Iniciativas visam garantir o direito à igualdade de oportunidades no âmbito eclesial
Da redação, com CNBB
Os dados no Brasil sobre o número de pessoas que possuem algum tipo de deficiência (física, visual, auditiva, intelectual, psicossocial e múltipla) não estão muito atualizados. O último levantamento foi realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esta pesquisa identificou um contingente de 45,6 milhões de pessoas, 23,9% de brasileiros com algum tipo de deficiência. Desse total, 9,8 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva, o que representa 5,2% da população, 2,6 milhões são surdos e 7,2 milhões apresentam grande dificuldade para ouvir. Segundo o mesmo levantamento, das mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual, 528.624 pessoas são incapazes de enxergar, 6.056.654 pessoas possuem baixa visão ou visão subnormal (grande e permanente dificuldade de enxergar).
Segundo a Câmara Paulista para a Inclusão de Pessoas com deficiência, o termo “deficiência” é empregado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. As deficiências podem ser congênitas (nascem com a pessoa) ou adquiridas. O artigo 4º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2005) afirma que “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.
É pensando nesta realidade e em garantir o direito à igualdade de oportunidades no âmbito eclesial que muitas iniciativas de acessibilidade de pessoas com deficiência estão surgindo na Igreja no Brasil. Embora, segundo o padre Wagner Douglas, membro da Pastoral do Surdo da arquidiocese de Belo Horizonte (MG), a atuação da Igreja Católica na inclusão ainda seja tímida. Ele cita, como exemplo, a falta da janelas de intérprete para promover a acessibilidade nos grandes meios de comunicação católicos. Conheça, abaixo, experiências que estão ampliando a inclusão de pessoas com deficiência na vida da Igreja.
Curato Nossa Senhora do Silêncio na arquidiocese de Belo Horizonte (MG)
Na arquidiocese de Belo Horizonte (MG) foi criado, em 2018, o Curato Nossa Senhora do Silêncio, padroeira da Pastoral dos Surdos, cuja festa celebra-se em setembro. O padre Wagner Douglas é membro da Pastoral do Surdo da arquidiocese de Belo Horizonte (MG) há mais de 10 anos, desde o seu período de formação como seminarista. Em sua formação, ele aprendeu e aprimorou a língua de sinais – libras – na sala de aula até se tornar fluente na comunicação por sinais.
Desde abril de 2018, ele também está à frente da Pastoral do Surdo e coordena o Curato Nossa Senhora do Silêncio. Segundo o religioso, o curato funciona como se fosse a paróquia da comunidade de surdos. “A comunidade realiza celebrações todos os sábados e diversas atividades de atendimento, acolhida e promoção da inclusão e acessibilidade e também oferece um curso de formação em libras”, disse. Além disto, realiza encontros, batizados e casamentos com enfoque na língua de sinais, na cultura e no comportamento da pessoa surda. “Os surdos têm uma demanda muito grande de conversar e têm uma participação muito ativa na vida da comunidade e na celebração”, disse padre Wagner que compreende esta experiência como parte do seu cotidiano e do seu ministério de sacerdote.
Como desafio, ele aponta ainda a necessidade do reconhecimento da língua de sinais. “Ela ainda é uma língua desconhecida e pouco valorizada. Junto com a língua, é necessário que a Igreja conheça mais a cultura dos surdos”, disse. “A atuação da Igreja Católica na inclusão ainda é muito tímida em relação à inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência. Ainda não promovemos a acessibilidade nos grandes meios de comunicação, não temos a janela de intérprete, por exemplo”.
Projeto “Ide Além Muros” amplia acessibilidade nas paróquias no Ceará
Fruto de uma parceria entre a Pastoral da Comunicação (Pascom) e a Pastoral dos Surdos no Ceará, surgiu em 31 de julho de 2019, o projeto “Ide Além Muros”, uma proposta de acessibilidade para a evangelização católica. A ação nasceu a partir de uma insatisfação de um grupo de lideranças da Pastoral dos Surdos do Ceará. “Como só comunicamos algo tão valoroso e rico como a Palavra de Deus para uma parcela da população?”, perguntavam-se à época. Segundo a intérprete de Libras da Pastoral dos Surdos do Ceará, Cristiane Barbosa de Sousa Campos, ao lançar o projeto, a coordenação tinha uma intenção clara: “gerar o desconforto sobre o que precisávamos aprender e mudar para sermos de fato, comunicadores, um pouco mais completos e amplos”, disse.
