No aniversário da Exortação “Ecclesia in Africa”, conheça o trabalho da Missão São Paulo VI em Guiné-Bissau, um dos países mais pobres do continente africano
Kelen Galvan
Da redação

As várias vertentes de atuação da Missão São Paulo VI em Guiné Bissau
Quando se pensa em trabalho missionário, um dos primeiros locais que geralmente vêm à mente é a África. O continente africano, com sua grande diversidade de povos e culturas é um amplo campo de missão.
Há 30 anos, o Papa João Paulo II publicou a Exortação Apostólica “Ecclesia in Africa”. Fruto de uma Assembleia Sinodal, o documento, publicado no dia 14 de setembro de 1995, trouxe um panorama geral sobre a situação da Igreja Católica no continente, os desafios sociais, culturais e religiosos e reforçou o compromisso da igreja quanto à evangelização e promoção do desenvolvimento humano integral.
“A África é um mundo. São muitos países. Quando a gente olha para a África, vê tanta coisa bonita, como o conceito de família, de simplicidade, de alegria, de relacionamentos, de espontaneidade, isso são os seus grandes valores. É verdade que é um continente também com muitos desafios, sobretudo no âmbito da alimentação, da paz, da segurança e pobreza. Muitos países vivem pobreza extrema e isso é também um elemento que dificulta a evangelização, porque a Igreja na África precisa de ajuda constante de outros países”, enfatiza o bispo responsável pela Missão São Paulo VI, em Guiné-Bissau, Dom Mário Spaki.

Diácono Pedro Avelino Lang e sua esposa Salete Teresinha Lang / Foto: Arquivo Pessoal
A Missão São Paulo VI é uma iniciativa do Regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, presente na cidade de Quebo, em Guiné-Bissau, África, desde 2014. Atualmente, conta com dois missionários, o Diácono Pedro Avelino Lang e sua esposa Salete Teresinha Lang. O casal proveniente da Diocese de Ponta Grossa (PR), foi pioneiro na missão entre os anos de 2015 e 2018, e desde maio de 2024 retornou para assumir a coordenação da missão.
Guiné-Bissau
O Diácono Pedro explica que Guiné-Bissau é um país de maioria muçulmana, 90% da população, e há um pequeno número de cristãos, divididos entre católicos e evangélicos. Ele conta que a religião católica é uma novidade, “os missionários chegaram há cerca de 60, 70 anos para, de fato, permanecer neste país”. Ele destaca que um desafio da região é o grande êxodo de jovens que migram do interior para a capital, em busca de melhores oportunidades.

Missão São Paulo VI no atendimento às Comunidades de Quebo, em Guiné-Bissau / Foto: Regional Sul 2 da CNBB
“A frequência nas celebrações, na catequese, sempre são na maioria crianças, adolescentes e jovens, e alguns poucos adultos. E na região onde nós estamos, no sul de Guiné-Bissau, quando os jovens catequistas, líderes da comunidade, terminam o ensino fundamental, o ensino básico, médio, eles vão para a capital. Então, quando você pensa que tem uma equipe estável para liderar, dali a pouco, sempre sobram poucos”, explica Pedro Lang.
Salete conta que o país é um dos mais pobres do mundo. “O povo guineense habitualmente se alimenta uma vez por dia. A alimentação básica deles é o arroz, uma vez por dia, alguns conseguem até duas vezes. Não existe saúde pública, então quem precisa de atendimento médico tem que dispor de dinheiro. Não existe escola pública, quem quer estudar e tem uma pequena possibilidade precisa pagar. Não tem saneamento básico não tem energia elétrica. A energia elétrica que existe ou é por painéis solares ou por geradores, mas isso tem um custo alto, então é para poucos. É uma realidade bastante dura, bastante difícil”, conta.
Além desses desafios, o país sofre muito com a seca. “Durante oito meses no ano não chove, as chuvas acontecem durante quatro meses, de julho a outubro, e nesse período as chuvas são muito intensas. No período da seca o calor é intenso, sempre passa de 40 graus, então a dificuldade com a água é muito grande também. Eles precisam caminhar quilômetros para buscar água com balde. Não é uma vida fácil”, conta Salete.

