Discurso

Papa à Cúria: Igreja é chamada a vencer a divisão e construir a comunhão

Em discurso, Leão XIV refletiu, à luz da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium de Francisco, sobre a amizade na Cúria Romana

Da Redação, com Vatican News

Papa vestido de branco acena sorridente aos fiéis, com a Basílica de São Pedro ao fundo

Papa Leão XIV /Foto: VATICAN MEDIAIPA/Sipa USA via Reuters

O Papa Leão XIV se reuniu na manhã desta segunda-feira, 22, com seus colaboradores da Cúria Romana para um evento tradicional: as felicitações natalinas. Depois da saudação do Cardeal-Decano, Giovanni Battista Re, o Santo Padre tomou a palavra para discorrer sobre os principais acontecimentos eclesiásticos do ano e começou recordando o seu “amado predecessor, Papa Francisco”.

“A sua voz profética, o seu estilo pastoral e o seu rico magistério marcaram o caminho da Igreja nestes anos, encorajando-nos sobretudo a recolocar a misericórdia de Deus no centro, a dar maior impulso à evangelização, a ser uma Igreja alegre e feliz, acolhedora para com todos e atenta aos mais pobres”, disse.

Desafios da missão e da comunhão

E foi inspirando-se na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium que Leão XIV aprofundou dois aspectos fundamentais da vida da Igreja: a missão e a comunhão. O texto do seu predecessor, analisou o Santo Padre, encoraja a progredir na transformação missionária da Igreja, que encontra a sua inesgotável força no mandato de Cristo Ressuscitado. 

A missão de Jesus na terra, prosseguiu o Papa, é critério de discernimento para a vida, para o caminho de fé e para as práticas eclesiais, assim como para o serviço prestado na Cúria Romana. “Com efeito, as estruturas não devem sobrecarregar e retardar a difusão do Evangelho ou impedir o dinamismo da evangelização; pelo contrário, devemos ‘fazer com que todas elas se tornem mais missionárias’ (EG 27).”

Na mesma linha de Francisco, Leão XIV defendeu que o trabalho da Cúria seja animado por esse espírito e promova a solicitude pastoral a serviço das Igrejas particulares e de seus pastores. “Precisamos de uma Cúria Romana cada vez mais missionária, na qual as instituições, os departamentos e as funções sejam pensados à luz dos grandes desafios eclesiais, pastorais e sociais de hoje, e não apenas para garantir a administração ordinária”.

Risco da rigidez e da ideologia

Ao mesmo tempo, na vida da Igreja, a missão está intimamente ligada à comunhão, sinal de uma nova humanidade em Cristo já não mais fundada na lógica do egoísmo e do individualismo, mas no amor mútuo e na solidariedade recíproca. O Pontífice classificou a tarefa como extremamente urgente, tanto ad intra quanto ad extra.

“É ad intra, pois a comunhão na Igreja continua a ser um desafio que nos chama à conversão. Por vezes, por trás de uma aparente tranquilidade, agitam-se os fantasmas da divisão. E estes fazem-nos cair na tentação de oscilar entre dois extremos opostos: uniformizar tudo sem valorizar as diferenças ou, ao contrário, exacerbar as diversidades e os pontos de vista em vez de procurar a comunhão. Dessa forma, nas relações interpessoais, nas dinâmicas internas dos gabinetes e das funções, ou ao tratar de temas que dizem respeito à fé, à liturgia, à moral e outros, corremos o risco de cairmos vítimas da rigidez ou da ideologia, com as contraposições que daí advêm.”

Sobretudo na Cúria, acrescentou Leão XIV, a Igreja é chamada a ser construtora da comunhão de Cristo, que quer tomar forma numa Igreja sinodal, onde todos colaboram e cooperam na mesma missão, cada um segundo o seu próprio carisma e função. Todavia, advertiu, isso se constrói, mais do que com palavras e documentos, através de gestos e atitudes concretas que devem se manifestar no cotidiano, também no ambiente de trabalho. 

É possível ser amigos na Cúria Romana?

O Pontífice lamentou certa “amargura” que às vezes também se espalha entre os colaboradores da Cúria. Talvez após muitos anos de serviço, percebe-se “com desgosto que certas dinâmicas relacionadas ao exercício do poder, ao desejo desenfreado de se destacar e à defesa dos próprios interesses custam a mudar”. E questionou:

“É possível ser amigos na Cúria Romana? Ter relações de amigável fraternidade? No esforço cotidiano, é muito bom quando encontramos amigos em quem podemos confiar, quando caem máscaras e subterfúgios, quando as pessoas não são usadas nem ‘passadas por cima’, quando nos ajudamos mutuamente, quando a cada um se reconhece o seu valor e a sua competência, evitando insatisfações e rancores. Há uma conversão pessoal que devemos desejar e perseguir, para que nas nossas relações transpareça o amor de Cristo que faz de todos nós irmãos.”

Tudo isso, continuou o Santo Padre, se torna um sinal também ad extra, num mundo ferido por discórdias, violências e conflitos, no qual se assiste também a um aumento da agressividade e da raiva, frequentemente instrumentalizadas pelo mundo digital e pela política. O Natal do Senhor, indicou o Papa, traz consigo o dom da paz e convida os fiéis a se tornarem um sinal profético num contexto humano e cultural excessivamente fragmentado. Assim, o trabalho da Cúria e o da Igreja em geral devem ser pensados em um amplo horizonte, já que os católicos não são “pequenos jardineiros ocupados em cuidar do próprio jardim”, mas discípulos e testemunhas do Reino de Deus.

Colocar Cristo no centro

“Caríssimos, a missão e a comunhão são possíveis se recolocarmos Cristo no centro”, encorajou Leão XIV, citando dois eventos celebrados durante o Ano Santo, o Concílio de Niceia e o Concílio Vaticano II. E antes de concluir, mencionou os 50 anos da promulgação da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, do Papa Paulo VI, documento que recorda que o trabalho de cada um é importante para o todo, e o testemunho de uma vida cristã, que se expressa na comunhão, é o primeiro e maior serviço que se pode oferecer.

O Papa se despediu citando o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, que meditando sobre o mistério do Natal escreveu: “Deus não se envergonha da insignificância do homem, mas entra nela. […] Deus ama o que está perdido, o que não é considerado, o insignificante, o que é marginalizado, fraco e abatido”.

“Que o Senhor nos conceda a sua mesma condescendência e compaixão, e o seu amor, para que nos tornemos, a cada dia, seus discípulos e testemunhas. Desejo, de coração, a todos vocês, um Feliz Natal! Que o Senhor nos traga a sua luz e dê paz ao mundo!”

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