Padre Lombardi afirma que a insistência sobre casos particulares parecem insinuar que tenha sido dada maior atenção à ONGs, preconceituosamente contrárias a Igreja Católica, do que às respostas da Santa Sé
Rádio Vaticano
Tradução: Liliane Borges
A Santa Sé publicou nesta sexta-feira, 7, o comunicado do diretor da Santa de Imprensa do Vaticano, padre Federico Lombardi, sobre o relatório conclusivo da ONU, sobre os procedimentos da Igreja em relação aos direitos das crianças.
Segue a íntegra do comunicado:
Após o grande número de artigos e comentários após a publicação das recomendações do Comitê de Auditoria da Convenção sobre os Direitos das Crianças, parece útil fazer algumas reflexões e esclarecimentos.
Não é o caso de falar de confronto “entre a ONU e o Vaticano”. As Nações Unidas são uma realidade muito importante para a humanidade de hoje. A Santa Sé sempre forneceu forte apoio moral para as Nações Unidas como lugar de encontro entre todas as nações, para promover a paz no mundo e o crescimento da comunidade dos povos em harmonia e no recíproco respeito e garantido enriquecimento. Sobre isso testemunham inúmeros documentos e intervenções da Santa Sé em seus níveis mais elevados e a participação intensa de seus representantes na atividade de muitos órgãos da ONU.
Os maiores responsáveis da ONU estiveram sempre conscientes da importância do apoio das autoridades morais e religiosas da Santa Sé para o crescimento da comunidade dos povos. Por esse motivo, convidaram o Papa a visitar a Organização e a dirigir suas palavras na Assembleia Geral. O que nas pegadas de Paulo VI, caminhou também João Paulo II (duas vezes) e Bento XVI. Em suma, as Nações Unidas, em suas mais altas instâncias, apreciam e desejam o apoio da Santa Sé e o diálogo positivo com a mesma. E o mesmo deseja a Santa Sé, para o bem da família humana. Essa é a perspectiva em que devemos nos colocar.
As convenções internacionais promovidas pela Organização das Nações Unidas são uma das maneiras em que a comunidade internacional busca promover a dinâmica do empenho pela paz e promoção dos direitos da pessoa humana em campos específicos. Os Estados são livres para aderir. A Santa Sé / Estado da Cidade do Vaticano, aderiu àqueles que considera mais importantes à luz de suas atividades e de sua missão. (É necessário recordar que aderir à Convenção implica em compromissos de participação e relações, etc., que requer pessoas e recursos, por isso a Santa Sé deve fazer uma escolha de um número limitado de Convenções, proporcional às suas responsabilidades de participação).
Entre estes, em tempo oportuno, a Santa Sé aderiu – entre os primeiros do mundo – aqueles pelos direitos da criança, à luz do grande trabalho feito nesta área, desde sempre e de muitas formas diferentes (educativas, caritativas, etc. ), pela comunidade católica no mundo, e à luz do Magistério da Igreja nesta área, inspirado no comportamento de Jesus descrito nos Evangelhos.
Naturalmente, as atividades da ONU são vastas e complexas, e como qualquer grande organização – e por causa de sua natureza internacional e universal o quanto possível – abraça, em sua organização interna, pessoas, posições, vozes muito diferentes. Portanto, não é de admirar que em seu vasto mundo se encontrem visões diferentes. Mas para que o resultado global seja positivo deve haver, portanto, muita disponibilidade de diálogo e respeito atento às regras essenciais aos procedimentos básicos na imposição das atividades.
Para a verificação da atuação da Convenção sobre os Direitos da Criança existe um comitê com sede em Genebra, que possui duas sessões por ano, que recebe os relatórios dos diferentes Estados participantes, estuda-os e discute-os com as delegações enviadas por esses estados e formula recomendações para uma melhor atuação das disposições da Convenção. As recomendações feitas pelo Comitê muitas vezes são simples e de peso relativo. Não por acaso, que quase não se vê algo na imprensa internacional, mesmo no caso de países onde os problemas dos direitos humanos e da infância são notoriamente graves.
