Dom Luís Fernando Lisboa faz balanço sobre a presença da Igreja em Moçambique e os principais desafios sociais vividos pelos moçambicanos
Julia Beck
Da redação
O Papa Francisco deu início, nesta quarta-feira, 4, a sua 31ª Viagem Apostólica. O Santo Padre embarcou rumo a Moçambique, onde é aguardado pelo presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi e fiéis moçambicanos. A 2700 km da capital de Moçambique, Maputo, a diocese de Pemba se prepara com zelo e alegria para a chegada do Pontífice. “Temos nos preparado por meio da oração e catequese”, revelou o bispo da diocese, Dom Luís Fernando Lisboa.
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Segundo o bispo, além da preparação espiritual os fiéis também se preparam com símbolos. “Os moçambicanos gostam muito de capulanas – panos usados como saia, para carregar crianças, como coberta, usados em cima da cabeça para carregar água, na mesa, na cama (…) – então foi feita uma capulana da visita do Papa. Essa capulana espalhou-se rapidamente pelo país, as mulheres todas querem usar, até os muçulmanos querem adquirir a capulana do Papa. Essa também é uma forma de divulgar e popularizar essa visita”, contou.
“O país inteiro está esperando o Papa Francisco chegar. Todo o país vai acompanhar com interesse, não somente os católicos, mas os muçulmanos, evangélicos – aliás um dos encontros dessa visita é com os líderes religiosos e os jovens –, então acredito que será um momento muito rico para o povo moçambicano de todas as religiões”, afirmou Dom Luís.
A Igreja em Moçambique
A fé católica em Moçambique tem crescido bastante, destacou o bispo de Pemba. De acordo com Dom Luís, Moçambique e o continente africano em geral são os locais onde a Igreja Católica mais conquista novos fiéis. “A África e a Ásia são continentes onde há o maior crescimento da Igreja”, completou.
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“A nossa Igreja é muito jovem. Aqui em Moçambique, cerca de 70% da população é jovem”, revelou. Para Dom Luís, a Igreja de Moçambique ensinará ao mundo sobre alegria, vontade de aprender e crescer: “A fé aqui é vivida de maneira pura”. O bispo acredita que o Papa gostará de estar em Moçambique, assim como tem gostado de estar em outros países africanos. “Ele animará a nossa Igreja jovem e nós poderemos colaborar com o seu dinamismo, sua alegria e cantos, enfim, com a Igreja universal”.
Economia
Moçambique vive um momento muito difícil em termos econômicos, sublinhou o bispo. “O antigo governo fez uma dívida muito grande, de forma errada, e esse escândalo estourou no país e ficou conhecido como ‘as dívidas ocultas’. O povo se rebelou, porque o povo não deve pagar o que é de responsabilidade de alguns membros do governo. Alguns estão presos, respondendo a processos. O país vive um momento de crise econômica muito grave”, relatou.
Violência
Dom Luís denunciou que o país sofre atualmente com ataques violentos, principalmente na província de Cabo Delgado, onde está localizada a diocese de Pemba. “Há quase dois anos, estamos sofrendo ataques de um inimigo que não tem rosto, não sabemos quem é. Em cinco distritos da nossa província, que no Brasil chamamos de Estado, as pessoas têm sido mortas, centenas de casas têm sido queimadas, um número de refugiados muito grande dentro das próprias províncias, aldeias onde as pessoas moravam foram sendo esvaziadas, porque as pessoas começaram a fugir por medo. Temos enfrentado essa situação”.
Desastres naturais
Em março deste ano, Moçambique viveu a experiência de dois ciclones, o primeiro ocorreu no final de março, que devastou a região central do país, principalmente as províncias de Sofala, Manica, Zambézia. O primeiro ciclone atingiu também a segunda cidade mais importante do país, Beira, capital de Sofala, e causou a destruição de 90% da cidade. A tragédia matou mais de 700 pessoas e atingiu dois países vizinhos.
