ENTREVISTA

Patriarca Pizzaballa: é nosso dever ajudar Gaza em direção à paz

Patriarca Latino de Jerusalém, Cardeal Pierbattista Pizzaballa, reflete sobre o momento histórico na Terra Santa após o acordo alcançado entre Israel e o Hamas

Da redação, com Vatican News

Cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém / Foto: Ammar Awad – Reuters

As esperanças de construir uma paz duradoura na Terra Santa, as dificuldades em Gaza e na Cisjordânia e o senso de comunidade expresso em manifestações públicas que uniram as pessoas em nome da dignidade humana estavam entre os temas abordados pelo Patriarca Latino de Jerusalém, Cardeal Pierbattista Pizzaballa, convidado nesta quarta-feira, 15, nos estúdios da Rádio Vaticano. O Cardeal falou de uma trégua frágil, mas também da esperança compartilhada entre israelenses e palestinos de que esta não seja apenas uma “pausa”, mas sim que “a vida possa recomeçar com uma nova perspectiva — uma que não seja de guerra e violência”.

Confira a entrevista a seguir.

Vatican News — O senhor está em Roma para receber um prêmio — o Prêmio Achille Silvestrini — que hoje será entregue ao Padre Gabriel Romanelli, pároco da Paróquia Sagrada Família em Gaza. Qual é a situação dos cristãos daquela comunidade que decidiram permanecer em uma situação tão difícil?
Cardeal Pizzaballa — Estamos em contato diário com eles. Continuam escrevendo que ainda não conseguem acreditar que conseguiram dormir a noite toda sem ouvir o som das bombas. Ainda há drones, mas eles estão acostumados há anos. Tirando isso, a situação permanece muito fluida. Como se sabe, houve confrontos entre várias facções, mas tudo isso era previsível devido à suspensão da guerra — ainda não sabemos se ela realmente terminou — e as etapas seguintes ainda são bastante incertas, pouco claras e ambíguas. Tudo precisa ser reconstruído, organizado, e era — e ainda é — previsível que haveria altos e baixos. Ainda há muito a fazer. A situação continua dramática porque tudo está destruído. As pessoas estão retornando, mas estão retornando às ruínas. Os hospitais não estão funcionando; as escolas não existem. Ainda há a questão dos corpos dos reféns israelenses falecidos que precisam ser recuperados. Isso não é simples, já que, no caos que se instalou, a localização desses corpos muitas vezes se perdeu. A desconfiança entre as partes permanece alta. No entanto, apesar de tudo isso, há uma nova atmosfera — ainda frágil, mas esperamos que se torne mais estável.

Vatican News — Como é possível, neste contexto histórico e emocional, construir esperança e fraternidade?
Cardeal Pizzaballa — Em primeiro lugar, leva tempo. Não devemos confundir esperança com uma solução para o conflito, que não é mediada. O fim da guerra não é o começo da paz, nem é o fim do conflito. Todos esses aspectos devem ser levados em consideração. Ainda assim, é naturalmente o primeiro passo. A esperança, como sempre digo, é filha da fé. Se o seu coração confia, ele pode tornar realidade as coisas em que acredita. Portanto, devemos trabalhar primeiro nisso — com aqueles que ainda querem se engajar novamente — para criar essa rede, tanto dentro de Gaza quanto fora dela, porque não devemos separar os dois lados das fronteiras. Devemos construir fraternidade. Acredito que há necessidade de uma nova liderança política, mas também religiosa. Isso é muito importante, e já começamos a fazer contato. Precisamos de novos rostos, novas figuras que possam ajudar a reconstruir uma narrativa diferente, baseada no respeito mútuo. Levará muito tempo, porque as feridas são profundas, mas não devemos desistir. Portanto, ainda há esperança de construir uma paz duradoura, embora neste momento estejamos apenas nos primeiros passos. Antes de tudo, precisamos acreditar nisso — precisamos querer isso. O prazo será longo; não devemos nos iludir pensando que isso acontecerá em breve. Devemos também ter em mente os fracassos de acordos passados ​​— os muitos fracassos que minaram profundamente a confiança entre as partes. Haverá várias fases. Acredito que talvez a próxima geração tenha uma liberdade que esta geração não tem. Mas a tarefa desta geração é preparar a próxima. Portanto, aos poucos, precisamos criar as bases e as condições, com novos rostos e novas lideranças e, acima de tudo, criar ambientes que gradualmente fomentem uma cultura de respeito, que por sua vez trará paz.

