Discurso de Bento XVI à Congregação para a Doutrina da Fé

Senhores Cardeais,

Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,

caríssimos e fiéis Colaboradores!

É para mim motivo de grande alegria encontrar-vos na ocasião de vossa Sessão Plenária. Posso assim manifestar-vos os sentimentos de profundo reconhecimento e de cordial apreço que tenho pelo trabalho que vosso Dicastério desenvolve a serviço do ministério de unidade, confiado de modo especial ao Romano Pontífice. É um ministério que se exprime primariamente em função da unidade de fé, posicionada sobre o «sacro deposito», do qual o Sucessor de Pedro é o primeiro guardião e defensor (cf. Const. ap. Pastor Bonus, 11). Agradeço o Senhor Cardeal William Levada pelos sentimentos que, em nome de todos, expressou em sua apresentação e pelo elenco dos temas que foram objeto de alguns Documentos de vossa Congregação nestes últimos anos e das temáticas que ainda agora empenham o exame do Dicastério.

Em particular, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou no ano passado dois Documentos importantes, que ofereceram alguns esclarecimentos doutrinais sobre aspectos essenciais da doutrina sobre a Igreja e sobre a Evangelização. São esclarecimentos necessários para o desenvolvimento correto do diálogo ecumênico e do diálogo com as religiões e as culturas do mundo. O primeiro Documento leva o título «Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja» e recoloca também nas formulações a na linguagem o ensinamento do Concílio Vaticano II, em plena continuidade com a doutrina da Tradição católica. Vem assim confirmado que a una e única Igreja de Cristo tem sua subsistência, permanência e estabilidade na Igreja Católica e que, portanto, a unidade, a indivisibilidade e a indestrutibilidade da Igreja de Cristo não é anulada pelas separações e divisões dos cristãos. Em relação a este esclarecimento doutrinal fundamental, o Documento repropõe o uso linguístico correto de certas expressões eclesiológicas, que correm o risco de ser incompreendidas, e apela a tal fim para a atenção sobre a diferença que ainda permanece entre as diversas Confissões cristãs na defesa da compreensão do ser Igreja, em sentido propriamente teológico. Isto, longe de impedir o esforço ecumênico autêntico, será um estímulo para que o confronto sobre questões doutrinais surja sempre com realismo e pleno conhecimento dos aspectos que ainda separam as Confissões cristãs, além de que no alegre reconhecimento das verdades de fé comumente professadas e da necessidade de rezar incessantemente por um caminho mais consciente para uma maior e, ao final, plena unidade dos cristãos. Cultivar uma visão teológica que considerasse a unidade e identidade da Igreja como seus tesouros «ocultos em Cristo», com a conseqüência que historicamente a Igreja existisse de fato em múltiplas configurações eclesiais, reconciliáveis somente em perspectiva escatológica, não pode mais que gerar um retardamento e, por fim, a paralisia do próprio ecumenismo.

A afirmação do Concílio Vaticano II de que a verdadeira Igreja de Cristo «subsiste na Igreja católica» (Const. dogm. Lumen gentium, 8) não considera somente a relação com as Igrejas e comunidades eclesiais cristãs, mas se estende também à definição das relações com as religiões e as culturas do mundo. O próprio Concílio Vaticano II, na Declaração Dignitatis humanae, sobre a liberdade religiosa, afirma que «esta única verdadeira religião subsiste na Igreja católica, à qual o Senhor Jesus confiou a missão de difundi-la a todos os homens (n. 1). A «Nota doutrinal sobre alguns aspectos da evangelização» – o outro Documento publicado por vossa Congregação em dezembro de 2007 –, diante do risco de um persistente relativismo religioso e cultural, reafirma que a Igreja, no tempo do diálogo entre as religiões e culturas, não se dispensa da necessidade da evangelização e da atividade missionária junto ao povo, nem cessa de pedir aos homens que acolham a salvação oferecida a todas as pessoas. O reconhecimento dos elementos de verdade e bondade nas religiões do mundo e da seriedade de seus esforços religiosos, o próprio colóquio e espírito de colaboração com esse pela defesa e a promoção da dignidade da pessoa e dos valores morais universais, não podem ser pensados como uma limitação do compromisso missionário da Igreja, que a empenha a anunciar incessantemente Cristo como o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6).

Convido-vos, ainda, caríssimos, a seguir com particular atenção os problemas difíceis e complexos da bioética. As novas tecnologias biomédicas, de fato, interessam não somente a alguns médicos e pesquisadores especializados, mas são divulgadas através dos modernos meios de comunicação social, provocando esperanças e interrogações em setores sempre mais vastos da sociedade. O Magistério da Igreja certamente não pode e não deve intervir sobre toda novidade da ciência, mas tem o dever de reafirmar os grandes valores em jogo e de propor aos fiéis e a todos os homens de boa vontade princípios e orientações ético-morais para as novas questões importantes. Os dois critérios fundamentais para o discernimento moral neste campo são a) o respeito incondicional ao ser humano como pessoa, de sua concepção até a morte natural, b) o respeito à originalidade da transmissão da vida humana através dos atos próprios dos cônjuges. Depois da publicação, em 1987, da Instrução Donum vitae, que havia enunciado tais critérios, muitos criticaram o Magistério da Igreja, denunciando-o como se fosse um obstáculo à ciência e ao verdadeiro progresso da humanidade. Mas os novos problemas ligados, por exemplo, ao congelamento dos embriões humanos, à manipulação embrional, com o diagnóstico pré-natal, às pesquisas com células-tronco embrionárias e às tentativas de clonagem humana, mostram claramente como, com a fecundação artificial extra-corpórea, foi quebrada a barreira sobre a tutela da dignidade humana. Quando seres humanos, no estado mais fraco e mais indefeso de sua existência, são selecionados, abandonados, mortos ou utilizados como puro «material biológico», como negar que esses são tratados não mais como «alguém», mas como «algo», colocando assim em questão o conceito próprio de dignidade do homem?

Certamente a Igreja aprecia e encoraja o progresso das ciências biomédicas que abrem perspectivas terapêuticas até agora desconhecidas, mediante, por exemplo, o uso de células-tronco somáticas ou mediante as terapias dirigidas à restituição da fertilidade ou à cura das doenças genéticas. Contemporaneamente essa sente o dever de iluminar as consciências de todos, a fim de que o progresso científico seja verdadeiramente respeitoso de cada ser humano, ao qual é reconhecida a dignidade da pessoa, sendo criado à imagem de Deus. O estudo sobre tais temáticas, que tem empenhado de modo especial vossa Assembléia nestes dias, contribuirá certamente a promover a formação da consciência de muitos de nossos irmãos, segundo o quanto afirma o estabelecido pelo Concílio Vaticano II na Declaração Dignitatis Humanae: «Os fiéis… para formarem a sua própria consciência, devem atender diligentemente à doutrina sagrada e certa da Igreja. Pois, por vontade de Cristo, a Igreja Católica é mestra da verdade, e tem por encargo dar a conhecer e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo, e ao mesmo tempo declara e confirma, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que dimanam da natureza humana» (n. 14).

Ao encorajar-vos a prosseguir em vosso esforçado e importante trabalho, exprimo-vos também nesta circunstância minha proximidade espiritual, e partilho de coração a todos vós, em garantia de afeto e gratidão, a Bênção Apostólica.

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