O mistério que se celebra hoje, na Paixão do Senhor, obriga a refletir sobre o fundamento cristológico da fraternidade, destacou o cardeal
Jéssica Marçal
Da Redação
O Papa Francisco presidiu a celebração da Paixão do Senhor nesta Sexta-Feira Santa, 2. A celebração foi no altar da Cátedra da Basílica Vaticana. A homilia, seguindo a tradição, foi realizada pelo pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa, e teve como fio condutor a fraternidade.
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.: Íntegra da homilia do Cardeal Cantalamessa
Abrindo a homilia, o cardeal mencionou a encíclica Fratelli tutti, do Papa Francisco, assinada em 3 de outubro passado. Um documento que trouxe à luz este valor universal, destacou o cardeal, e que é endereçada, na prática, a toda a humanidade. Ele disse ainda que a encíclica traz, de forma resumida, o fundamento evangélico da fraternidade.
“O mistério da cruz que estamos celebrando nos obriga a nos concentrarmos justamente neste fundamento cristológico da fraternidade, que foi inaugurado na morte de Cristo”, disse.
O significado de “irmãos” no Novo Testamento
O cardeal refletiu, então, sobre o significado de “irmão” no Novo Testamento. A Páscoa marca uma etapa nova e decisiva, quando Cristo tornou-se “o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29). Aqui, o pregador da Casa Pontifícia destacou que é significativo que, somente após a ressurreição, pela primeira vez, Jesus chamou seus discípulos de “irmãos”.
“Depois da Páscoa, este é o uso mais comum do termo irmão; indica o irmão de fé, membro da comunidade cristã. Irmãos “de sangue”, também neste caso, mas do sangue de Cristo! Isso faz da fraternidade de Cristo algo de único e transcendente, em relação a qualquer outro gênero de fraternidade, e deve-se ao fato de que Cristo é também Deus”.
O frade capuchinho frisou ainda que os seres humanos são irmãos enquanto criaturas do mesmo Deus e Pai. Mas a fé cristã acrescenta uma segunda e decisiva razão: “Somos irmãos não apenas a título de criação, mas também de redenção; não só porque todos temos o mesmo Pai, mas porque todos temos o mesmo irmão, Cristo, “primogênito entre muitos irmãos”.
Fraternidade católica dilacerada
Segundo o cardeal, a fraternidade se constrói da mesma forma que se constrói a paz, isto é, a partir de cada um. Com isso, destacou que a fraternidade universal começa com a fraternidade na Igreja Católica, mas esta está dilacerada.
“A fraternidade católica está dilacerada! A túnica de Cristo foi cortada em pedaços pelas divisões entre as Igrejas; mas – o que não é menos grave – cada pedaço da túnica, por sua vez, é frequentemente dividido em outros pedaços. Naturalmente, falo do elemento humano dela, porque a verdadeira túnica de Cristo, seu corpo místico animado pelo Espírito Santo, ninguém jamais poderá dilacerar”.
Cardeal Cantalamessa explicou que a causa mais comum das divisões entre os católicos é a opção política. E isso quando ela se sobrepõe àquela religiosa e eclesial e desposa uma ideologia, esquecendo o sentido e o dever de obediência na Igreja.
“É isto, em certas partes do mundo, o verdadeiro fator de divisão, ainda que tácito ou indignadamente. Isto é um pecado, no sentido mais estrito do termo. Significa que o “o reino deste mundo” se tornou mais importante, no próprio coração, do que o Reino de Deus”.
O pregador da Casa Pontifícia destacou que isso é obra do diabo e convidou, então, a um exame de consciência e à conversão.
O exemplo de Jesus
Como exemplo, o cardeal citou o próprio Jesus, ao redor de quem havia uma forte polarização política. Jesus não ficou do lado de nenhum dos partidos e a comunidade cristã primitiva o seguiu fielmente nesta opção.
“Este é um exemplo sobretudo para os pastores que devem ser pastores de todo o rebanho, não apenas de uma parte dele. São eles, por isso, os primeiros a ter que fazer um sério exame de consciência e se perguntar aonde estão conduzindo o próprio rebanho: se à própria parte (ou ao próprio “partido”), ou à parte de Jesus”.
Cardeal Cantalamessa concluiu dizendo que a unidade é o dom próprio que a Igreja Católica deve cultivar em benefício de todas as Igrejas. E propôs que se eleve a Deus a oração que a Igreja dirige em cada Missa antes da Comunhão:
“Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos Apóstolos: Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz. Não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima vossa Igreja; dai-lhe, segundo o vosso desejo, a paz e a unidade. Vós, que sois Deus, com o Pai e o Espírito Santo. Amém”.
Em virtude da pandemia, as celebrações da Semana Santa no Vaticano estão sendo realizadas com uma presença limitada de fiéis, em respeito às medidas sanitárias previstas.