Imagine viver sem poder expressar sua fé, sem poder escolher quantos filhos ter, tendo que submeter seu planejamento familiar e até sua espiritualidade ao poder estatal. Essa ainda é a realidade de muitos habitantes na China, país comunista que adota, desde fins dos anos 70, um rígido controle de natalidade: a política do filho único.
Recentemente, o caso de uma chinesa que teria sido obrigada a abortar seu filho de sete meses chamou a atenção. A criança era o segundo filho da mulher. A medida é uma tentativa de conter o crescimento populacional no país, que em 2011 já tinha ultrapassado a marca de 1,3 bilhão de habitantes. O caso aconteceu na província do Shaanxi, no norte da China.
Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, o padre chinês, José Li GuoZhong, que vive no Brasil há 30 anos, comentou o caso e também a atual situação no país de uma das grandes defensoras da vida e, portanto, contrária ao aborto: a Igreja Católica. O padre revelou que os católicos chineses, mesmo em minoria, são perseverantes em sua fé. “Comparando com a população, somos praticamente nada, acho que não chega a 1% da população. Mas mesmo assim os católicos chineses são muito fervorosos e fiéis”.
Veja abaixo a íntegra da entrevista com padre José Li:
noticias.cancaonova.com – Na China, são comuns situações como a dessa chinesa, em que mulheres são forçadas a abortar seu bebê quando este é seu segundo filho, tendo em vista a política do filho único que vigora no país?
Padre José Li GuoZhong– Eu ia tocar no assunto dessa mesma fotografia que você viu pela internet e saiu numa revista. Eu fiquei impressionado com esta foto. De fato, a política de um filho único na China ainda é muito forte lá no país. Muitos casais, para terem o segundo filho, precisam ter a permissão do governo e pagar uma multa. Quando o casal não consegue pagar uma multa muito grande e não consegue autorização para ter o segundo filho, é forçado a fazer o aborto, como aconteceu com essa mulher que já estava com sete meses de gravidez e foi forçada a fazer o aborto.
noticias.cancaonova.com – Diante de situações como essa, da política do filho único, seria o caso de lutar mais pela aprovação de mecanismos de defesa da vida, como o estatuto do nascituro, que defende a vida desde a concepção? Como fazer isso na China?
Padre Li – Com certeza. Nós defendemos a vida e, ao mesmo tempo, o aborto é contra a vida. Num sistema comunista, ditador na China, as pessoas estão sujeitas a fazer um aborto contra a própria vontade e nós precisamos defender a vida sim. Além de rezar, pelas vidas inocentes que foram mortas pelo sistema comunista, a gente precisa rezar pelas mães que sofrem com esse abuso do poder na China. Ao mesmo tempo, a gente deve dar apoio. Se a gente conhecesse a família, a gente daria um apoio a ela que vive nessa situação, não só num caso, mas em milhares de casos na China, sobretudo no interior do país, onde tem mais esse abuso do poder por parte dos policiais ou das delegacias. Então a gente precisa dar apoio e rezar por essas famílias
noticias.cancaonova.com – Uma das grandes defensoras da vida e, portanto, contrárias ao aborto, é a Igreja Católica. Qual a situação do catolicismo na China? Como as pessoas vivem essa religião no país?
Padre Li – A Igreja vive numa situação difícil agora na China por causa de ordenação episcopal sem o conhecimento ou nomeação da parte da Santa Sé. Já houve casos de ter ordenação episcopal sem a aprovação da Santa Sé. Então a Igreja está vivendo numa situação difícil na China e nós rezamos pelo país, embora lá a Igreja seja dividida em duas partes. Uma delas pertence ao governo, a chamamos de Igreja Patriótica e a ordenação que acontece nessa Igreja Patriótica, dirigida pelo governo, é ilícita. Enquanto a Igreja do Silêncio ou Subterrânea ainda é perseguida pelo governo. Nós não temos liberdade total para celebrar o culto, para professar nossa fé na China. Nós temos bastante católicos, mas, comparando com a população, somos praticamente nada, acho que não chega a 1% da população. Mas mesmo assim os católicos chineses são muito fervorosos e fiéis. Uma vez que se tornam católicos, eles são muito perseverantes na fé. Embora nessa situação, em que não há liberdade religiosa e há perseguições em muitos lugares, os católicos procuram viver sua fé, rezar em casa, fazem celebração da palavra e, quando tem o sacerdote, procuram receber o sacramento. Vivem nessa situação de perseguição, mas perseverando na fé.
noticias.cancaonova.com – Depois de tantos anos morando no Brasil, o senhor já teve oportunidade de voltar à China? O que mudou por lá no que diz respeito à perseguição religiosa?
Padre Li – Vai fazer 30 anos que estou aqui no Brasil e estou rezando muito pela Igreja na China, a gente nunca se esquece da nossa raiz. Voltei algumas vezes para visitar a família. Embora a situação tenha melhorado bastante, como eu tinha falado ainda não temos a liberdade total de rezar, expressar nossa fé católica e celebrar o culto. Quando eu visito os parentes, percebo que a fé deles é maior do que a nossa, tendo em vista a situação em que eles vivem. Eles têm uma perseverança na fé, um fervor, um zelo pela comunidade, pela nossa Igreja, eles rezam pelo Papa, pela nossa Igreja. Toda vez que eu visito a China, eu também aprendo muito com eles. Em agosto, devo visitar a família.
noticias.cancaonova.com – Que mensagem o senhor deixaria para que os cristãos possam rezar pela Igreja Católica na China, tendo em vista essas dificuldades que o catolicismo encontra no país?
Padre Li – Nós precisamos rezar não somente pela Igreja na China, mas por todas as igrejas que são perseguidas. Que nós nunca percamos a esperança e a fé numa circunstância de perseguição e falta de liberdade religiosa. Nós precisamos, além de rezar, aumentar a nossa fé e a nossa confiança em Deus. Ele [Deus] nunca há de deixar faltar a sua graça para quem vive nessa situação. É onde São Paulo fala que a fraqueza manifesta a graça de Deus.