Jovem casal de noivos fala da sua percepção sobre o matrimônio; padres reiteram o acompanhamento da Igreja aos jovens no despertar da vocação
Jéssica Marçal
Da Redação
“Será verdade o que alguns dizem, que os jovens não querem se casar, especialmente nestes tempos tão difíceis?” Esse é o questionamento do Papa Francisco na intenção de oração para o mês de junho sobre a beleza do matrimônio.
Ao mesmo tempo em que questiona, o Papa afirma: “Casar e partilhar a vida é algo maravilhoso”. Dados, porém, mostram que a taxa de casamentos vem diminuindo notavelmente desde 1972. Em países como os Estados Unidos, os números de matrimônios atingiram os pontos mais baixos da história.
O problema da diminuição do número de casamentos celebrados na Igreja passa pela mudança de época já vislumbrada no Concílio Vaticano II. Quem explica é o assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Crispim Guimarães.
“Este mundo quer excluir o sagrado. E o matrimônio é algo sagrado”
Padre Crispim Guimarães
O sacerdote, que também é secretário executivo da Comissão Nacional da Pastoral Familiar (CNPF), recorda o intelectual jesuíta Michel de Certeau, muitas vezes citado pelo Papa Francisco. Já por volta dos anos 70 do século passado, Certeau falava que o corpo dos escritos e ritos cristãos já não são mais testemunhos de uma revelação, sinais de verdadeira doação à fé cristã, mas “ruínas admiráveis de um simbólico”.
“Isso significa que aquele que inspirou as obras de arte nas nossas igrejas, os hinos e escritos, que é Jesus Cristo, não é mais percebido como alguém a ser conhecido, amado e seguido. Este mundo quer excluir o sagrado. E o matrimônio é algo sagrado”.
Jovens valorizam a família
Doutor em Ciências do Matrimônio e da Família, padre Rafael Fornasier diz que muitas pesquisas mostram o quanto os jovens valorizam a família. Mas apesar dessa valorização, quando o assunto é formar a própria família por meio do matrimônio o posicionamento dos jovens é outro.
“Há muitas situações de ordem social, cultural, econômica, psicológica e moral que poderiam estar influenciando-os no que concerne à construção de um projeto de vida por meio de duradouros vínculos conjugais e familiares”, explica.
A questão financeira e profissional é lembrada também por padre Crispim como resultado dos casamentos tardios. Na Suécia, por exemplo, a média de idade das pessoas que se casam aproxima-se, agora, dos 34 anos. “Ora, se o matrimônio não é mais sagrado, então é só mais uma coisa a ser realizada e nem sempre é a mais importante”, diz padre Crispim.
A beleza do matrimônio
Na contramão, há jovens casais que enxergam a beleza do matrimônio de que fala o Papa. Felipe Couto, 29, e Yasmin Medeiros, 28, estão juntos há sete anos e há um ano e meio ficaram noivos.
“Para mim, a beleza do matrimônio está na vida simples, no cotidiano, na convivência e construção de uma vida juntos”, testemunha Felipe. Na opinião dele, a tendência do jovem de não querer se casar é, talvez, por buscar caminhos fáceis, e ele reconhece que o matrimônio é difícil.
“Existem diferenças, vontades, existem os problemas. Mas acredito que muitos jovens também querem se casar. Graças a Deus somos padrinhos de casamento de muitos amigos, e ver a felicidade deles em firmar seu amor diante de Deus nos dá esperança de que esse cenário possa mudar.”
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Yasmin enxerga a vida em família como importante para o desenvolvimento de todo indivíduo. Como jovem também, ela acredita que os jovens estão preocupados e focados em aspectos pessoais, como uma carreira que garanta um futuro tranquilo. Ela não enxerga isso como algo prejudicial, mas como algo que prepara mais para a escolha.
“O conselho que eu posso dar é que rezem muito. A oração abre os céus e nos traz a tranquilidade de saber que Deus prepara a nossa história. O amor não requer pressa, ele requer cuidado, carinho e construção”, conclui Felipe, que se prepara para subir ao altar com Yasmin em outubro de 2022.
Acompanhamento da Igreja
Padre Rafael recorda que a Igreja procura cada vez mais abordar o tema do matrimônio e da família como uma vocação. E sendo uma vocação, é preciso anunciar o Cristo aos jovens, para que eles respondam ao chamado mesmo em meio aos desafios atuais.
“O matrimônio é um caminho para a santidade e isso precisa ser proclamado em todos os ambientes”, reforça padre Crispim. “Se a gente não tiver a capacidade de apresentar o cristianismo de uma forma diferente, obviamente que a espiritualidade do mundo vai sempre dizer aos jovens que casar não é algo importante”, acrescenta.
“O matrimônio é um caminho para a santidade e isso precisa ser proclamado em todos os ambientes”
Padre Crispim Guimarães
Aprofundar a reflexão teológica, com o auxílio das ciências humanas e sociais, sobre as realidades do matrimônio e da família estão no âmago do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família.
No Brasil, o Instituto é dirigido pelo padre Rafael Fornasier. A instituição oferece material teórico que vem sendo estudado e traduzido para a prática pastoral sobre a preparação para a vida matrimonial e familiar.
“Além disso, aqui no Brasil, a seção do Pontifício Instituto vem oferecendo formações e cursos que podem ajudar os jovens a trilhar um bom caminho de preparação ao matrimônio e à vida familiar”, explica padre Rafael.
Desafios sobre o tema “família”
A Igreja já vem, há um longo tempo, se dedicando à temática família. Só no pontificado de Francisco foram dois Sínodos dos Bispos a respeito. Isso somado à riqueza dos documentos dos Papas anteriores. São João Paulo II, por exemplo, foi quem instituiu o Encontro Mundial das Famílias, realizado a cada dois ou três anos já há 27 anos.
O testemunho, segundo padre Crispim, é a melhor e mais eficaz propaganda da vida partilhada, mas aqui entra o problema da falta de partilha. O sacerdote lembra que, muitas vezes, nem na mesma casa as pessoas compartilham as experiências cotidianas entre si. “Isso é desumano”, pontua.
O coordenador da Pastoral Familiar também cita a formação dos jovens para que se aproximem da própria Igreja, mas isso de modo que seja compreensível a eles. “O problema da linguagem é sério e para o qual devemos nos converter para dar os tesouros da fé na linguagem da nossa juventude”.
Padre Rafael Fornasier atenta sobre outro ponto: a formação dos futuros padres sobre a temática do matrimônio e da família na atualidade.
“A evangelização das famílias, incluindo a dos jovens, que deve passar por um caminho de proximidade, escuta, disponibilidade de tempo e acompanhamento das diversas situações familiares, é responsabilidade de todos, mas deve ser apoiada com clareza pelos bispos, padres e diáconos”.
O apoio do Papa
Esse acompanhamento dos jovens rumo ao matrimônio é um dos pedidos incessantes do Papa Francisco. A exortação apostólica Amoris laetitia, de sua autoria, tem como um dos eixos centrais justamente uma pedagogia do amor que oriente os jovens para o matrimônio.
Mas ao abordar o tema, o Papa não parte de uma realidade abstrata e inatingível, frisa padre Crispim. O Santo Padre fala de coisas concretas. “Francisco desce aos pormenores da vida cotidiana para elevá-los à altura das coisas de Deus. Precisamos aprender com essa linguagem do Santo Padre”.