Em carta ao Seminário Arquidiocesano de Trujillo, Leão XIV fez reflexões sobre o sacerdócio; “Igreja precisa de pastores santos, não de funcionários solitários”
Da Redação, com Vatican News

Foto: REUTERS/Yara Nardi
O Seminário Maior Arquidiocesano “San Carlos y San Marcelo” de Trujillo, no Peru, completa 400 anos de fundação. Por ocasião da celebração, o Papa Leão XIV enviou uma carta destacando a missão do local, além de recordar os incontáveis jovens que ali responderam à voz de Cristo. “Minha própria trajetória também está ligada a essa instituição, onde servi como professor e diretor de estudos”, pontuou.
A principal tarefa do seminário, segundo o Pontífice, permanece a mesma: oferecer aos jovens a oportunidade de experimentar a presença do Senhor, deixar que Ele os molde, que possam conhecê-Lo e amá-Lo, para que se tornem semelhantes a Ele. “É por isso que a Igreja estabeleceu seminários, lugares para salvaguardar essa experiência e preparar aqueles que serão enviados para servir o santo Povo de Deus”, afirmou.
Não reduzir o sacerdócio à ordenação
De acordo com o Santo Padre, é necessário deixar que o Senhor “esclareça as motivações e purifique as intenções”. “O sacerdócio não pode ser reduzido a ‘chegar à Ordenação’ como se fosse uma meta externa ou uma saída fácil para os problemas pessoais. Não é uma fuga do que não se quer enfrentar, nem um refúgio diante de dificuldades afetivas, familiares ou sociais; tampouco uma promoção ou um abrigo, mas uma doação total da existência”, frisou.
O Pontífice destacou que somente na liberdade é possível doar-se. “Preso a interesses ou medos, ninguém se entrega, pois «somos verdadeiramente livres quando não somos escravos»”, escreveu o Papa, usando um trecho de Santo Agostinho. “O decisivo não é ‘ordenar-se’, mas ser verdadeiramente sacerdotes”.
A vida no seminário, prosseguiu Leão XIV, é um caminho de retificação interior. Segundo ele, é preciso deixar que o Senhor sonde o coração e mostre com clareza o que motiva as decisões. O Santo Padre sublinhou que ter intenção reta significa poder dizer a cada dia, com simplicidade e sinceridade: “Senhor, quero ser teu sacerdote, não para mim, mas para o teu povo”. Essa transparência, indicou o Papa, é cultivada por meio da confissão frequente, da direção espiritual sincera e da obediência confiante àqueles que guiam o discernimento.
Seminaristas de coração puro
“A Igreja pede seminaristas de coração puro, que busquem Cristo sem duplicidade e não se deixem prender pelo egoísmo ou pela vaidade”, escreveu ainda. O Pontífice enfatizou que isso requer discernimento contínuo. Deste modo, ele explicou que a sinceridade diante de Deus e dos formadores protege da autojustificação e ajuda a corrigir a tempo o que não é evangélico.
Um seminarista que aprende a viver com clareza torna-se um homem maduro, livre da ambição e do cálculo humano, livre para se entregar sem reservas, apontou o Papa. Dessa forma, Leão XIV garantiu que a ordenação será a confirmação alegre de uma vida configurada com Cristo desde o seminário, além de ser o início de um caminho autêntico.
Outra atitude é que “o coração do seminarista se forma na relação pessoal com Jesus”. O Santo Padre refletiu que a oração não é um exercício acessório, nela se aprende a reconhecer a voz de Deus e a deixar-se conduzir por Ele.
“Quem não reza, não conhece o Mestre; e quem não O conhece, não pode amá-Lo de verdade nem se configurar com Ele. O tempo dedicado à oração é o investimento mais fecundo da vida, porque nela o Senhor molda os sentimentos, purifica os desejos e fortalece a vocação. Não pode falar de Deus quem pouco fala com Deus!”, disse.
