Conferência de três dias da Pontifícia Universidade Gregoriana, destinada a historiadores e teólogos, lança uma nova luz sobre documentos dos Arquivos Vaticano
Da redação, com Vatican News
Foi aberta na tarde desta segunda-feira, 9, na Pontifícia Universidade Gregoriana, a conferência internacional sobre o tema “Os novos documentos do Pontificado de Pio XII e seu significado para as relações judaico-cristãs: um diálogo entre historiadores e teólogos”. O evento, que será encerrado nesta quarta-feira, 11, levou dois anos de preparação, de acordo com o bispo auxiliar de Reims e ex-diretor do Centro Cardeal Bea de Estudos Judaicos da Pontifícia Universidade Gregoriana, Dom Étienne Vető.
Na introdução dos trabalhos, o bispo convidou todos os presentes na sala magna, após as intervenções introdutórias, a fazer um minuto de silêncio pelas centenas de vítimas em Israel e na Palestina. Mesmo a conferência tendo como foco lançar uma nova luz sobre os eventos histórico-teológicos ligados à figura de Pio XII e ao Vaticano durante o período do Holocausto, os presentes se preocuparam em manifestar o apoio ao Oriente Médio pelo que está acontecendo após o ataque dos terroristas do Hamas contra Israel.
Uma escalada de violência impediu que os historiadores do Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Holocausto, Yad Vashem, em Jerusalém – como a diretora Iael Nidam-Orvieto, que colaboraram na preparação da conferência -, participassem dos trabalhos.
Verdade histórica
A primeira sessão foi introduzida pelo discurso do secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin. O purpurado enfatizou que, após a decisão do Papa Francisco, em março de 2019, de tornar acessíveis os documentos do Arquivo Secreto Vaticano relativos ao Pontificado de Pio XII e a publicação de vários estudos, “é de fundamental importância continuar a estabelecer uma verdade histórica” por meio da pesquisa histórico-crítica. Manter a precisão histórica, de acordo com Parolin, significa defender a verdade acima de todas as partes envolvidas.
Mas, infelizmente, ressaltou, “ainda há casos de desonestidade científica, que se tornam manipulação histórica, em que os documentos são ocultados de modo negligente ou deliberadamente”. Como aconteceu com a resposta de 1916 do então secretário de estado, Cardeal Gasparri, ao Comitê Judaico Americano e, em 1919, aos judeus ashkenazi de Jerusalém. Documentos só recentemente redescobertos que dizem como os católicos devem ver os judeus: “Os judeus são nossos irmãos — citou o Cardeal Parolin —, e o povo judeu deve ser considerado um povo irmão de qualquer outro povo do mundo”.
O futuro Papa, então Dom Eugenio Pacelli, que era secretário da Congregação para Assuntos Eclesiásticos Extraordinários na época, “contribuiu pessoalmente para a elaboração desses documentos, que mostram – explicou o Cardeal Parolin – uma imagem de Pacelli muito diferente da que é geralmente conhecida”. Os judeus, incluindo vários rabinos, estavam convencidos de que a atitude do Papa Pio XII em relação a eles era amigável, “e é por isso que recorreram a ele durante a Segunda Guerra Mundial em busca de ajuda”. E o presidente israelense, Isaac Herzog, relembrou esse episódio em uma entrevista ao L’Osservatore Romano, “falando das relações cordiais com Pio XII e seus colaboradores durante a Segunda Guerra Mundial.
Santa Sé com o povo judeu já no início do século XX
O secretário de Estado explicou que quis relembrar esses documentos de 1916 e 1919 e a amizade de Pacelli com o povo judeu no mundo inteiro, “para enfatizar que a Santa Sé já havia tomado uma posição a favor do povo judeu na época da Primeira Guerra Mundial. E na Segunda Guerra Mundial, o Papa convidou um número considerável de católicos de institutos religiosos para defender os judeus por todos os meios, até mesmo participando da resistência contra o fascismo e o nazismo”. Descobertas recentes no Vaticano, mas também em outros arquivos, “tornaram mais fácil para todos entender quantos registros históricos foram manipulados no período após a Segunda Guerra Mundial”.
