Idosa e jovem contam sobre práticas de caridade que vivem no cotidiano e incentivam virtude como hábito; “Devemos viver a caridade todos os dias”
Julia Beck
Da redação
“Difundir e incentivar a prática da solidariedade e do bom entendimento entre os homens”. Esta frase é do artigo primeiro da lei federal 5.063 e diz sobre o propósito do Dia da Caridade, instituído no Brasil em 1966 pelo presidente da época, Humberto de Alencar Castelo Branco, e celebrado nesta sexta-feira, 19. A caridade é definida como uma virtude teologal ou um ato pelo qual se beneficia o próximo ou alguém em situação de inferioridade (física, moral, social etc.). O atributo tem como sinônimo a compaixão, a benevolência e a piedade.
Apesar do incentivo a caridade ter sido sancionado há 56 anos, a virtude continua atual e é parte do cotidiano de muitos brasileiros. “Visitas a hospitais, casas de misericórdias, asilos, orfanatos, creches e presídios, e a todos os demais lugares onde a pobreza e a dor mais se façam sentir”, é uma das recomendações da lei — que ainda é pouco conhecida —, e que são praticadas não somente neste dia, mas durante todo o ano por muitos.
Elza Souza Couto, fisioterapeuta aposentada de 72 anos, revela que realiza práticas de caridade há 40 anos na cidade de Lorena, interior de São Paulo. A aposentada conta com o apoio de sua amiga Cristina Ferrari. Juntas, as amigas cobrem moradores de rua, tomam conta de um bazar cuja a renda é usada para ajudar famílias que passam necessidade e o projeto “Natal Solidário” (ação que entrega brinquedos a crianças carentes que moram nas periferias da cidade onde vivem) realizado há 28 anos . “Vamos na periferia, mas bem na periferia mesmo, em bairros distantes onde as crianças não têm a oportunidade de ir até o centro da cidade para participar de festas natalinas. Nós levamos a festa até eles”, explicou Elza.
Um morador de rua foi quem despertou em Elza o desejo de iniciar as obras de caridade:“Há 40 anos, meu filho saiu da academia, estava de short e chinelo em uma noite muito fria, e foi para a rodoviária pegar um ônibus e ir para a casa. Quando ele chegou na rodoviária, um morador de rua que estava deitado disse a ele: ‘O meu irmão, deita aqui ao meu lado que eu reparto a coberta com você. Está muito frio, você não está agasalhado, eu divido a minha coberta com você’. Meu filho disse que não precisava e foi para a casa. Quando chegou, me contou e eu fiquei comovida com aquilo porque pensei: ‘Poxa vida, uma pessoa que está lá, em uma situação dessa, de repente oferece um pedaço do seu cobertor para agasalhar outro e as vezes temos tanta coisa em casa e não oferecemos para o irmão que está precisando’. Então comecei a cobrir os moradores de rua”.
“Nunca o encontrei, não sei quem é, mas ele ficou marcado na minha história. (…) Ele foi tão humano. Ele que estava na rua, naquela situação foi tão humano de oferecer um pedaço do seu cobertor para o meu menino. Aquilo chamou muito minha atenção”, revela a aposentada que acrescentou outra motivação a sua prática constante da caridade: “Me dói muito uma pessoa chegar a morrer de frio”.
Elza revela que viver a caridade lhe rende muitos ensinamentos, mas também muitas críticas: “Muitas vezes eu sou criticada, as pessoas falam que vou cobrir pessoas que não trabalham, que se drogam, mas eu sempre penso assim: eu sou tão pecadora quanto qualquer pessoa. Eu não estou aqui para julgar. Eu vou lá, cubro os moradores de rua com cobertor para que não morram de frio, procuro ajudá-los, agora, julgá-los isso é só Deus”.
Nos últimos anos a aposentada comemora o surgimento de novos grupos que realizam trabalhos semelhantes ao dela. “Já tem grupos de jovens que realizam trabalhos com os moradores de rua, grupos da Igreja que fazem sopas e distribuem. Eu, com a minha idade, já estou passando para os jovens, mas permaneço firme ao propósito. Podendo socorrer, faço com o maior prazer”, contou. Elza incentiva os que não realizam práticas de caridade a terem a experiência de vivê-las:
“A gente pensa que dá alguma coisa, que está levando um cobertor e fazendo caridade, mas é o contrário, nós que recebemos. Ouvimos histórias, porque muitos querem conversar e contar suas histórias, enfim, aprendemos vendo o quanto somos egoístas. As vezes somos indiferentes a essas pessoas. (…) Nós somos todos irmãos. Se cada ser humano pensar no próximo e tentar ajudar um pouco… Ajudar não quer dizer dar muito, não é dinheiro ou coisas materiais, as vezes é uma palavra, conselho, atenção. Precisamos ser um pelo outro, se todo mundo se preocupasse em ser um pelo outro eu acho que o mundo não teria tantos problemas como tem hoje. Devemos viver a caridade todos os dias, procure sempre fazer alguma coisa para ajudar o próximo. Tem tanta coisa que podemos fazer”, aconselhou a aposentada.
Leia também
.: Nos pobres se esconde o rosto de Cristo, diz Papa à Caritas Internacional
.: “A caridade se faz com doçura, não com acidez”, diz Papa na Catequese
A estudante de jornalismo de 21 anos, Bruna de Castro Maia é uma jovem que sentiu o desejo de viver, assim como Elza, a caridade na prática. A estudante conta que aprendeu com a avó o valor desta virtude. “Minha avó começou a recolher roupas usadas da família e da vizinhança para entregar as pessoas que não tinham condições de comprar roupas”, recordou. Bruna afirma que depois de mudar de sua cidade natal Piranguinho (MG), para o interior de São Paulo, se viu distante das práticas de caridade, mas o desejo de dar continuidade a elas permaneceu vivo.
“Sempre quis fazer parte de uma ONG. Em 2019 eu consegui entrar na entidade Idoso Amigo da USP que realiza trabalhos voluntários nos asilos. Basicamente fazemos visitas aos idosos, atividades para trabalhar a coordenação motora, rodas de conversa, música, teatro e etc. As visitas são todos os domingos”, conta a jovem. Bruna revela que viver a caridade é uma forma de gratidão por tudo que tem. Sobre o trabalho que realiza, a estudante conta que a faz lembrar de sua avó: “Fui criada pela minha avó e dessa forma me sinto mais perto dela”.
Bruna continuou: “Uma das melhores experiências que já tive foi conhecer mais sobre a vida dos idosos, quando eles se abrem e te contam sobre a infância e lembranças do passado, você consegue ver o brilho nos olhos deles e isso é marcante demais. Meus ensinamentos foram basicamente aprender a não reclamar e saber agradecer mais, não só falar obrigado da boca para fora, mas mostrar gratidão em forma de ações, boas ações”.
Para a jovem, a caridade faz bem não só para quem a recebe, mas também para quem pratica. “Não tem sensação melhor do que saber que a sua ação realmente fez bem pra alguém e isso é o que você ganha em troca: carinhos e gratidão. (…) A maioria das pessoas acha que deve fazer boas ações só em épocas festivas, mas existem pessoas que precisam de você o ano todo, boas ações não precisam esperar, o amor não precisa ser medido nem dividido”, revela Bruna, que aconselha: “Apenas façam, não precisa exatamente entrar em uma ONG ou fazer trabalhos grandiosos, a caridade não se prende apenas a isso, para ajudar pessoas só precisamos de um coração aberto e boa vontade, apenas isso”.