"Um veemente apelo" às autoridades de Timor Leste, "para que façam tudo o que lhes for possível para restaurar uma ordem pública eficiente com meios legais, restituindo aos cidadãos a segurança na vida cotidiana" – foi lançado hoje pelo Papa Bento XVI, no discurso dirigido ao primeiro Embaixador da República Democrática de Timor Leste, Justino Maria Aparício Guterres, recebido no Vaticano para a apresentação das Cartas Credenciais.
Recordamos que (como anotou o diplomata timorense, na sua saudação ao pontífice), no passado dia 8 de Abril, domingo de Páscoa, na sua mensagem Urbi et Orbi, o Santo Padre evocou a situação daquela jovem nação, suplicando, "primeiro a Cristo ressuscitado, mas depois também aos homens e mulheres de boa vontade, a força da reconciliação e o dom da paz entre a população de Timor Leste".
Em razão das suas prerrogativas e funções – observou hoje Bento XVI – é o Estado o primeiro garante das liberdades e dos direitos da pessoa humana, que lhe devem ser reconhecidos em virtude da sua própria dignidade: enquanto ser espiritual, o homem é o valor fundamental e vale mais do que todas as estruturas sociais em que participa. Ora, será esta atenção aos direitos do homem por parte das autoridades timorenses que há-de dar a todos os cidadãos confiança nas instituições nacionais, encarregadas de assegurar a sua proteção.
Afeto do Santo Padre pelo povo de Timor Leste
Considerações estas – esclareceu o Papa – ditadas pelo seu "afeto e solicitude de Pastor pelo amado povo" de Timor Leste e "um sinal de esperança que a Igreja depõe num provir mais justo e prometedor" para o país. Bento XVI referiu com apreço "a maturidade cívica" ainda recentemente revelada pelo povo timorense, ao afluir em elevado número às urnas para a eleição do novo Presidente da República. O que mostra também a esperança que os timorenses depositam no "processo de construção de um Estado de direito democrático".
Aos novos representantes e servidores deste povo, que já sofreu demais, – exortou o Papa – peço que não desiludam tal esperança mas se empenhem numa progressiva democratização da sociedade, procurando aumentar a participação de todos os grupos numa ordem da vida pública que seja representativa e juridicamente tutelada. Como é sabido, o mundo assistiu, incrédulo e preocupado, à grave crise gerada pelo desespero de uns e pela impaciência de outros que transtornou o último biênio da vida nacional de Timor-Leste, fazendo reaparecer na alma coletiva os fantasmas do passado sob as formas de medo, suspeita e divisão. Que a recordação daqueles dias trágicos torne o governo e a oposição particularmente solícitos em empreender a via do diálogo e da colaboração, evitando a tentação de se abandonarem ao confronto com o adversário político, não só porque é moralmente inaceitável mas também porque esta atitude se revela sempre prejudicial para a consolidação de uma correta dialética democrática e para o desenvolvimento integral de todos os cidadãos do País.
Todos sabem como a tarefa que hoje se apresenta aos responsáveis da vida política, social e econômica de Timor-Leste é árdua e não está isenta de obstáculos – reconheceu Bento XVI. Não faltam incompreensões internas e externas; não se dispõe de todos os recursos necessários para responder às numerosas necessidades de habitação, saúde, educação, emprego; nem todos estão dispostos a prescindir de interesses pessoais ou partidários. Para não encalharem de novo em tais obstáculos (pediu o Papa), faço apelo à fé cristã que, há quatrocentos anos, se radicou no vosso solo pátrio e hoje é senha e glória de noventa e oito por cento da população timorense, bem ciente de ter encontrado na Igreja, com os seus Pastores na vanguarda, uma instância inspiradora e promotora de uma cultura de solidariedade e convivência pacífica na justiça, impelindo as vontades a colaborarem a favor do progresso e do bem comum, sem esquecer a atenção que merecem os mais pobres e desamparados.
Quase a concluir o seu discurso ao primeiro Embaixador de Timor Leste junto da Santa Sé, o Papa teceu algumas considerações gerais, sobre a atenção que a Santa Sé dedica à dignidade e promoção das pessoas e dos povos, assim como o seu desejo de que cada um possa ocupar o seu lugar e oferecer a própria colaboração na vida nacional e internacional.
Considerações Gerais de Bento XVI
O desenvolvimento dos povos – observou – depende em grande parte duma autêntica integração numa ordem mundial solidária. À Igreja cabe não tanto propor programas operativos concretos, que são alheios à sua competência, como sobretudo iluminar melhor a consciência moral dos responsáveis políticos, económicos e financeiros. Para isso, ela põe em evidência o princípio da solidariedade como fundamento de uma verdadeira economia de comunhão e participação de bens, na ordem tanto internacional como nacional.
Esta solidariedade exige que se compartilhem, de modo equitativo, os esforços por resolver os problemas do sub-desenvolvimento e os sacrifícios necessários para superar as crises econômicas e políticas, tendo em conta as necessidades das populações mais indefesas.
Mas esta solidariedade manifesta-se também como uma comunhão de serviços e permuta de conhecimentos. Com efeito, mediante uma assistência técnica e uma formação apropriada, é preciso encorajar os países que saem de períodos difíceis a favorecerem instituições democráticas estáveis, a valorizarem as suas próprias riquezas para o bem de todos os habitantes e a assegurarem às populações uma digna educação moral, cívica e intelectual.
Bento XVI congratulou-se "com a Organização das Nações Unidas e demais entes governamentais e não governamentais pela solidariedade demonstrada para com o povo de Timor-Leste pedindo-lhes que não o abandonem nesta fase de consolidação nacional". "Com efeito é através da promoção integral das pessoas que se ajudará os países a desenvolverem-se, a serem fautores do seu progresso e parceiros da vida internacional e a enfrentarem o futuro com confiança. Não se pode esquecer que não poucos dos problemas sócio-econômicos e políticos na vida dos povos, têm as suas raízes e grande repercussão na ordem moral. Neste campo, a Igreja, fiel ao mandato recebido do seu divino Fundador, procura iluminar a partir do Evangelho as realidades temporais, movida sempre pelo seu afã de servir o bem comum e as grandes causas do homem.
Bento XVI concluiu assegurando que os Pastores, sacerdotes e comunidades religiosas de Timor-Leste continuarão incansavelmente no cumprimento da sua missão evangelizadora, assistencial e caritativa. Eles – sublinhou o Papa – são os continuadores duma plêiade de homens e mulheres que, chamados a uma vocação de serviço desinteressado, dedicaram as suas vidas a mitigar a dor, a instruir e a educar, dando testemunho de abnegada entrega em favor dos mais necessitados… estes servos do Evangelho que, até aos lugares mais remotos do País, levam ajuda e conforto, infundindo amor e esperança.
O Embaixador Justino Maria Aparício Gueterres, de 61 anos, é casado e pai de duas filhas. Formado em Letras e especializado em Antropologia, foi docente de Sociologia e de Antropologia no Seminário Maior de Díli e de Cultura Timorense no Instituto Católico para a Formação dos Professores de Baucau.