Validade do sacramento

Matrimônio: celebrações paralelas podem ser práticas perigosas, diz padre

Padres com formação em Direito Canônico e Liturgia explicam porquê “segunda cerimônia” é proibida pela Igreja e pode colocar em dúvida a validade do sacramento

Julia Beck
Da Redação

Foto: Canva

Receber o Sacramento do Matrimônio na Igreja e depois realizar celebrações paralelas, com ritos alternativos, mesmo que “simbólicos”, pode parecer uma prática inofensiva, no entanto, “é perigosa, pois pode contradizer a própria natureza do sacramento”. Quem faz o alerta é o padre salesiano Paulo Manoel de Souza – mestre em Direito Canônico, professor na Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo e no Centro UNISAL, além de defensor do Vínculo nos Tribunais Arquidiocesanos de São Paulo, Aparecida e Sorocaba. Com o aumento da prática, o sacerdote destaca a importância dos fiéis conhecerem mais sobre o Direito da Igreja.

Para compreender melhor os perigos da prática, o sacerdote explica o porquê o sacramento é único e definitivo: “A Igreja sempre afirmou, desde os primeiros séculos, que o matrimônio entre batizados não é apenas um contrato humano, mas um sacramento instituído por Cristo, sinal eficaz da sua aliança com a Igreja (cf. Ef 5,32; CIC 1055 §1). Isso significa que, no momento em que os esposos trocam o consentimento — livre, pleno e diante da autoridade eclesial competente —, nasce algo absolutamente novo: uma união real e definitiva, marcada pela unidade e pela indissolubilidade (cân. 1056; Catecismo 1644)”.

Padre Paulo Manoel de Souza/ Foto: Arquivo Pessoal

Por essa razão, padre Paulo enfatiza que o matrimônio não pode ser “repetido”. O consentimento, uma vez válido, não admite réplica. “Diferentemente de alguns ritos sociais ou culturais que podem ser encenados várias vezes, o sacramento acontece uma única vez, e é definitivo. É como o batismo: ninguém pode ser batizado duas vezes, porque o sinal é indelével. O mesmo vale para o matrimônio”, sublinha.

Do ponto de vista canônico, a forma legítima está claramente estabelecida (cân. 1108). Segundo o sacerdote, a Igreja regula a liturgia com cuidado (cân. 838; 846 §1), justamente para preservar a clareza e evitar ambiguidades. O Código é explícito ao proibir uma “dupla celebração” religiosa do mesmo matrimônio (cân. 1127 §3).

Os riscos de cerimônias paralelas

Doutor em Liturgia, o padre redentorista Rodrigo Arnoso conta que há casais que, após celebrar o matrimônio na comunidade cristã, pede que seja dada uma outra bênção, por exemplo, no momento em que vão fazer uma festa ou um jantar.

“Nós sabemos que esta bênção já foi dada, este matrimônio já foi celebrado e a festa que vem depois dessa celebração deve ser extensão de tudo aquilo que aconteceu, em primeiro lugar, dentro da igreja, do espaço onde somos chamados a celebrar o matrimônio. Daqui decorre o cuidado da Igreja de evitar celebrações que aconteçam fora do ambiente religioso, fora da igreja. Como comunidade eclesial existe uma única celebração do sacramento do matrimônio, aquela que a Igreja nos propõe”, acrescenta.

Quando um casal, já casado na Igreja, organiza uma segunda cerimônia com troca de alianças, corre-se o risco de transmitir à comunidade a ideia de que o sacramento pode ser “repetido”, sublinha padre Paulo.

“Pastoralmente, isso gera confusão doutrinal: os fiéis podem pensar que o primeiro matrimônio não teria valor pleno, ou que o consentimento pode ser dado várias vezes, relativizando a indissolubilidade”, complementa o mestre em Direito Canônico. Além disso, padre Paulo lembra que o Catecismo é claro ao ensinar que a fidelidade dos esposos é reflexo da fidelidade de Cristo à Igreja (CICat 1647). “Simular um novo casamento equivale a obscurecer esse testemunho”.