Estudo
O Papa recordou que Cristo se deixa encontrar de maneira privilegiada na Sagrada Escritura. Por isso indicou que é preciso aproximar-se dela com reverência, com espírito de fé, buscando o Amigo que se revela em suas páginas. “Ali, quem se tornará sacerdote, descobre como Cristo pensa, como Ele vê o mundo, como Ele se comove com os pobres e, aos poucos, vai se revestindo dos mesmos critérios e atitudes”.
“A Igreja sempre reconheceu que o encontro com o Senhor precisa se enraizar na inteligência e se tornar doutrina”, pontuou Leão XIV. Por isso, ele frisou que o estudo é um caminho indispensável para que a fé se torne sólida, fundamentada e capaz de iluminar os outros. O Pontífice esclareceu que aqueles que se preparam para o sacerdócio não dedicam tempo aos estudos acadêmicos por mera erudição, mas por fidelidade à sua vocação.
O trabalho intelectual, especialmente o teológico, é uma forma de amor e serviço, necessária à missão, sempre em plena comunhão com o Magistério, ressaltou o Santo Padre. A oração e a busca da verdade, prosseguiu o Papa, não são caminhos paralelos, mas uma única estrada que conduz ao Mestre.
“A piedade sem doutrina torna-se sentimentalismo frágil; a doutrina sem oração torna-se estéril e fria. Cultivem ambas com equilíbrio e paixão, sabendo que só assim poderão proclamar autenticamente o que vivem e viver coerentemente o que proclamam. Quando a inteligência se abre à verdade revelada e o coração se inflama na oração, a formação torna-se fecunda e prepara para um sacerdócio sólido e luminoso”, garantiu.
Eucaristia
Leão XIV afirmou que a vida espiritual e a vida intelectual se orientam para o altar, lugar onde se constrói e se revela plenamente a identidade sacerdotal. Ali, no Santo Sacrifício, o Papa explicou que o sacerdote aprende a oferecer a sua vida, como Cristo na cruz.
“Alimentado pela Eucaristia, descobre a unidade entre ministério e compreende que a sua vocação consiste em ser sacrifício com Cristo. Assim, quando a cruz é abraçada como parte inseparável da vida, a Eucaristia deixa de ser vista apenas como um rito e torna-se o verdadeiro centro da existência”, sublinhou.
De acordo com o Pontífice, a união com Cristo no Sacrifício Eucarístico se prolonga na paternidade sacerdotal, que não gera segundo a carne, mas segundo o Espírito. “Ser pai não é algo que se faz, mas algo que se é. Da mesma forma, o sacerdote carrega todo o povo no seu coração, intercede por ele, o acompanha nas suas lutas e o sustenta na fé. A paternidade sacerdotal consiste em refletir a face do Pai, para que todo aquele que encontra o sacerdote intua o amor de Deus”.
Essa paternidade sacerdotal, destacou o Papa, se expressa em atitudes de entrega: o celibato como amor indiviso a Cristo e à sua Igreja, a obediência como confiança na vontade de Deus, a pobreza evangélica como disponibilidade para todos, e a misericórdia e a fortaleza que acompanham as feridas e sustentam na dor.
“Nelas se reconhece o sacerdote como verdadeiro pai, capaz de guiar seus filhos espirituais para Cristo com firmeza e amor. Não existe paternidade pela metade, nem sacerdócio pela metade”, comentou.
Fugir da mediocridade
Por fim, o Santo Padre salientou que os candidatos ao sacerdócio são chamados a fugir da mediocridade, em meio a perigos muito concretos: a mundanidade que dissolve a visão sobrenatural da realidade, o ativismo que esgota, a dispersão digital que rouba a interioridade, as ideologias que desviam do Evangelho e, não menos grave, a solidão de quem pretende viver sem o presbitério e sem o seu bispo.
“Um sacerdote isolado é vulnerável. A fraternidade e a comunhão sacerdotal são intrínsecas à vocação. A Igreja precisa de pastores santos que se entreguem juntos, não de funcionários solitários; só assim poderão ser testemunhas críveis da comunhão que pregam”.