Hoje o projeto busca fomentar em todas as paróquias do Estado a prática da acessibilidade em sua forma de acolher, comunicar e evangelizar. As paróquias que aderem e desenvolvem as ações – formações e práticas inclusivas – recebem um selo de acessibilidade do IDE. Um exemplo, foi a novena de Natal de 2019 na paróquia Nossa Senhora Aparecida no bairro Montese, em Fortaleza (CE). O roteiro, conteúdo e o local de gravação foram planejados sob a orientação da surda Clerivânia Sales, à época coordenadora paroquial da Pastoral dos Surdos. “A partir da troca entre essas duas pastorais percebemos o ganho de confiança do surdo na vivência da sua fé e na possibilidade de ele ser um fiel ativo dentro da sua paróquia, comunidade e grupo. Hoje eu não consigo mais imaginar a Pascom sem a Pastoral dos Surdos. Cada vez mais eu vejo estas pastorais como irmãs que precisam caminhar juntas para que a evangelização católica seja mais abrangente e ampla”, disse.
No aniversário de 1 ano do projeto, foram organizadas duas semanas de formações para os surdos e para os intérpretes. Cristiane conta que todas as formações abertas aos públicos tiveram acessibilidade. Com uma proposta de vigência de quatro anos, o projeto IDE está buscando uma caminhada fraterna de diálogo, partilha e aprendizado entre as paróquias e as Pastorais da Comunicação e do Surdo a fim destas produzirem frutos juntas. “O principal objetivo é fazer com que a comunicação da Pascom seja pautada na premissa de que os irmãos cegos e surdos precisam compreendê-la. O projeto respeita a caminhada de cada paróquia incentivando apenas em sua construção comunicativa a importância de ser acessível ao cego e surdo”, disse.
A ação é coordenada por sete pessoas, representantes da Pastoral do Surdo Nordeste 1 Ceará, da Pascom Regional CNBB Ne 1, intérpretes de Libras e da Pastoral do Surdo, da região episcopal Nossa Senhora da Assunção, um acadêmico de Teologia, coordenação paroquial de Liturgia na paróquia Santo Antônio de Pádua da Granja Portugal e um seminarista da arquidiocese de Fortaleza.
Vídeos com acessibilidade da catequese batismal na arquidiocese de Porto Alegre (RS)
A catequese batismal da Arquidiocese de Porto Alegre prepara-se para ser ainda mais inclusiva. A partir de agora, a formação de pais e padrinhos para o sacramento do Batismo contará, pela primeira vez, com vídeos que possuem recursos completos de acessibilidade: audiodescrição para as pessoas com deficiência visual, e Língua Brasileira de Sinais (Libras) e legenda especial para as pessoas com deficiência auditiva. “Estes são recursos pedagógicos indispensáveis para uma catequese batismal inclusiva”, destaca Dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar da arquidiocese de Porto Alegre e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCRS.
Os vídeos farão parte do material que acompanhará os catequistas nas visitas de preparação aos pais e padrinhos nas casas ou mesmo nos encontros personalizados nas paróquias. Além deles, o subsídio de Orientações para o Batismo e o “Cartãozinho” da Família também foram revisados e atualizados.
O primeiro audiovisual destaca o querigma (primeiro anúncio da fé), onde se acentua o amor de Deus pela humanidade; e o segundo, explica o que é o batismo e seu significado para a vida pessoal, comunitária e social. No vídeo sobre o sacramento, Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano, saúda pais e padrinhos e apresenta a dimensão da Igreja local. Dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar e referencial para a IVC, acentua a fundamentação, simbologia e importância do batismo na vida família e da comunidade.
“Diante dos novos desafios, a comunidade eclesial missionária precisa ser protagonista no uso adequado das novas tecnologias para anunciar o querigma aos pais e padrinhos e garantir a acessibilidade às pessoas com deficiência. Assim, se garante a acolhida, o anúncio e sentido de pertencimento”, conclui a Irmã Maria Aparecida. Ao todo, o projeto contempla dois audiovisuais (querigma e sacramento do Batismo) com quatro versões para cada um (legenda, legenda especial para pessoas com deficiência, audiodescrição e Libras), que podem ser acessados neste link aqui: //www.youtube.com.