Juridicamente, a situação é mais delicada. “O Direito Canônico proíbe expressamente uma segunda celebração religiosa do consentimento matrimonial (cân. 1127 §3), e considera ilícita qualquer tentativa de duplicar ou inventar ritos sacramentais (cân. 846 §1; 838). Em casos mais graves, pode até configurar simulação de sacramento, o que é considerado delito (cân. 1379 §1). Além disso, cerimônias paralelas comprometem a clareza nos registros paroquiais e podem colocar em dúvida a própria validade da primeira celebração, ainda que esta tenha sido plenamente válida”, alerta.

Troca de alianças

Padre Rodrigo Arnoso /Foto: Diocese de Jundiaí

Padre Rodrigo orienta sobre a troca de alianças – realizada na cerimônia do casamento e que, por vezes, é repetida em cerimônias paralelas. Primeiro, ele esclarece que esse é um dos símbolos mais característicos deste sacramento e que recorda a teologia do matrimônio que vem do antigo testamento e que assume uma fisionomia cristã no novo testamento.

No Antigo Testamento, o matrimônio é lido à luz da aliança de Deus com a sua criação, com toda a humanidade. Deus que celebra uma aliança que não se rompe, que é mantida mesmo diante das infidelidades do seu povo. No Novo Testamento, esta aliança é vista como o matrimônio entre Cristo e a sua esposa, que é a Igreja.

“Na celebração matrimonial, quando nós temos o gesto da bênção das alianças, e depois estas alianças são trocadas entre os noivos, ali nós estamos celebrando um amor que se faz doação, uma aliança entre duas pessoas que assumem a tarefa e a missão de constituírem uma família. E aquela aliança externa que colocam no dedo é um sinal para recordar o casal que a partir daquela celebração eles serão uma só carne”, disse.

Quando são criados outros gestos ou são relativizados gestos característicos deste sacramento, padre Rodrigo afirma que é esvaziado o sentido do matrimônio cristão, tirando o significado da união entre Cristo e a sua comunidade, entre Cristo e a Igreja.

Espaço para bênçãos e renovações de votos

O mestre em Direito Canônico esclarece que a Igreja não é contra momentos de memória, agradecimento e renovação espiritual. Muito pelo contrário. Existe uma tradição de bênçãos dos esposos, especialmente nos aniversários de casamento, em peregrinações, em encontros de famílias.

“Essas celebrações são sacramentais, não sacramentos. Ou seja, pedem a graça de Deus, recordam a aliança já feita, mas não criam uma nova realidade (cân. 1166-1172; Catecismo 1667-1673)”, ressalta.

Padre Paulo reforça que também é possível realizar a renovação das promessas matrimoniais, onde os esposos reafirmam, diante de Deus e da comunidade, a fidelidade e o amor. No entanto, sempre em linguagem comemorativa, sem repetir a fórmula do consentimento. O que se renova é a memória, não o sacramento.

“Quando se descobre que o primeiro consentimento foi inválido, aí sim há necessidade de um novo rito, mas não por ‘decoração’ ou costume, e sim por motivo jurídico e sacramental: é o que chamamos de convalidação. Pode ser pela convalidação simples, em que se renova validamente o consentimento (cân. 1156-1160), ou pela sanatio in radice, em que a autoridade eclesiástica supre os elementos faltantes desde a raiz (cân. 1161-1165)”, explica.

Padre Rodrigo observa que ao assumir uma vocação e um compromisso na Igreja, promessas são feitas. Por isso, de tempo em tempo, todos são convidados a renovar essas promessas.

“O presbítero é chamado a renovar anualmente as suas promessas sacerdotais. Nós, que somos batizados, somos parte do povo de Deus, renovamos também a nossa fé. Através da profissão de fé e até mesmo quando vamos assumir algumas tarefas, alguns encargos e missões na igreja. Por isso, com o matrimônio acontece o mesmo. A igreja prescreve um rito através do qual se recorda as promessas ou os votos matrimoniais que um casal fez no dia do seu matrimônio, para recordar que é sempre preciso voltar à experiência primeira para não se esquecer do primeiro amor”, explica o doutor em Liturgia.

Segundo o sacerdote salesiano, a Igreja é muito clara: há espaço para celebrar, dar graças, pedir bênçãos. O que não há espaço é para criar uma duplicação do sacramento. O matrimônio é celebrado uma única vez e permanece para toda a vida, refletindo a fidelidade eterna de Cristo à sua Igreja (cf. Familiaris Consortio 56; Amoris Laetitia 62).

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