legislativas que implicam uma reavaliação de modelos alternativos da vida conjugal e familiar. Elas contribuem para a debilitação dos princípios do direito natural e, portanto, à relativização de toda a legislação e também à confusão sobre os valores na sociedade.

É um princípio da fé cristã, ancorado no direito natural, que a pessoa humana seja protegida exatamente na situação da debilidade. O ser humano tem sempre a prioridade sobre qualquer outra coisa. As novas possibilidades da biotecnologia e da medicina colocam-nos frequentemente em situações difíceis que se assemelham a um passeio na ponta da lança. Nós temos o dever de estudar cuidadosamente em que medida esses métodos podem servir de ajuda aos seres humanos e quando se trata, ao contrário, de manipulação humana, de violação de sua integridade e dignidade. Não podemos rechaçar tais evoluções, mas devemos estar muito atentos. Quando se começa a distinguir – e com frequência isso acontece já no ventre materno – entre vida digna e indigna de viver, não se salvará tampouco nenhuma outra etapa da vida, e muito menos a enfermidade e a velhice.

A construção de uma sociedade humana requer fidelidade à verdade. Neste contexto, ultimamente, fazem refletir certos fenômenos operantes no âmbito dos media públicos: ao existir uma concorrência cada vez maior, os meios de comunicação creem-se obrigados a suscitar a máxima atenção possível. Por outro lado, é o contraste que, em geral, faz a notícia, também se vem em detrimento da verdade do fato. Isso é especialmente problemático quando as autoridades adotam publicamente uma posição, sem serem capazes de verificar todos os aspectos de forma adequada. Acolho favoravelmente a intenção do Governo Federal de comprometer-se em tais casos, tanto quanto possível, de modo compensador e pacificador.

Senhor Embaixador, acompanhe-o os meus melhores votos pelo vosso trabalho e pelos contatos que terá com os representantes da Cúria Romana, com o Corpo Diplomático e também com os sacerdotes, religiosos e leigos comprometidos nas atividades da igreja que vivem aqui Roma. De coração, imploro sobre vós, sua gentil esposa, colaboradores e colaboradoras na Embaixada, a abundante bênção divina.

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