Graças à abertura dos arquivos, continuou o purpurado, “ficou claro que o Papa seguiu tanto o caminho da diplomacia quanto o da resistência não declarada. Essa decisão não foi apática e sem ação”, mas implicou grandes riscos para todos os envolvidos e participantes. Os historiadores têm anos de trabalho pela frente, concluiu o secretário de Estado, esperando que “eles continuem a lançar luz sobre um dos períodos mais controversos e delicados do Pontificado de Pio XII”.
Em seguida, o rabino-chefe da Comunidade Judaica de Roma, Riccardo Di Segni, tomou a palavra e pediu que todos fizessem “uma distinção entre emoção e história, porque é necessário um distanciamento adequado para examinar os fatos. Há uma dimensão religiosa diferente da dimensão política, entre os grandes eventos da história e as inúmeras micro-histórias. O próprio desenrolar dos acontecimentos é diferente do plano moral”. Ele argumentou que, durante o Pontificado de Pio XII, “o sofrimento do povo judeu era teologicamente justificado. Mas a explicação da dinâmica é uma coisa, o julgamento moral é outra”. O diálogo judaico-cristão, concluiu Di Segni, nasceu de uma revisão, graças ao Concílio Vaticano II, “de posições que criaram grande sofrimento na história”.
Coco: não falou de “extermínio”, mas de “massacres por ódio à raça”
Após os discursos introdutórios, a primeira sessão tratou das motivações e decisões de Pio XII diante do fascismo, do nazismo e do comunismo, em uma tentativa de equilibrar suas funções como chefe da Igreja e da Santa Sé. Falando sobre “Palavras, silêncios e mal-entendidos nos documentos de Pio XII”, o arquivista do Arquivo Apostólico Vaticano, Giovanni Coco, lembrou que, em novembro de 1945, o Papa Pacelli teve sua primeira audiência com um grupo de judeus. Eles eram sobreviventes de campos de concentração que vieram expressar sua profunda gratidão pela ajuda que haviam recebido da Igreja católica. Em seu discurso, lembrou o acadêmico, o Papa foi compreensivo, mencionou as “paixões racistas” que haviam “engolido inúmeras vítimas inocentes” por causa de sua “raça”, mas evitou cuidadosamente fazer qualquer referência explícita à palavra “extermínio”.
Esse silêncio persistente sobre a Shoah, continuou Coco, é uma questão de longa controvérsia histórica, que dura meio século. O debate sobre a atitude do Papa envolveu historiadores, filósofos e teólogos, embora anteriormente os documentos completos do Vaticano não estivessem diretamente disponíveis, com exceção da seleção publicada nos Actes et Documents du Saint-Siège relatifs à la Seconde Guerre Mondiale. “A recente abertura do Arquivo Vaticano para o Pontificado de Pio XII finalmente permitiu o acesso a todos os documentos. E agora os documentos poderão revelar – explicou o arquivista – como conceitos como antissemitismo, extermínio e silêncio foram formados nas mentes do Papa Pacelli e da Igreja da época”. Para Coco, isso certamente foi influenciado pela excessiva prudência do minutador da Secretaria de Estado, monsenhor Angelo Dell’Acqua, a quem foi confiado o dossiê sobre os judeus, para quem as notícias do Holocausto eram “exagero judaico”. Não é verdade, concluiu ele, que a Shoah tenha passado sem incidir o magistério católico. Pois Pio XII falou de “massacres por ódio racial” e dos “horrores dos campos de concentração”, mas não de “extermínio”, em 1953, em um discurso aos juristas. Até o fim, Pacelli foi “movido por uma inquietação saudável por uma ferida ainda não cicatrizada”.