Dom Mário Spaki visitou Guiné Bissau em julho deste ano / Foto: Regional Sul2 da CNBB
Atuação missionária
Diante desta realidade do país, a missão São Paulo VI atua em três âmbitos: evangelização, educação e saúde. Dom Mário, atual bispo da Diocese de Paranavaí e referencial para a dimensão missionária da CNBB no Paraná, destaca a riqueza desta missão em Guiné-Bissau.
“No âmbito da evangelização, há o trabalho que é feito com o atendimento das comunidades; no âmbito da educação, a Escola São Paulo VI já tem mais de 300 alunos e a cada ano temos acrescido uma nova série. Temos cinco séries no momento, num total de 12, então serão 600 alunos no total. E no âmbito da saúde, nós estamos fazendo um atendimento para com crianças desnutridas”, afirma o bispo.
Dom Mário destaca que em julho deste ano esteve no país para inaugurar o Centro de Recuperação Nutricional (CRN), um pequeno hospital, uma espécie de posto de saúde mais amplo. O local vai acolher as crianças desnutridas, que são detectadas num raio de 61 comunidades, e ali nesse centro, receberão alimento e nutrição.
Salete conta que o trabalho da missão é árduo. “Trabalhamos a evangelização, mas hoje temos a escola São Paulo VI, que já está entrando no sexto ano. Então é um trabalho árduo, a coordenação, a direção da escola, como também esse novo projeto que iniciamos há dois meses, que é o Centro de Recuperação Nutricional (CRN). É um buscar nas tabancas (aldeias), nas comunidades distantes, crianças desnutridas e também mulheres distantes”, conta Salete.
Trabalho encantador e desafiador
Dom Mário afirma que o trabalho desenvolvido pela Missão São Paulo VI em Guiné-Bissau é muito bonito e encantador, porém o maior desafio é conseguir missionários leigos disponíveis. “A nossa missão acontece com missionários leigos. Os missionários vão para lá muito encantados com a África, mas no contato com a realidade desafiadora tantos não conseguem permanecer por muito tempo”.
Salete conta que o retorno à Guiné-Bissau não estava nos planos de sua família. “Pensávamos que nossa missão já estava cumprida”, referindo-se aos primeiros quatro anos em que moraram no país. “Mas a Igreja novamente solicitou a nossa ajuda, por mais um tempo, e a gente se colocou novamente à disposição para estar aqui”.

Um dos âmbitos da missão é a educação; Escola São Paulo VI atende cerca de 300 crianças / Foto: Regional Sul2 da CNBB
Ela conta que retornar para a missão não foi fácil, porque muitas realidades que eles deixaram quando partiram não existia mais. “Você deixa pessoas, você deixa uma estrutura, você deixa uma comunidade, que na época estava organizada, e no retorno agora, você não encontra mais da mesma forma. Muitas pessoas se deslocaram para outra região ou faleceram. A expectativa de vida deles aqui é muito baixa, não ultrapassa os 43 anos de idade. Então muitas pessoas você já não encontra mais. Claro, aparecem outros, os que eram adolescentes e agora são jovens. Então retornar sempre é ‘um novo’”, lembra Salete.
Porém, retornar também trouxe “grande alegria”, recorda o Diácono Pedro. “Diariamente você encontra com as pessoas que vêm manifestar esta alegria do nosso retorno, para estarmos novamente junto com eles. E isto sim nos dá força, nos dá coragem, nos dá alegria para continuarmos aqui”, afirma.

A missão também atua na área da saúde e ajuda com alimentação / Foto: Regional Sul2 da CNBB
Ajudar quem precisa
Salete conta que nesses anos de presença em Guiné-Bissau eles viveram muitas experiências marcantes. Em particular, a área da saúde a encanta muito pela possibilidade de ajudar as pessoas que sofrem. Ela relata que neste período de chuva há um aumento nos casos de “paludismo”, uma doença que se intensifica nesta época devido à proliferação do mosquito. É uma espécie de malária.
“As pessoas adoecem e como não tem dinheiro não conseguem atendimento médico, muitos acabaram perecendo. Então você poder ajudar, comprando medicamento, ajudando no hospital esses doentes, e com alimentação, isso para nós é uma alegria muito grande. É uma satisfação você poder ajudar as pessoas. Esse é o nosso intuito aqui, ajudar aqueles que mais precisam, que não tem onde buscar uma ajuda. Então essa é a missão, pela qual fomos enviados pela Igreja no Paraná. Somos gratos por isso”, afirmou.
A Missão São Paulo VI é mantida pela Igreja Católica no Paraná. Dom Mário enfatiza que a missão tem gerado muitos frutos e muitas alegrias. E destaca que os fiéis paranaenses, quando convidados a ajudar a missão, têm sido extremamente generosos.