Em abril, o segundo ciclone atingiu a província de Cabo Delgado. “Tivemos aqui o ciclone Kenneth, que arrasou alguns distritos, como o de Macomia, Quissanga e Ilha do Ibo, também com cerca de 90% das casas, escolas, igrejas e instituições destruídas. Felizmente, aqui não houve tantas mortes como no centro do país. Já tínhamos a experiência do ciclone do centro, então, quando trabalhamos para evacuar as áreas de risco, as pessoas atenderam. Conseguimos salvar muitas vidas. Aqui, morreram 43 pessoas, e um número incalculável de pessoas perderam suas casas”, relatou Dom Luís.
O bispo afirma que os trabalhos realizados pela Igreja continuam. “Juntamente com a Cáritas e outras instituições ajudamos a levar alívio às vítimas, com materiais de higiene pessoal, roupas e, agora, com a reconstrução das casas. Há muito trabalho a ser feito, então uma palavra do Papa de esperança a essa gente é muito importante. Embora ele não venha às zonas afetadas, suas falas alcançarão as pessoas por meio da televisão e do rádio”.
“O continente africano é um continente marcado pelo sofrimento, que foi repartido entre muitas nações da Europa, teve suas fronteiras divididas, famílias e povos foram separados, um continente que foi todo colonizado. (…) É um continente que continua sofrendo muitos problemas, primeiro por causa das mudanças climáticas. Nosso continente tem sido ameaçado e tem sofrido por conta disso. (…) Muitas vezes, a falta de cuidado em outros lugares trazem consequências aqui para o nosso continente”, observou.
Eleições
Moçambique realizará, no mês de outubro, suas eleições gerais. Serão eleitos o presidente, a assembleia da república, as assembleias provinciais e, pela primeira vez, uma eleição para governadores. “Nós esperamos e temos insistido como Igreja que as eleições sejam limpas, transparentes e democráticas”, reafirmou Dom Luís. O bispo acredita que somente assim será possível consolidar a paz, já que a mesma ficou ameaçada por muitas vezes e por muitos anos por causa das eleições.
Esperança em meio ao sofrimento
O tema da visita do Papa apresenta, para Dom Luís, três palavras importantes: esperança, paz e reconciliação. “Penso que essas três palavras dominarão todos os discursos, orações e falas do Papa. Esperança por conta de todo o sofrimento que o povo tem passado. O povo precisa de uma palavra de esperança. Paz, porque o país viveu num ambiente de guerra durante muitos e muitos anos, uma contra os colonizadores [portugueses] e outra guerra interna – ultimamente, por falta de um verdadeiro cumprimento do acordo de paz estávamos vivendo uma guerra entre as forças do governo e o principal partido de oposição país. Reconciliação, porque temos insistido, como Igreja, que um acordo de paz não é somente feito da assinaturas de duas pessoas, ele requer uma reconciliação”, opinou.
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O bispo recordou João Paulo II, o último Papa que esteve em Moçambique. “A última visita que um Papa fez a Moçambique foi em 1988; foi São João Paulo II. A presença de um Papa, naquele ano, ajudou muito a desencadear um processo de paz e a assinatura do acordo de paz em 1992. O terceiro acordo de paz foi assinado agora, há poucos dias, e eu acredito que a presença do Santo Padre vai reforçar esse acordo”.
O continente africano sofre também uma invasão de multinacionais, segundo Dom Luís. “Temos muitos recursos naturais. Muitas empresas expulsam pessoas de suas terras, criam imensos buracos por causa da procura de pedras e outras riquezas do nosso solo. Embora o continente seja muito rico em recursos naturais, o povo continua muito pobre. A proximidade da Igreja com esse continente significa aquilo que o Papa Francisco disse: uma Igreja pobre para os pobres”, reforçou. Para o bispo, quanto mais próximo o Papa se mantém do continente africano, mais importância mundial se dá ao continente.
“É preciso que nós ouçamos a África, é preciso que nós enxerguemos a África. A África não é invisível. É um continente com 55 países e que tem muito a dar, a ensinar para a Igreja universal, como tem muito também a aprender. Queremos que essa Igreja se fortaleça cada vez mais. (…) Que Deus nos abençoe nesse momento importante da nossa história e abençoe o Papa Francisco. Que essa visita seja um momento de graça para o nosso continente!”, concluiu.