Membro do clero da Diocese de Campos (RJ), padre Heitor Utrini explana as características dos Evangelhos e dá dicas para quem quer se aprofundar na leitura da Bíblia
Gabriel Fontana
Da Redação

Foto: Arquivo Canção Nova
Os Evangelhos relatam a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Este é o ápice da história de salvação da humanidade, no qual o Filho revela Deus Pai e habita em meio aos homens para entregar a própria vida. A terceira matéria da série especial do noticias.cancaonova.com sobre o Mês da Bíblia aborda as características desses textos.
Membro do clero da Diocese de Campos (RJ) e docente de Sagrada Escritura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o padre Heitor Utrini observa que, embora narrem os acontecimentos da vida de Jesus, os Evangelhos não foram escritos durante o decorrer dos fatos.
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O sacerdote explica que, se for considerado que Jesus morreu e ressuscitou nos anos 30, os Evangelhos começaram a ser escritos por volta dos anos 60. Portanto, esses acontecimentos são separados por cerca de três décadas, mas não são um “período vazio”. “Esse espaço foi preenchido com a pregação da Igreja, com a catequese, com a vivência litúrgica, com a fé que era proclamada, anunciada aos quatro cantos”, detalha.
O surgimento dos Evangelhos

Padre Heitor Utrini / Foto: Arquivo pessoal
Durante este período, a fé cristã e algumas comunidades foram fundadas. Tal fato leva a um outro aspecto que precisa ser considerado ao interpretar os Evangelhos: cada autor registrou os feitos de Jesus tendo um público específico, que eram diferentes entre si. Ao passo que o Evangelho de São Mateus enfatiza temas ligados à lei judaica, indicando que seus interlocutores eram judeus, o Evangelho de São Marcos apresenta explicações de assuntos do gênero, o que assinala que seu público era de pagãos convertidos.
“Em tese, bastaria um Evangelho”, comenta padre Heitor, “mas, na verdade, a Igreja sempre viu nessa pluralidade de textos uma riqueza em vez de um problema porque é como se cada evangelista nos oferecesse o seu ponto de vista a respeito de Jesus. (…) Através dessa multiplicidade de visões, nós conseguimos ter um quadro muito mais completo e rico a respeito da pessoa de Jesus”.
O sacerdote observa que existem ainda “outros Evangelhos”, mas que não foram reconhecidos como canônicos. Estes textos são conhecidos como apócrifos e, por mais que não sejam considerados como inspirados pelo Espírito de Deus, também têm seu valor – foi por meio deles que se obtiveram algumas informações sobre Nossa Senhora e alguns dos apóstolos, por exemplo.
“São obras que nascem tão somente do esforço humano, da piedade das pessoas, que naquela circunstância resolveram colocar por escrito a sua fé”, define padre Heitor.
Os evangelistas
Voltando-se para os quatro Evangelhos, o sacerdote lista as características particulares de cada um. O Evangelho de São Marcos, que acredita-se ter sido o primeiro a ser escrito, é essencialmente cristológico, focado em apresentar a pessoa de Jesus ao leitor, seguindo como que um itinerário ao acompanhar os passos do Filho de Deus. Da mesma forma, o tema do discipulado é bastante presente em seus escritos.
O Evangelho de São Mateus, por sua vez, é o que tem mais capítulos. Além disso, há uma grande preocupação com a Igreja (este é o primeiro Evangelho que utiliza a palavra ecclesia, inclusive) e os discursos de Jesus são separados em blocos.
“Nós temos um discurso de Jesus seguido de uma série de ações e, depois, um novo discurso de Jesus e novas ações”, pontua padre Heitor. Ao todo, são cinco grandes discursos: o Sermão da Montanha, o Sermão Missionário, o Sermão Parabólico, o Sermão Eclesial e o Sermão Escatológico.
São Lucas, por sua vez, segue a mesma estrutura que São Mateus, mas com um enfoque diferente. Segundo o sacerdote, o evangelista dedica mais atenção ao caminho de Jesus até Jerusalém. “Ele imagina que a vida do discípulo é semelhante a esta viagem que o discípulo faz com Jesus até Jerusalém. Ao longo desse caminho é que Jesus vai instruindo, formando o seu discípulo e, obviamente, seguir Jesus significa acompanhá-lo até Jerusalém, ou seja, até a cruz”, detalha.
Por fim, São João tem um esquema totalmente próprio e diferente. Ao narrar os milagres de Jesus, o evangelista os cita como “sinais”. Segundo padre Heitor, o sinal é um acontecimento, um gesto de Jesus que convida a dar um passo adiante. “Nós não podemos parar na materialidade do fato”, afirma, destacando os simbolismos e dualidades expressos no texto como luz e trevas, vida e morte.
Dicas de leitura
Entre algumas dicas para quem deseja um contato maior com os Evangelhos, o sacerdote indica: não é preciso ter medo de fazer essa experiência com a Palavra de Deus. “Quando um fiel se aproxima do texto bíblico, ele não tem que ser um perito em Sagrada Escritura, um exegeta. Mais do que qualquer coisa, ele tem que permitir que aquela Palavra entre em seu coração”, exprime.
Padre Heitor frisa que a Palavra de Deus tem muito a enriquecer na vida do ser humano. Ele indica ainda a leitura das introduções a cada livro e das notas de rodapé para uma melhor compreensão dos textos bíblicos, e para aqueles que querem ainda mais, fazer cursos de Teologia. “Essa experiência de fé através do contato com a Palavra de Deus é fundamental para todos”, conclui.