Elementos sobre o nascimento e a infância de Nossa Senhora, que permeiam a festa litúrgica desta segunda, 8, têm origem principalmente em textos apócrifos
Julia Beck
Da Redação

Sant’Ana, Nossa Senhora e São Joaquim / Imagem: gerada por IA
Uma das festas marianas mais antigas é celebrada nesta segunda-feira, 8: a Natividade de Nossa Senhora. O padre da Diocese de Luz (MG), Patriky Samuel Batista, recorda um trecho da homilia de Bento XVI – proferida nesta mesma data, em 2007, em que o Pontífice disse: “celebrar o nascimento de Maria significa contemplar a ternura de Deus que prepara a humanidade para a vinda do seu Filho”. O sacerdote enfatiza o convite (que segue atual) do antigo Papa para esta festa: que os fiéis acolham Maria como Mãe e modelo na vida cotidiana da fé.
A origem da festa da Natividade de Nossa Senhora é incerta, mas acredita-se que ela esteja ligada à dedicação de uma igreja a Maria, em Jerusalém, no século IV: a basílica de Santa Ana, onde, segundo a tradição, era a casa dos pais de Maria, Joaquim e Ana e onde nasceu a Virgem.
Em Roma, esta festa começou a ser celebrada no século VIII, durante o pontificado do Papa Sérgio I (†8 de setembro de 701). Esta é a terceira festa da “natividade” presente no calendário romano, as outras duas são a natividade de Jesus, o Filho de Deus (Natal – 25 de dezembro), e a natividade de São João Batista (24 de junho).
Infância de Maria
A Escritura é silenciosa sobre a infância de Maria, tendo em vista que os Evangelhos canônicos falam dela já como jovem, no momento da Anunciação (cf. Lc 1,26-38), sublinha padre Patriky. No entanto, ele explica que a Igreja, ao longo dos séculos, conservou uma tradição que inclui elementos sobre o nascimento e a infância da Virgem.
“Esses elementos têm origem principalmente em textos antigos da tradição cristã, como o Protoevangelho de Tiago (séc. II), além da liturgia oriental, que desde cedo celebrava a festa da Natividade de Maria (em Jerusalém já no séc. V)”, frisa.
São João Paulo II, recorda o sacerdote, destacou esse valor da tradição ao dizer que a Igreja vive da Sagrada Escritura, mas também reconhece o papel da Tradição viva, que “transmite aquilo que não está escrito, mas que é essencial para a fé” (Catequese, 3 de dezembro de 1997).
Protoevangelho de Tiago
O Protoevangelho de Tiago é uma das fontes mais citadas quando se fala da Natividade de Maria. Esse escrito do século II é um dos mais antigos testemunhos sobre a infância de Maria. O sacerdote pontua quatro informações importantes presentes nele.
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“Que seus pais, Joaquim e Ana, eram estéreis e receberam o dom da maternidade após oração fervorosa. Que Maria nasceu como fruto da graça de Deus. Que, ainda criança, ela foi apresentada ao Templo para ser educada na fé. Que sua vida desde o início estava ligada ao serviço de Deus”.
O presbítero afirma que ler esse texto é enriquecedor quando se compreende que se trata de uma narrativa piedosa, não de um relato histórico garantido. A partir deste ponto, padre Patriky recorda uma reflexão do Papa Francisco, contida na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, em que ele destaca a necessidade de se distinguir o núcleo da fé do “acessório”: “A piedade popular tem muito a nos ensinar, mas deve sempre conduzir a Cristo e não substituir a Palavra de Deus”.
Evangelhos apócrifos
O Protoevangelho de Tiago é um “Evangelho apócrifo”, ou seja, não têm valor canônico, isto é, não faz parte da Revelação inspirada por Deus. O sacerdote indica que os textos apócrifos têm valor cultural, devocional e teológico indireto, mas não constituem fundamento de fé. Para ler o Protoevangelho de Tiago corretamente, prossegue o presbítero, é preciso ter clareza de que ele não deve ser interpretado como fonte histórica segura, mas como expressão da fé popular antiga.
A Igreja lê os Evangelhos apócrifos com discernimento. “Ela reconhece que não podem fundamentar a doutrina, mas ajudam a compreender como os cristãos antigos veneravam Maria e os santos”, disse padre Patriky. Ele recorda, então, um alerta feito por Bento XVI: “É preciso distinguir o que é revelado, que fundamenta a fé, do que pertence à piedade popular. Esta tem o seu valor, mas precisa ser iluminada sempre pela Palavra de Deus e pelo Magistério” (Audiência Geral, 28 de dezembro de 2005).
Para ler Evangelhos apócrifos é preciso trilhar um caminho equilibrado, enfatiza o presbítero. “Partir sempre das Escrituras canônicas, que são a base firme da fé. Acolher a Tradição viva da Igreja, que se expressa na liturgia, nos padres e no magistério, onde se guarda a memória sobre Maria. Ler os apócrifos com prudência e espírito devocional, entendendo-os como testemunho da piedade cristã primitiva, mas não como fonte doutrinal. Rezar com Maria, deixando que o estudo conduza ao encontro pessoal com ela, Mãe de Cristo”, orienta.
Família e fé
Por fim, padre Patriky comenta que a Festa da Natividade de Nossa Senhora está profundamente ligada ao tema da família e da esperança. Segundo o sacerdote, ela ensina que cada nascimento é sinal da providência de Deus, que age discretamente na história, e recorda que Maria é a “aurora que anuncia o Sol”, ou seja, sua vinda prepara a chegada de Cristo, o Salvador.
A valorização da família cristã se dá diante do contexto de que Joaquim e Ana são exemplos de fé, perseverança e confiança em Deus. Além de fortalecer a espiritualidade da simplicidade: “Maria nasceu no anonimato, mas foi escolhida para a missão mais sublime”, pontua.
Uma afirmação do Papa São Paulo VI, na Marialis Cultus (n. 8), é lembrada pelo presbítero: “A Natividade de Maria é um acontecimento que enche de alegria o universo, pois dela nasce a Mãe do Salvador, a criatura preparada para ser templo vivo de Deus.”
(Com informações do Vatican News)