Palestinos, que foram deslocados para a parte sul de Gaza por ordem de Israel durante a guerra, caminham por uma estrada passando por prédios destruídos enquanto tentam retornar ao norte após o acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas / Foto: Mahmoud Issa – Reuters

Vatican News — Quais são as esperanças concretas desta geração, das pessoas que você encontra todos os dias em Jerusalém ou em outros lugares?
Cardeal Pizzaballa — Neste momento, estamos em uma fase nova e ainda frágil. Estamos saindo de dois anos terríveis. A esperança é que tenhamos chegado ao fim desses anos — não apenas a uma pausa temporária. Essa esperança é compartilhada por todos, israelenses e palestinos, de direita ou de esquerda, de todas as origens. Todos querem realmente virar a página. Essa é a primeira coisa. É claro que existem diferentes opiniões, tanto políticas quanto religiosas, e existem diferentes perspectivas. Mas também há um forte desejo entre as pessoas comuns de viver novamente, não necessariamente na normalidade, mas com uma nova perspectiva que não seja de guerra e violência.

Vatican News — Nos últimos dias, ouvimos depoimentos dramáticos sobre as condições enfrentadas pelos reféns do Hamas, agora libertados. Também ouvimos relatos da degradação sofrida pelos prisioneiros palestinos detidos em prisões israelenses. O que dizer desse sofrimento, que de alguma forma parece afetar ambos os lados? E sobre como construir um futuro que não seja fruto do ódio?
Cardeal Pizzaballa — Esta tem sido uma das grandes tragédias deste tempo. Você disse “sofrimento compartilhado”, mas não foi percebido como tal. Cada lado estava fechado em sua própria dor, vendo apenas o seu próprio sofrimento, a perspectiva de seu próprio povo. Como outros também disseram, todos estavam tão cheios de sua própria dor que não havia mais espaço interior para dar espaço à dor dos outros. Agora que esta situação terminou, talvez possamos gradualmente começar a nos abrir para compreender a dor do outro. Compreender não significa justificar. Isso levará tempo — e não sei se terá sucesso total. O ódio que foi semeado — não apenas nestes últimos dois anos, quando explodiu, mas também muito antes, por meio de uma narrativa de desprezo, rejeição e exclusão — exige uma nova linguagem, novas palavras e também novas testemunhas. Não se pode separar o que é dito de quem o diz. Então, repito: precisamos de novos rostos que nos ajudem a pensar diferente.

Palestinos caminham por um bairro destruído após uma operação israelense / Foto: Ebrahim Hajjaj – Reuters

Vatican News — Nas últimas semanas, assistimos a mobilizações e manifestações em massa, inclusive na Itália, onde milhões foram às ruas. Além de grupos extremistas e alguns slogans inaceitáveis, há jovens demonstrando que querem ir além da lógica da indiferença…
Cardeal Pizzaballa — Certamente, houve excessos — de violência, mas também de linguagem, inclusive contra o judaísmo. Isso é inaceitável. Houve declarações que poderiam, de alguma forma, justificar o antissemitismo — algo que rejeitamos total e completamente. Isso deve ser dito claramente. Mas não podemos generalizar e dizer que foram todos assim: houve muitas pessoas — não apenas jovens — que participaram. O que me impressionou foi a diversidade: milhares de pessoas de diferentes origens, gerações e até afiliações políticas se uniram para dizer “não” às imagens de violência que tinham visto. Isso, para mim, é um aspecto positivo, porque despertou uma consciência — não apenas pessoal, mas comunitária. Eles estavam unidos; nessa unidade, formou-se uma comunidade. Acho isso muito importante — formar comunidade e unidade em torno de algo belo, como a dignidade da pessoa humana e a rejeição da violência — linhas vermelhas que não devem ser cruzadas, mesmo em nome da defesa. Este foi um aspecto belo e positivo. Esperemos que continue. Acredito que seja um despertar importante, também para vários líderes religiosos e políticos, perceber que dentro da consciência da comunidade há algo de bom que deve ser protegido — e talvez encontrar expressão até mesmo além deste contexto de guerra.

Vatican News — Voltando à Terra Santa, você espera o retorno dos peregrinos?
Cardeal Pizzaballa — Esperamos que sim. Conversei com o Custódio da Terra Santa sobre fazer algo em conjunto, talvez emitir algumas declarações. Esperaremos duas ou três semanas para ver como as coisas evoluem. Depois, creio que precisaremos começar a “martelar”, por assim dizer, especialmente entre as Igrejas que estiveram muito próximas da Terra Santa nos últimos dois anos, para dizer que agora é hora de demonstrar solidariedade não apenas por meio da oração, que é essencial, e da ajuda, mas também por meio da peregrinação.

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