No caso de relatórios apresentados pela Santa Sé ao Comitê nos últimos meses, sobre a implementação da Convenção e dos Protocolos adicionais, às perguntas feitas posteriormente por escrito pelo Comitê, foram dadas amplas respostas por escrito, seguido por um dia de auditoria a uma Delegação especial da Santa Sé em Genebra em 16 de janeiro. Agora, em 5 de Fevereiro, houve a publicação das observações finais e recomendações conclusivas do Comitê. O que suscitou amplos ecos e reações.
O que observar a respeito?
Antes de tudo, a adesão da Santa Sé à Convenção foi motivada por um compromisso histórico da Igreja Universal e da Santa Sé para o bem das crianças. Quem não percebe o que isso representa, para o bem das crianças do mundo, quer dizer que não está familiarizado com essa dimensão da realidade. Portanto, a Santa Sé – como disse S.E. Dom Parolin – continuará a empenhar-se em atuar de acordo com a Convenção e para manter um diálogo aberto, construtivo e comprometido com os órgãos que dela fazem parte. Tomará parte de suas disposições e a elas responderá e assim por diante, sem tentar subtrair-se de um diálogo autêntico, com os procedimentos previstos, com uma abertura às críticas justificadas, mas vai fazê-lo com coragem e decisão, sem timidez.
Ao mesmo tempo, não se pode não sublinhar que as últimas recomendações publicadas pelo Comitê parecem apresentar – na opinião de alguém que acompanhou bem o processo que precedeu – limites graves.
Não levaram em consideração, de modo adequado, as respostas, sejam escrita, sejam orais, dada pelos representantes da Santa Sé. Aqueles que leram e ouviram estas respostas não encontram reflexões proporcionais no documento do Comitê, de forma a fazer pensar que ele já havia sido, ou pelo menos escrito, ou pelo menos claramente definido antes da audiência.
Em particular, parece grave a falta de compreensão sobre a natureza específica da Santa Sé. É verdade que é uma realidade diferente de outros países e isso torna menos fácil de entender seu papel e as responsabilidades. Mas o que foi explicado em detalhes muitas vezes nos mais de vinte anos de adesão à Convenção e, em particular, nas recentes respostas escritas, não se é capaz de entender ou não se quer entender? Em ambos os casos, há o direito de se admirar.
O modo de apresentar as objeções e a insistência sobre diversos casos particulares parecem insinuar que tenha sido dada maior atenção a ONGs bem conhecidas, preconceituosamente contrárias a Igreja Católica e a Santa Sé, e não às posições da Santa Sé, escritas na Convenção, que também estava disponível para um diálogo aprofundado com o Comitê.
De fato, é típico de tais organizações não quererem reconhecer o que foi feito pela Santa Sé e a Igreja nestes últimos anos, o reconhecimento dos erros, a renovação das normas, no desenvolvimento de medidas formativas e preventivas. Poucas ou nenhuma outra organização ou instituição fez o mesmo. Mas não é absolutamente o que se compreende lendo o documento em questão.
Por fim, e esta é talvez a observação mais grave, os comentários do Comitê em várias direções parecem ir além de suas competências e interferir nas posições morais e doutrinais da Igreja Católica, dando indicações que envolvem avaliações morais sobre a contracepção e o próprio aborto ou a educação nas famílias ou a visão da sexualidade humana, à luz de uma própria visão ideológica da sexualidade. Por isso, no Comunicado oficial divulgado quarta-feira pela manhã falou-se de “uma tentativa de interferir no ensinamento da Igreja Católica sobre a dignidade da pessoa humana e o exercício da liberdade religiosa”.
Finalmente, não se pode deixar de observar que o tom, o desenvolvimento, e a publicidade dada pela Comitê no seu documento são absolutamente anormais em comparação com os outros Estados que fazem parte da Convenção.
Em suma, certamente, se a Santa Sé foi objeto de uma iniciativa e atenção midiática, em nossa opinião injustamente prejudicial, é preciso reconhecer que, por sua vez, o Comitê atraiu críticas graves e fundamentadas. Sem querer atribuir às “Nações Unidas” o que aconteceu, é preciso também, que na opinião comum, as Nações Unidas levem as consequências negativas do que fez, além de suas competências, por meio de um Comitê que dela faz parte.
Busquemos, portanto, reencontrar o plano correto do compromisso para o bem das crianças. Mesmo através do instrumento da Convenção. A Santa Sé não deixará de dar suas respostas cuidadosas e argumentadas.