No dia em que a Igreja celebra São João Paulo II – santo ligado às artes – padre e artistas católicas frisam estreita relação entre a evangelização, o belo e arte
Julia Beck
Da Redação

Papa João Paulo II durante apresentação do Cirque du Soleil, em 2004, na Sala Paulo VI, no Vaticano /Foto: Reuters
No mês de outubro, a Igreja Católica celebra três santos ligados às artes: Santa Teresa D’Ávila (no dia 15), São Lucas Evangelista (no dia 18) e, nesta quarta-feira, 22, São João Paulo II. Segundo a tradição, São Lucas era também pintor, já Santa Teresa tem como característica suas obras literárias e poéticas, enquanto São João Paulo II, antes de tornar-se presbítero, foi ator e dramaturgo. Este último, mesmo após o caminho eclesial, nunca escondeu seu amor pela arte, sendo seu documento papal “Carta aos Artistas” (de 1999), um dos mais conhecidos e difundidos pelos artistas católicos.

Padre Rômulo dos Anjos Silva /Foto: Arquivo Pessoal
O missionário da Comunidade Católica Shalom, padre Rômulo dos Anjos Silva, destaca que a vida destes três santos celebrados em outubro revela que espiritualidade e beleza tem uma relação muito íntima e profunda, pois é uma espiritualidade baseada na experiência. “A própria teologia nasce do estupor, ou seja, da experiência com o esplendor da verdade, com o esplendor da beleza, com o esplendor da bondade, (…) sendo uma experiência com Aquele que é O belo, que encanta, que atrai”, frisa.
A beleza tem a capacidade de não se impor, de não ser teórica, de não ser algo abstrato, assim como é a experiência da fé cristã, que é encarnada, viva e capaz de atrair o coração e transformá-lo, explica o sacerdote. Ele cita uma frase de São João Paulo II, que diz: “Tu te tornas aquilo que contemplas”, para afirmar que a espiritualidade tem a capacidade de transformar.
Segundo padre Rômulo, a evangelização, pela via da beleza, encontra um lugar muito particular, já que o homem está saturado de palavras e discursos – como observou o Papa Bento XVI em discursos, especialmente no contexto da Nova Evangelização. “Papa Paulo VI disse: o mundo está cansado e de ouvir os mestres, eles precisam contemplar testemunhas”, acrescenta o sacerdote.
Ainda é possível evangelizar pelo belo?
O mundo atual é marcado pela rapidez e pelo imediatismo, entretanto, mesmo com as mudanças – sejam elas de tendências, modas ou desafios – o presbítero da Comunidade Shalom afirma que o coração do homem “é sempre o mesmo”. Citando Santo Agostinho, padre Rômulo explica que no coração de todos há um vazio que espera ser preenchido. Um vazio que, de acordo com ele, só pode ser completamente preenchido por Deus.
“A arte tem essa capacidade (…). Por isso que a comunicação da fé deve ser cheia da beleza que atrai, porque nós estamos falando de uma boa notícia, de uma bela notícia. O Evangelho é uma boa notícia”, reflete. O sacerdote recorda que o Papa Francisco, em seu pontificado, enfatizou a importância do querigma, do primeiro anúncio, para que a Igreja alcance o coração do homem.
Então, “quando nós apresentamos ao homem essa experiência de Deus, ele se rende a Deus, se rende à Verdade”, pois ela “o transforma”, prossegue o presbítero. “A arte tem essa capacidade de tocar a sensibilidade mais profunda, porque toca as aspirações mais íntimas e profundas do coração do homem não por aquilo que é imediato, mas por aquilo que é duradouro, que é eterno”.
Padre Rômulo reforça que beleza e arte ocupam um lugar especial na experiência cristã porque são capazes de criar um espaço de encontro, de tocar de uma maneira universal o homem, tocar aquelas dimensões mais profundas a ponto de ele querer fazer uma experiência profunda de fé.
Experiência com Deus que “transborda”

Luiza Sperandeo Bergamo/Foto: Arquivo Pessoal
A advogada, cantora e consagrada de aliança da Comunidade Shalom, Luiza Sperandeo Bergamo, acredita que a arte tem um papel essencial na evangelização desde sempre. Devota de São João Paulo II, a quem considera fundamental para sua compreensão da arte e de sua missão de comunicar a beleza de Deus, Luiza conta que sua família é composta por muitos músicos, mas foi a experiência dos pais com músicas católicas que contribuiu para que sua experiência na Igreja fosse marcada pela arte.
“A música, em especial o canto, me conduz a um caminho de verdade, autenticidade no meu relacionamento com Deus. É por meio dela que eu consigo expressar o que há no mais íntimo de mim. E, hoje, a minha forma de evangelizar através da arte é cantando”, sublinha. “O Espírito sempre suscita novos dons, novas formas de expressão e, cada uma ao seu modo, é capaz de alargar ainda mais a missão da Igreja de evangelização. Eu acredito, muitos encontram na arte um caminho para Deus, basta ver a projeção de alguns artistas na evangelização hoje”.
Toda vez que alguém, após uma missa ou oração, diz que rezou melhor ou teve uma experiência com uma música que Luiza cantou, ela afirma que renova o seu desejo de estar mais próxima de Deus, para que Ele possa realizar ainda mais. “É uma oportunidade sempre nova de reconhecer que Ele é um autor e me ama a ponto de me fazer participar da Sua obra”, complementa.
A consagrada da Comunidade Shalom sintetiza que a verdadeira arte é um “transbordar da experiência particular com Deus”. “Nós (artistas) expressamos a beleza que nos alcançou e, por isso, existe uma missão muito importante de evangelizar revelando-a ao mundo. A arte tem um papel único na evangelização, justamente por dar acesso à realidade mais profunda do homem, abrir os caminhos para o conduzir à Verdade. Mas os nossos dons somente frutificarão nesse sentido se nós tivermos um real compromisso com uma vida de oração autêntica. É esse o caminho para resgatar o sentido de beleza”, frisa.
Resgate da arte

Nicole Galdino /Foto: Arquivo Pessoal
A líder das artes da Comunidade Colo de Deus, Nicole Galdino, afirma que a Igreja Católica é a igreja mais rica em artes. Porém, com o passar do tempo, ela acredita que foi deixando-se de dar a devida importância a essa “riqueza”. Para ela, é preciso um resgate profundo dessa conexão com a arte, tendo em vista que ela é um grande instrumento para a evangelização.
Com o desejo de ser bailarina, Nicole conta que iniciou as aulas de balé ainda na infância. “Hoje eu uso a dança como meu principal ministério de serviço na Igreja. Eu evangelizo através de coreografias, animações dentro da Igreja e da comunidade que pertenço (…). Já ouvi inúmeros testemunhos de pessoas que já foram alcançadas, que já receberam cura e libertação através de uma dança, através de um teatro, através de uma música (…). A Igreja é muito rica em arte, a gente precisa explorar diversas dessas formas, não somente uma ou outra, mas todas que existem para que muitos se encontrem com Deus”, sublinha.
Para a bailarina católica, o papel da arte é justamente atrair para a beleza e para a bondade que vem de Deus, porque “Deus é o verdadeiro artista”. “Nós, que somos cristãos, acreditamos que a beleza verdadeira é a beleza que vem de Deus. Nós fomos criados para amar e conhecer a Deus, para adorar a Deus e quando a gente contempla a bondade de Dele, quando a gente contempla a criação, a gente acessa essa beleza”.
Nicole acredita que o mundo perdeu a visão da verdadeira beleza e o papel da evangelização é resgatá-lo, trazer luz para o que está obscuro.